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Depressão: uma doença mental que pode ser tratada

As perturbações depressivas serão a principal causa de incapacidade ao nível mundial até 2030. Conheça o testemunho de alguém afetado por uma depressão major, uma das mais prevalentes, mas que tem tratamento.

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31 julho 2025
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iStock

Certo dia, João, chamemos-lhe assim, saiu de casa, pegou no carro e conduziu em direção ao Guincho. A ideia era o suicídio: "Enquanto conduzia, só pensava na ideia de chegar àquelas falésias e de atirar-me ao mar. Dar eu próprio um fim àquilo que parecia eterno, a minha depressão". Hoje, fala no pretérito imperfeito de uma condição que o consumiu por quase dez anos. A viagem até ao Guincho não se completou. "Hoje, chamo-lhe sorte, mas já lhe chamei azar. Tive um acidente a caminho, que me levou às urgências do hospital, com três vértebras partidas". João já consegue relatar o episódio sem a voz embargada, mas ainda lhe custa assumir que pensou no suicídio. Daí ter pedido o anonimato. Até porque "o estigma ainda está muito presente quando se fala em depressão, sobretudo nos homens".

Acidente motivou procura de tratamento para depressão

A este acidente João chama o seu "grito do Ipiranga". Diz que foi a partir daqui que começou a investir no tratamento. "Tenho 52 anos e fui diagnosticado com uma depressão major aos 42, mas o curioso é que só fui procurar ajuda à conta de um burnout. Tive um ataque de pânico na casa de banho da empresa, pensei que estava a ter um acidente vascular cerebral (AVC). Foi assim que cheguei ao hospital e fui encaminhado para a psiquiatria", conta. Entretanto, foi-lhe atestado um burnout, uma síndrome de esgotamento profissional provocado por uma má gestão de stresse crónico associado ao trabalho, que vinha acompanhado por uma depressão major. Estava explicada a tristeza permanente que sentia havia, pelo menos, um ano.

Oiça o episódio do podcast POD Pensar sobre saúde mental, com a psiquiatra Ana Matos Pires e a psicóloga Ana Moniz.

Saúde mental em Portugal: um retrato preocupante

João faz parte de uma estatística pouco otimista para o nosso país em termos de saúde mental. Em 2019, Portugal era o país da União Europeia com a percentagem mais elevada de depressão crónica reportada: 12,2 por cento.

A depressão é, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma das doenças mentais mais prevalentes do mundo, com um aumento significativo e constante nas últimas décadas: 50% de novos casos, entre 1990 e 2017. A OMS estima que se torne a principal causa de incapacidade no mundo até 2030. A depressão major, uma das mais prevalentes, afetou 193 milhões de pessoas mundialmente, em 2020, número que cresceu cerca de 28% com a pandemia de covid-19. Dados de 2021 mostram que 7,2% da população da União Europeia afirmavam ter depressão crónica, ou seja, uma em 14 pessoas.

Causas: o puzzle que pode levar à depressão

Mulheres, jovens e separados ou viúvos exibiram, no referido estudo, maior ocorrência de perturbações psiquiátricas, um retrato onde se enquadra o João da nossa história. A origem da sua depressão só tinha, para si, uma resposta: a separação da mulher com quem havia casado uma década antes e com quem tinha uma filha, na altura, com 8 anos.

Mas as perturbações depressivas não têm uma só causa: antes, envolvem um conjunto complexo de processos biológicos e a sua interação com fatores individuais e do ambiente. É muito provável que o primeiro episódio depressivo suceda a um evento stressante, mas a influência genética também pesa. O risco de depressão grave aumenta até três vezes em pessoas que têm um familiar em primeiro grau com histórico de depressão.

A forma como o indivíduo interage com o ambiente também pode influenciar a predisposição para desenvolver uma perturbação afetiva. A exposição ao stresse é o rastilho ambiental mais comum, e pode acontecer de variadas formas: em eventos negativos agudos, situações de vida cronicamente stressantes e adversidades na infância. A depressão ocorre, no geral, após uma perda importante para o sentido do “eu”, como a de pessoas próximas, de relações importantes ou de valor, e de competência pessoal.

Certos fatores cognitivos e traços de personalidade pesam igualmente. Os fatores cognitivos dizem respeito à forma como cada pessoa pensa e interpreta o mundo. Indivíduos com depressão, ou com maior risco de a desenvolver, tendem a interpretar os acontecimentos de forma deturpada, demasiado pessimista e autocrítica. Quanto à personalidade, um dos traços mais associados à predisposição para episódios depressivos é o neuroticismo, definido como uma emocionalidade negativa e uma elevada reatividade ao stresse real e ao percebido.

Era assim que João se sentia. "Não via luz ao fundo do túnel. Esse era o pior sentimento que tinha. Uma sensação de impotência que me consumia e que me fazia entrar em conflito comigo mesmo. Mas não agia, não tinha vontade para nada. Quando o telefone tocava, estremecia. Não queria falar com ninguém. A desmotivação era persistente, bem como a falta de esperança", relata. Foram estes sentimentos que o levaram à ideação suicida. Antes disso, passou por dois psiquiatras e um psicoterapeuta, que, segundo diz, não conseguiram ajudar muito, porque não queria ser ajudado. "Cheguei a negligenciar o tratamento farmacológico, que me punha dopado o dia todo, e faltava às consultas de psicoterapia", justifica.

Depressão é forte motivo de baixa médica

Neste estado de total apatia, João perdeu a conta às baixas que apresentou na empresa – e daí até ao desemprego foi um passo. Licenciado em Economia, trabalhou durante anos numa multinacional que não resistiu à sua falta de produtividade. "Quando recuperei do burnout, voltei à empresa, mas nunca mais consegui produzir o mesmo. A depressão ainda estava muito viva em mim. Cheguei a acordo e vim-me embora, sem qualquer alternativa de emprego ou objetivo. Era só eu e a depressão".

De facto, uma perturbação depressiva envolve maior risco de desemprego. Além disso, é o principal fator de risco para suicídio e ideação suicida e está associada a doenças como acidentes vasculares cerebrais, diabetes e cancro. 

Depressão tem solução

A depressão major, a mais prevalente, muito tem contribuído para este cenário: uma disposição deprimida (triste, sem esperança), visível quase todos os dias, o dia todo, durante, pelo menos, duas semanas, destacando-se como uma mudança face ao funcionamento normal. A incapacidade que lhe está associada tanto pode ser muito ligeira, permitindo um elevado grau de funcionalidade, como pode ir até um extremo incapacitante, em que não é possível responder às necessidades básicas.

João chegou a este extremo. Desempregado, passava a vida no quarto, muitas vezes, às escuras. "Hoje, digo que fui salvo por dois monstros: o burnout, primeiro, e o acidente, depois. O burnout, porque me levou até à psiquiatria, de que saí com o diagnóstico adicional de depressão. E o acidente, porque me levou a perceber que estava a ter uma segunda oportunidade. Fiz tudo de novo, mas com um objetivo bem definido: queria voltar a viver". João fez o tratamento com medicação antidepressiva e terapia cognitiva comportamental, agora sem falhas.

E resultou. A depressão tem solução. Com o acompanhamento certo, os sintomas podem ser erradicados. João é um exemplo disso, há mais de um ano desde que refez a sua vida. "Depois de tantos anos com a vida intermitente, consegui voltar a ter a guarda partilhada da minha filha, um novo emprego na minha área e até uma namorada. Hoje, não dispenso o exercício físico, uma alimentação saudável e uma boa noite de sono, porque prevenir é mesmo o melhor remédio. Ninguém merece passar por isto".

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