Medo de ficar de fora ou ecoansiedade são ou não doenças?
Ecoansiedade, FOMO e cibercondria fazem parte das chamadas "disease mongering". Servem para rotular alguns comportamentos, mas não são doenças. Saiba porquê.
- Especialista
- Susana Santos
- Editor
- Fátima Ramos

Por norma, no início de cada semana de trabalho, sente grande resistência a sair da cama, está mais apático e tem maior dificuldade de concentração? E se lhe dissessem que sofre de síndrome da segunda-feira de manhã, cujos sintomas podem ser aliviados com um comprimido? Não seria verdade, mas a situação retrata bem o conceito de disease mongering. A expressão não tem uma tradução oficial em português, mas pode significar algo como “criação ou venda de doença”, isto é, a arte de convencer pessoas saudáveis (ou com algum fator de risco) de que estão doentes e precisam de tratamento. O fenómeno surgiu, sobretudo, por influência da indústria farmacêutica, grande patrocinadora de conferências e congressos científicos, da qual depende uma parte significativa da investigação em saúde.
Novos nomes para problemas já existentes
À área da psicologia, a dita “comercialização da doença” chegou há cerca de duas décadas, quando a saúde mental começou a ocupar mais espaço na agenda das preocupações, devido, por exemplo, à degradação das condições de trabalho e de vida, ao aumento da pobreza e das desigualdades sociais. Um maior foco nos problemas de saúde mental aumenta o recurso a tratamentos, mas também oferece o ambiente propício para criar necessidades, de forma a aumentar as vendas de produtos ou serviços. E como se faz isto? Alargam-se os limites do que se considera doença, de forma a abranger mais pessoas, e/ou criam-se novas “doenças”. Muitas vezes, estas não são mais do que novos nomes para problemas já existentes, em resposta a tendências sociais, como as preocupações com as alterações climáticas ou a cibersegurança. As preocupações-tendência da sociedade podem afetar alguns indivíduos de forma particular, causando maior ansiedade. Tal não significa, contudo, que sejam doenças com identidade própria e a precisar de tratamento específico.
Cibercondria: busca incessante de doenças na net
Traduz-se num comportamento compulsivo de pesquisa na internet de sintomas ou problemas de saúde, associado a ansiedade e stresse. Cibercondria difere da “clássica” hipocondria apenas na fonte de informação: antes da vulgarização da internet, procurava-se respostas junto do médico ou em enciclopédias. Aplicando um ou outro rótulo, os efeitos são basicamente os mesmos. Apesar do crescente interesse pelo novo conceito, não é certo que seja uma afeção diferente.
Ecoansiedade: quando os problemas ambientais preocupam demais
A preocupação com as alterações climáticas e o medo das suas consequências estão cada vez mais presentes, sobretudo, nas gerações mais novas. Apesar de já haver profissionais dedicados a esta área, a ecoansiedade não está classificada como doença. O medo, a incerteza e a sensação de falta de controlo face aos problemas ambientais, além de expectáveis, podem ser benéficos, por levarem à alteração de hábitos.
FOMO ou o medo constante de perder algo
Da expressão inglesa fear of missing out, FOMO significa ansiedade e angústia por “medo de ficar de fora” ou “medo de perder algo”. Aplica-se sobretudo às redes sociais: a pessoa tende a consultar frequentemente as suas contas para sentir que mantém o controlo. Apesar de associado a ansiedade, insucesso escolar e uso excessivo da net, entre outros, este comportamento é mais um reflexo das tendências sociais do que uma perturbação psíquica: as raízes estão na antiga necessidade de integração social e de pertença a um grupo.
Pessoa altamente sensível: uma característica da personalidade?
A expressão, introduzida por uma psicóloga norte-americana, designa pessoas com elevada sensibilidade, profundamente empáticas e que ficam muito perturbadas com situações de violência ou agressividade. A autora diz que não é uma perturbação, mas um traço de personalidade inato. Por serem vagas, estas características aplicam-se a vários indivíduos: rotulá-las pode criar (ou aumentar) estigmas. Além disso, o conceito não foi validado pela comunidade científica.
Síndrome do impostor ou baixa autoestima?
Trata-se de um rótulo atribuído àqueles que se julgam uma fraude, isto é, que sentem não ter conhecimentos ou capacidades que justifiquem certas conquistas profissionais ou pessoais, atribuindo-as à sorte. Por isso, vivem aterrorizados com a possibilidade de alguém o descobrir. Não é uma perturbação mental particular, mas o reflexo de insegurança, de baixa autoestima e da necessidade da aprovação dos outros.
Aconselhamento médico pode ser necessário
A "indústria da felicidade" e a "cultura terapêutica", desenvolvidas nos países ocidentais, estimulam a criatividade no que respeita à criação de patologias, levando-nos a acreditar que dificuldades normais do dia-a-dia são problemas de saúde. Estar triste ou stressado, por exemplo, são estados frequentemente vistos como “anomalias” a consertar com medicamentos, produtos ou livros de autoajuda. É claro que, nalguns casos, estas condições fazem parte de um quadro depressivo que precisa de acompanhamento médico. Também é certo que, quando há emoções à mistura, as fronteiras entre saúde e doença são muito ténues e podem variar consoante a pessoa. Por isso, na dúvida, o mais prudente é consultar o médico e discutir a forma de enfrentar o problema. Contudo, convém ter em mente que a maioria dos casos de tristeza, stresse e ansiedade são apenas estados normais e, até, benéficos para resolver certas situações, como a perda de alguém ou uma questão de trabalho.
Ao transformarem experiências de vida comuns em doenças, os novos diagnósticos aumentam a dependência da população face aos cuidados de saúde mental, bem como o consumo de fármacos e/ou de outras terapias. Esta forma de atuar pode diminuir a frustração social, mas também reduz a tolerância à dor psíquica e a capacidade para enfrentar os problemas do dia-a-dia. Assim, em vez de aprender a lidar com a dose de sofrimento que lhe cabe, a pessoa toma medicamentos, que podem melhorar os sintomas, mas não curam o mal. Mais cedo ou mais tarde, surgem dificuldades idênticas, e o ciclo repete-se. Mais: qualquer tratamento implica risco de reações adversas, além da despesa que representa para o utente e para o Serviço Nacional de Saúde.
Por outro lado, há que considerar a questão dos recursos humanos (escassos, no Serviço Nacional de Saúde), que, uma vez alocados a estas situações, deixam de acudir a doentes necessitados de cuidados diferenciados ou dão a resposta mais fácil e rápida: prescrição de medicamentos. Esta forma de agir não é sempre a mais ajustada e pode vedar a busca de soluções de longo prazo.
Mas nem tudo é mau. O reconhecimento social dos problemas de saúde mental tem permitido também descobrir problemas não diagnosticados, agilizar a ajuda e reduzir o estigma associado a estas doenças.
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