Psicologia: 5 terapias para a mente
A procura por consultas de psicologia disparou desde a pandemia. Se precisa de ajuda, conheça algumas terapias a que recorre a ciência que estuda a mente e o comportamento humano, e prepare-se para abrir o coração. Pode ser difícil no início, mas depois vai sentir-se aliviado.
- Especialista
- Susana Santos
- Editor
- Inês Lourinho
Neste artigo
- Portugal tem metade dos psicólogos necessários
- Um cenário para entender as diferentes abordagens
- Respostas da psicologia para o mesmo problema
- Psicólogo e paciente: uma relação feita de confiança
- Terapia psicodinâmica ou psicanálise
- Terapia cognitivo-comportamental
- Psicoterapia humanista
- Terapia sistémica
- Terapia integrativa

Os caminhos da mente podem ser sinuosos, repletos de obstáculos, ramais secundários, desvios e becos sem saída. Mas terapias não faltam para explorar e conquistar os nossos mundos interiores. A psicologia, que estuda a mente e o comportamento humano, oferece um bom espectro de abordagens com provas dadas, e que podem ser usadas em separado ou combinadas, para potenciar os resultados. E Portugal bem precisa, pois é dos países europeus com maior incidência de distúrbios mentais (23 por cento).
A pandemia veio sublinhar a necessidade de cuidar da saúde mental. Neste contexto, a psicologia, juntamente com outros ramos da ciência, como a psiquiatria, tornou-se uma ferramenta muito procurada, agora com menos receio do estigma. Pedir ajuda passou a ser encarado como um gesto mais natural. Mas será que o sistema de saúde estende a mão a este pedido de auxílio?
Voltar ao topoPortugal tem metade dos psicólogos necessários
A avaliar pelas contas da Ordem dos Psicólogos Portugueses, o nosso país tem metade dos terapeutas necessários para atender a população. O rácio equilibrado é de um para cinco mil habitantes. O Serviço Nacional de Saúde conta com um psicólogo para 9687 cidadãos. Se considerarmos apenas os centros de saúde, existe um único terapeuta para cada 41 188 habitantes.
Os estudos da DECO PROTESTE mostram que, apesar de algumas melhorias, esta carência de recursos, sobretudo humanos, empurra os tempos de espera por consultas para números que, em muito, excedem os prazos legalmente estabelecidos. Mesmo em casos urgentes, não são incomuns esperas de meses, que podem agravar o estado de quem sofre de distúrbios do foro mental, um cenário com impacto pessoal, mas também social e económico. Aumenta o absentismo ao trabalho, aumenta o recurso aos apoios da Segurança Social e do próprio Serviço Nacional de Saúde.
Este círculo vicioso só a prometida reforma dos cuidados de saúde mental, entre outras medidas, com a contratação de mais psicólogos, poderá quebrar. Até lá, os números vão mostrando uma realidade desoladora: 60% dos doentes diagnosticados não têm acesso a cuidados de saúde mental.
Voltar ao topoUm cenário para entender as diferentes abordagens
E como podem os instrumentos da psicologia ajudar quem precisa? Analisemos um cenário que, embora fictício, a pandemia até terá tornado algo comum. Um indivíduo solteiro, na casa dos 30 anos, revela sentimentos de ansiedade, tristeza e apatia, por vezes, avassaladores. A ansiedade conhece pequenos picos aqui e ali.
O quadro arrasta-se desde há meses, sem que este trintão, que vive sozinho, consiga identificar problemas específicos em nenhuma área da vida. Está aborrecido e desconfortável, e distancia-se de familiares e amigos. Diz-se cansado de lutar com a vida.
Mora num apartamento arrendado, mas está a poupar para comprar a casa dos seus sonhos. Não tem horários de trabalho, gosta de sair todos os fins de semana, é aficionado de livros, cinema e arte em geral, pratica desporto três vezes por semana, acompanha de perto os eventos culturais e, todos os anos, faz férias com os amigos.
Já desenhou mentalmente todo o perfil? Exploremos agora cinco caminhos para ligar esta mente, através de um exercício que não pretende ser um diagnóstico nem um tratamento, mas uma explicação das potencialidades da psicologia.
Voltar ao topoRespostas da psicologia para o mesmo problema
A terapia psicodinâmica, também conhecida como psicanálise, diria a este trintão que a ansiedade, a tristeza e a apatia são sintomas de conflitos interiores e de um exacerbado sentido da responsabilidade. Outra possibilidade seria resultarem de uma colisão entre ego e superego ou até de um eventual problema ocorrido na infância. E o que vem a ser isto de ego e superego? Bem, o ego é o “eu”, a parte da mente que funciona de modo consciente e que interpreta a realidade, a memória, as emoções e a perceção. Já o superego, que funciona tanto inconsciente quanto conscientemente, é a censura, a culpa e o medo da punição. As noções de certo e errado, e as imposições sociais, por exemplo, estão no plano do superego. A psicanálise basear-se-ia, pois, no exame de memórias, experiências na infância, sonhos ou outras sensações.
