Heranças: maioria dos portugueses não preparam a sucessão
Num inquérito realizado pela DECO PROteste, no qual participaram 872 pessoas, três quintos dos inquiridos revelaram que os entes queridos não prepararam a sucessão. Nem sequer uma conversa com os herdeiros sobre a repartição dos bens. Conheça os resultados do inquérito sobre formalidades após a morte e heranças.

Pensar em tratar de formalidades relacionadas com os bens a deixar aos herdeiros, enquanto ainda se está vivo, pode trazer um arrepio na espinha. Afinal, é preparar algo que, no geral, não se pretende: a morte. Talvez por isso, um dos resultados mais expressivos do inquérito que a DECO PROteste levou a cabo, entre maio e junho de 2024, acerca de formalidades após a morte e heranças, foi este: 62% dos falecidos não tinham preparado, de nenhuma forma, a sua sucessão.
Das ações sugeridas no inquérito, a mais frequente, mas que aconteceu em apenas 15% dos casos, foi uma conversa entre o ente querido e os herdeiros acerca da repartição dos bens, abordando aspetos como as formalidades a cumprir, a existência de um testamento, os impostos a pagar, etc. Menos de um décimo dos falecidos deixaram os documentos necessários reunidos e organizados. Apenas um em cada dez resolveu a questão fazendo partilhas em vida.
Formalidades após a morte decorrem em condições adversas
A vida, após a morte de um ente querido, é difícil. Logo depois do falecimento, pode haver sentimentos de choque, inconformação, tristeza profunda, e outros, que tomam conta da existência do enlutado. Contudo, é nesta fase que os herdeiros têm também de cumprir uma série de formalidades obrigatórias.
Se houver mais do que um herdeiro, é ao cabeça-de-casal que caberá administrar a herança até que seja feita a partilha dos bens. Esta pessoa terá de comunicar o óbito às Finanças até ao final do terceiro mês após a ocorrência, juntando a lista dos bens sujeitos a Imposto do Selo (contas bancárias, Certificados de Aforro, etc.) e comprovativos das entidades responsáveis.
Dependendo do património existente, esta formalidade pode obrigar a um périplo por várias entidades para obter os documentos necessários. Quando o processo não é preparado, o que, como vimos, é o mais frequente, os herdeiros podem nem sequer estar conscientes da totalidade dos bens, o que dificulta ainda mais o cumprimento daquela formalidade.
DECO PROteste exige mais tempo e menos burocracia para as formalidades após a morte
A DECO PROteste considera que três meses é um prazo demasiado curto para cidadãos que se encontram fragilizados reclamarem aquilo que lhes pertence. Arriscam, até, ficar sem alguns bens, por não saberem da sua existência, uma vez que, não sendo reclamados em tempo útil, são considerados abandonados a favor do Estado.
A organização de consumidores tem vindo a exigir a simplificação dos processos de identificação dos bens e a centralização da informação numa única entidade, com a obtenção de um mapa completo dos bens que compõem a herança. Essa centralização poderia ser feita, por exemplo, no Espaço Óbito, um balcão onde se pode tratar de assuntos relacionados com a morte de um familiar.
Tomar algumas medidas simples, em vida, pode aliviar a carga dos herdeiros e permitir-lhes um luto mais tranquilo. Mesmo assim, à semelhança do que aconteceu com os falecidos, 44% dos inquiridos afirmaram ainda não terem feito nada nesse sentido. Dos que já fizeram algo, 36% apostaram na subscrição de um seguro de vida.
Entre os inquiridos com mais de 65 anos, cerca de metade deles não fizeram, nem tencionam fazer, testamento ou partilhas em vida. Quanto a conversar com os herdeiros, 41% planeiam fazê-lo, enquanto 37% já o fizeram. Cerca de um terço indicou já ter os documentos necessários em ordem.
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Das 872 pessoas que responderam de forma válida ao inquérito, 84% passaram pela experiência de lidar, pelo menos uma vez, com formalidades após o falecimento de familiares nos últimos dez anos. Quatro em cada dez foram os principais responsáveis por essas formalidades.
Grande parte das tarefas a desempenhar é imposta por toda a burocracia relacionada com a morte. As formalidades mais realizadas foram:
- obter a habilitação de herdeiros (77%) e a certidão de óbito (72%);
- comunicar o falecimento a bancos e instituições financeiras (71%), às Finanças (69%) e à Segurança Social (59%).
