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Medo de ficar de fora ou ecoansiedade são ou não doenças?

Ecoansiedade, FOMO e cibercondria fazem parte das chamadas "disease mongering". Servem para rotular alguns comportamentos, mas não são doenças. Saiba porquê.

21 julho 2022
Doenças “inventadas”

iStock

Por norma, no início de cada semana de trabalho, sente grande resistência a sair da cama, está mais apático e tem maior dificuldade de concentração? E se lhe dissessem que sofre de síndrome da segunda-feira de manhã, cujos sintomas podem ser aliviados com um comprimido? Não seria verdade, mas a situação retrata bem o conceito de disease mongering. A expressão não tem uma tradução oficial em português, mas pode significar algo como “criação ou venda de doença”, isto é, a arte de convencer pessoas saudáveis (ou com algum fator de risco) de que estão doentes e precisam de tratamento. O fenómeno surgiu, sobretudo, por influência da indústria farmacêutica, grande patrocinadora de conferências e congressos científicos, da qual depende uma parte significativa da investigação em saúde.

Novos nomes para problemas já existentes

À área da psicologia, a dita “comercialização da doença” chegou há cerca de duas décadas, quando a saúde mental começou a ocupar mais espaço na agenda das preocupações, devido, por exemplo, à degradação das condições de trabalho e de vida, ao aumento da pobreza e das desigualdades sociais. Um maior foco nos problemas de saúde mental aumenta o recurso a tratamentos, mas também oferece o ambiente propício para criar necessidades, de forma a aumentar as vendas de produtos ou serviços. E como se faz isto? Alargam-se os limites do que se considera doença, de forma a abranger mais pessoas, e/ou criam-se novas “doenças”. Muitas vezes, estas não são mais do que novos nomes para problemas já existentes, em resposta a tendências sociais, como as preocupações com as alterações climáticas ou a cibersegurança. As preocupações-tendência da sociedade podem afetar alguns indivíduos de forma particular, causando maior ansiedade. Tal não significa, contudo, que sejam doenças com identidade própria e a precisar de tratamento específico.

Cibercondria: busca incessante de doenças na net

Traduz-se num comportamento compulsivo de pesquisa na internet de sintomas ou problemas de saúde, associado a ansiedade e stresse. Cibercondria difere da “clássica” hipocondria apenas na fonte de informação: antes da vulgarização da internet, procurava-se respostas junto do médico ou em enciclopédias. Aplicando um ou outro rótulo, os efeitos são basicamente os mesmos. Apesar do crescente interesse pelo novo conceito, não é certo que seja uma afeção diferente.

Ecoansiedade: quando os problemas ambientais preocupam demais

A preocupação com as alterações climáticas e o medo das suas consequências estão cada vez mais presentes, sobretudo, nas gerações mais novas. Apesar de já haver profissionais dedicados a esta área, a ecoansiedade não está classificada como doença. O medo, a incerteza e a sensação de falta de controlo face aos problemas ambientais, além de expectáveis, podem ser benéficos, por levarem à alteração de hábitos. 

FOMO ou o medo constante de perder algo

Da expressão inglesa fear of missing out, FOMO significa ansiedade e angústia por “medo de ficar de fora” ou “medo de perder algo”. Aplica-se sobretudo às redes sociais: a pessoa tende a consultar frequentemente as suas contas para sentir que mantém o controlo. Apesar de associado a ansiedade, insucesso escolar e uso excessivo da net, entre outros, este comportamento é mais um reflexo das tendências sociais do que uma perturbação psíquica: as raízes estão na antiga necessidade de integração social e de pertença a um grupo.

Pessoa altamente sensível: uma característica da personalidade?

A expressão, introduzida por uma psicóloga norte-americana, designa pessoas com elevada sensibilidade, profundamente empáticas e que ficam muito perturbadas com situações de violência ou agressividade. A autora diz que não é uma perturbação, mas um traço de personalidade inato. Por serem vagas, estas características aplicam-se a vários indivíduos: rotulá-las pode criar (ou aumentar) estigmas. Além disso, o conceito não foi validado pela comunidade científica. 

Síndrome do impostor ou baixa autoestima?

Trata-se de um rótulo atribuído àqueles que se julgam uma fraude, isto é, que sentem não ter conhecimentos ou capacidades que justifiquem certas conquistas profissionais ou pessoais, atribuindo-as à sorte. Por isso, vivem aterrorizados com a possibilidade de alguém o descobrir. Não é uma perturbação mental particular, mas o reflexo de insegurança, de baixa autoestima e da necessidade da aprovação dos outros.

Aconselhamento médico pode ser necessário

A "indústria da felicidade" e a "cultura terapêutica", desenvolvidas nos países ocidentais, estimulam a criatividade no que respeita à criação de patologias, levando-nos a acreditar que dificuldades normais do dia-a-dia são problemas de saúde. Estar triste ou stressado, por exemplo, são estados frequentemente vistos como “anomalias” a consertar com medicamentos, produtos ou livros de autoajuda. É claro que, nalguns casos, estas condições fazem parte de um quadro depressivo que precisa de acompanhamento médico. Também é certo que, quando há emoções à mistura, as fronteiras entre saúde e doença são muito ténues e podem variar consoante a pessoa. Por isso, na dúvida, o mais prudente é consultar o médico e discutir a forma de enfrentar o problema. Contudo, convém ter em mente que a maioria dos casos de tristeza, stresse e ansiedade são apenas estados normais e, até, benéficos para resolver certas situações, como a perda de alguém ou uma questão de trabalho. 

Ao transformarem experiências de vida comuns em doenças, os novos diagnósticos aumentam a dependência da população face aos cuidados de saúde mental, bem como o consumo de fármacos e/ou de outras terapias. Esta forma de atuar pode diminuir a frustração social, mas também reduz a tolerância à dor psíquica e a capacidade para enfrentar os problemas do dia-a-dia. Assim, em vez de aprender a lidar com a dose de sofrimento que lhe cabe, a pessoa toma medicamentos, que podem melhorar os sintomas, mas não curam o mal. Mais cedo ou mais tarde, surgem dificuldades idênticas, e o ciclo repete-se. Mais: qualquer tratamento implica risco de reações adversas, além da despesa que representa para o utente e para o Serviço Nacional de Saúde. 

Por outro lado, há que considerar a questão dos recursos humanos (escassos, no Serviço Nacional de Saúde), que, uma vez alocados a estas situações, deixam de acudir a doentes necessitados de cuidados diferenciados ou dão a resposta mais fácil e rápida: prescrição de medicamentos. Esta forma de agir não é sempre a mais ajustada e pode vedar a busca de soluções de longo prazo. 

Mas nem tudo é mau. O reconhecimento social dos problemas de saúde mental tem permitido também descobrir problemas não diagnosticados, agilizar a ajuda e reduzir o estigma associado a estas doenças.

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