A terapia cognitivo-comportamental fixaria dois objetivos simultâneos: eliminar ou reduzir os sentimentos negativos, e modificar as crenças, as distorções ou outros mecanismos favorecedores das noções de luta com a vida e de responsabilidade avassaladora. A distância face aos entes queridos seria, provavelmente, entendida como consequência deste quadro. O psicólogo iria procurar informações sobre emoções, pensamentos e dificuldades, mas também promover técnicas de relaxamento e de reforço de hábitos saudáveis quanto a sono e alimentação. Estas seriam algumas possibilidades. O objetivo? Interpelar o paciente a partir da informação recolhida, levando-o a refletir sobre alternativas.
A psicoterapia humanista, por sua vez, olharia o caso pelo prisma da incoerência. A ansiedade, a tristeza, a apatia e o distanciamento seriam sintomas da incoerência entre a vida do paciente e as suas oportunidades para desenvolvimento pessoal. Assim, é provável que o psicólogo procurasse estimular no paciente, através de confrontação, reflexão e escuta ativa, a tomada de consciência quanto às suas emoções e experiências, para lidar com elas da forma mais adequada. Também procuraria ajustar a intensidade do tal sentido de responsabilidade a cada situação concreta.
A terapia sistémica não teria aplicação neste caso, porque o indivíduo é solteiro e vive sozinho, sem nenhum sistema de cônjuge ou familiares a envolvê-lo. Trata-se de uma abordagem que olha para o indivíduo a partir das suas relações interpessoais e dos potenciais conflitos daí resultantes.
A perspetiva integrativa, finalmente, iria combinar as visões da terapia cognitivo-comportamental e da psicoterapia humanista. Na prática, como se traduziria o dois-em-um? A terapia iria, primeiro, focar-se nas emoções e no seu impacto nos problemas do doente, sublinhando esta influência e procurando evitar padrões de comportamento – por exemplo, obrigando-o a refletir e fornecendo-lhe ferramentas potenciadoras de uma atitude assertiva. Noutra fase, o psicólogo poderia explicar o ciclo da mente, e o vaivém entre pensamentos, emoções e comportamentos. Poderia ainda desfazer visões distorcidas da realidade e pensamentos irracionais, e desenvolver no paciente mecanismos para se autocontrolar e encontrar o caminho mais adequado.
Voltar ao topoPsicólogo e paciente: uma relação feita de confiança
Quem procura o psicólogo deve, assim, estar disponível para abrir o coração e partilhar o que lá vai dentro. Nem sempre será fácil. Medo, vergonha ou culpa são sentimentos que, muitas vezes, bloqueiam a narrativa. Lembre-se, contudo, de que um psicólogo não julga. Além disso, trata-se de um processo, de um caminho que pode ser longo de meses ou anos, e é preciso confiar. As primeiras vezes talvez sejam algo complicadas, mas depois tendem a revelar-se mais fluidas, sobretudo quando a relação entre paciente e terapeuta é feita de confiança.
Para lá chegar, e se não tiver a sorte de conseguir consulta no Serviço Nacional de Saúde, nada como escolher bem logo à partida. O terapeuta, para exercer, tem de estar inscrito na Ordem dos Psicólogos Portugueses e possuir cédula profissional: pode confirmar online. No site Encontre uma Saída, pesquise entre mais de seis mil psicólogos. Escolha um terapeuta que aplique o modelo mais eficaz para o seu problema. Em função do seu código deontológico, abster-se-á de intervir, se considerar que não tem a preparação adequada para a situação, encaminhando para outro profissional. E lembre-se: se já procurou ajuda e não resultou, tente novamente. Irá, com certeza, encontrar alguém com quem se identifique e sinta apoiado.
Voltar ao topoTerapia psicodinâmica ou psicanálise
Desenvolvida pelo médico neurologista austríaco Sigmund Freud, a psicanálise põe o passado e o inconsciente no centro da experiência humana e analisa o comportamento para lá dos gestos que são observáveis. Composta por diferentes energias (pulsões) que chocam constantemente no inconsciente, a mente compreende três estruturas: o id (inconsciente, lugar de impulsos e paixões), o ego (eu consciente) e o superego, que está entre os dois níveis anteriores e restringe o último por meio das normas sociais.
Como funciona
A psicanálise tende a precisar de mais tempo do que as restantes técnicas, uma vez que a intervenção no plano do inconsciente pode demorar a produzir resultados. O psicólogo assume sobretudo um papel passivo, limitando-se a fazer pequenas observações e deixando liberdade ao paciente para abordar o que o preocupa. A partir deste quase monólogo, surgem as ideias, a descoberta do paciente quanto à origem dos seus problemas.
Que provas já deu
Tradicionalmente, a psicanálise era criticada por não ser baseada em dados científicos. O estudo e o tratamento do inconsciente, de facto, levantam desafios quanto à aplicação de um método científico. Ao logo do tempo, foi, no entanto, introduzindo técnicas que têm dado provas contra depressão, transtorno de adaptação, distúrbios psicóticos e abuso de substâncias.