Mas há outras, como comunicar o óbito às seguradoras, aos senhorios, aos prestadores de serviços (água, eletricidade, telecomunicações, etc.), ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes e até aos fornecedores de e-mail e redes sociais na internet.
Quase metade dos inquiridos consideraram que foi difícil desempenhar estas tarefas. Realizar a habilitação de herdeiros foi a que deixou pedras no caminho de mais pessoas (31%).
Perto de três em cada dez inquiridos confessaram também maior dificuldade em tratar das burocracias com o banco. Quem já teve de o fazer sabe que é um processo que pode durar meses e exigir várias deslocações ao balcão, para entregar documentos ou assinar formulários. A melhor dica a dar é que se muna de muita paciência. Para 15% dos inquiridos, verificar se o falecido deixou testamento também foi uma tarefa difícil.
Quando as partilhas dão para o torto
Oito em cada dez herdeiros inquiridos revelaram não ter tido desentendimentos com os restantes herdeiros. Os restantes experienciaram conflitos, seja menores (12%), seja mais sérios (7%).
A divisão da herança foi o mais frequente, levando a contendas em dois terços dos casos. Para 38%, o motivo do problema foi a realização do inventário e a avaliação da herança.
Situações anteriores à herança, como nos casos em que as partilhas são feitas em vida, foram também causa de conflitos (22%). Contas, dívidas (que existiam em 5% dos casos referidos no inquérito) e empréstimos incluídos na herança foram razões para discussão em 15% das situações. Cerca de um décimo dos conflitos resultaram de violação da quota indisponível da herança.
Dois quintos dos inquiridos que relataram problemas entre herdeiros tiveram de recorrer a ajuda profissional para os resolverem, nomeadamente, a advogados, juristas, notários ou solicitadores. Mais de metade conseguiram acabar com a disputa com um acordo amigável, enquanto 16% seguiram a via judicial. Para 29% destes herdeiros, na altura em que o inquérito foi realizado, o problema ainda não tinha sido solucionado.
Mais triste é quando os problemas trazem consequências para os relacionamentos. Se 31% dos inquiridos referiram que tal não aconteceu, e 9% até consideram que a ligação ficou melhor, 69% sentiram, de facto, um impacto negativo nas relações com os outros herdeiros.
Mas os problemas não existem apenas entre herdeiros. Cerca de 10% dos inquiridos tiveram conflitos com as entidades às quais se dirigiram para tratarem das formalidades. Os bancos foram os que mais os causaram, tendo afetado três quintos destes inquiridos. Os serviços de Finanças (35%), as conservatórias de registo civil, predial e comercial (11%), e os serviços da Segurança Social (10%) completam a lista das entidades mais problemáticas. Neste caso, 31% dos envolvidos recorreram a ajuda profissional, com resultados muito semelhantes aos indicados para os herdeiros, exceto na via judicial (apenas 7% a seguiram).
Quando tiveram de recorrer a ajuda, os inquiridos ficaram, no geral, satisfeitos, sendo os advogados e os juristas os profissionais que mais agradaram (6,8 pontos em dez). A satisfação com notários, solicitadores e contabilistas foi de 5,2. As organizações de consumidores (5) e os consultores financeiros (4,8) também deixaram boa impressão.
Impostos ligados à herança
Os herdeiros têm de declarar os bens recebidos, ainda que cônjuge, unido de facto (transmissões após 1 de janeiro de 2009), pais e filhos não paguem o respetivo imposto do selo. Três em cada dez herdeiros que participaram no estudo não alimentaram expectativas em relação aos impostos que tinham, ou não, de pagar ao receberem a herança. Já 40% estavam conscientes dessa obrigação e referiram ter pago mais ou menos o que estavam à espera. Cerca de um quarto pagou mais do que tinha pensado.
Se 52% disseram ter pago os devidos impostos sem dificuldade, 16% confessaram ter sido algo difícil. Para 6%, revelou-se mesmo muito difícil cumprir essa obrigação e 0,4% reconheceram não terem conseguido pagar os impostos que eram devidos. Um quarto dos herdeiros indicaram não ter pago impostos.
No fim de contas, 38% dos herdeiros consideraram difícil a experiência de lidar com as formalidades decorrentes da morte de um familiar ou amigo próximo. Quanto mais herdeiros estiveram envolvidos, maior foi a dificuldade, o que reforça a utilidade de preparar a herança em vida.