Voltar ao topoTerapia cognitivo-comportamental
O paradigma comportamental tem origem em finais do século XIX, pela mão de Ivan Pavlov, neurologista, psicólogo e fisiologista russo. Analisa comportamentos interiorizados que podem espoletar problemas. Já o paradigma cognitivo centra-se na forma como o paciente processa a informação no dia-a-dia. A combinação dos dois paradigmas, talvez a terapia mais utilizada, diz que o comportamento é o resultado da informação processada em cada situação vivida: que atenção lhe dedica o doente, como compreende e interpreta o que está a acontecer. O processo é condicionado por experiências passadas, crenças, distorções, preconceitos, etc.
Como funciona
Para mudar comportamentos disfuncionais ou pouco adaptativos, e os sentimentos e as emoções a eles associados, recorre a exercícios práticos durante as sessões e a tarefas para fazer ou pensar em casa. A ideia é mudar padrões negativos, crenças limitativas e distorções.
Que provas já deu
A terapia cognitivo-comportamental tem sido criticada por desvalorizar a importância da mente e por favorecer uma relação terapêutica paternalista. Nos últimos anos, passou, contudo, a adotar uma atitude mais humanista e a procurar uma relação equilibrada entre psicólogo e doente. Tem mostrado resultados no tratamento de vários tipos de perturbações: ansiedade, humor, alimentação e sono.
Voltar ao topoPsicoterapia humanista
Desenvolvida no princípio do século XX, só em meados dessa centúria ganhou destaque, fruto de investigação, da influência da filosofia e do impacto social da Segunda Guerra Mundial. Não negando os contributos da psicanálise e da terapia cognitivo-comportamental, soma-lhes noções como potencial humano, desenvolvimento pessoal e sentido da vida. Defende que os aspetos positivos do comportamento devem ser analisados, e não só os disfuncionais, e que a relação entre terapeuta e paciente deve envolver valores humanistas, uma visão que tem sido adotada nos cuidados de saúde em geral.
Como funciona
Baseia-se na relação igualitária entre terapeuta e paciente. O primeiro é o especialista da mente e do comportamento, mas tem empatia, aceitação incondicional e coerência de atitudes, e o segundo é o especialista de si próprio. O objetivo é levar o paciente a ganhar responsabilidade sobre si e a realizar o seu potencial máximo.
Que provas já deu
Era criticada por não apresentar evidência empírica e valorizar questões filosóficas. Mas a importância que dá às emoções, ao sentido da vida e ao desenvolvimento pessoal levou a que fosse incorporada pela terapia cognitivo-comportamental. Tem resultados positivos na depressão, na ansiedade e no stresse.
Voltar ao topoTerapia sistémica
Remonta à segunda metade do século XX, quando a teoria geral dos sistemas e a teoria computacional foram formuladas. Considera sistema um grupo de pessoas ligadas por um motivo, e dirige-se mais a problemas relacionados com a família, a ponto de também ser conhecida como terapia familiar. Dentro do grupo, há papéis, limites, formas de comunicar e relações que influenciam todos os membros. Também pode haver subgrupos. Assim, uma família é um sistema, em que, por exemplo, os pais podem ser um subsistema. Uma equipa, profissional ou desportiva, será outro sistema. As relações no grupo trazem formas de resistir a problemas, apoio ou valores, mas também podem causar stresse, conflitos ou traumas.
Como funciona
É comum uma equipa de terapeutas, um que lidera o processo e outro que observa as reações e a comunicação não-verbal, tentar recuperar a dinâmica do grupo, por exemplo, restaurando limites e melhorando a comunicação.
Que provas já deu
Não é frequente ser objeto de estudos científicos, pois os problemas em causa nem sempre podem ser abordados segundo os mais comuns manuais de diagnóstico. Ainda assim, é uma opção para distúrbios psicóticos ou obsessivos-compulsivos, depressão, anorexia e abuso de substâncias.
Voltar ao topoTerapia integrativa
A abordagem integrativa pretende assimilar os diferentes paradigmas da psicologia numa única visão (por exemplo, combinando a terapia cognitivo-comportamental e a psicoterapia humanista). A explicação também é de natureza prática: uma panóplia de recursos mais alargada permite ao terapeuta uma estratégia desenhada à medida das necessidades de cada paciente, sejam cognitivas, sejam comportamentais ou, ainda, emocionais, sociais, espirituais, políticas ou culturais.
Como funciona
O mais natural é que as várias escolas da psicologia se mantenham e sejam ensinadas na sua forma original, mas parece evidente que muitos terapeutas irão recorrer cada vez mais a conceitos e métodos de todas elas. Será, assim, possível satisfazer as necessidades de um paciente que, por exemplo, não esteja a evoluir positivamente com as ferramentas propostas por um dado modelo original.
Que provas já deu
Embora seja um campo relativamente recente, a terapia integrativa já revelou evidência científica para alguns problemas: ansiedade, transtorno de personalidade borderline, depressão, distúrbios psicóticos, abuso de substâncias e transtorno somatoforme (ter sintomas físicos de doenças que, na realidade, não existem).
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