Body shaming também afeta os adultos
As redes sociais elevaram o culto do corpo "perfeito" e a comparação social a uma escala sem precedentes. Tempo, frequência e forma de utilização destas plataformas aumentam riscos de insatisfação e falta de autoestima, tanto em mulheres, como em homens.

Anabela, mulher vistosa, de olhos azuis, começou a ganhar peso aos 30 anos, principalmente devido ao seu trabalho como repórter num programa de informação televisiva. “Começava de madrugada. Precisava de comer para raciocinar, para não parar. Chegava a tomar três pequenos-almoços para conseguir manter a energia”, recorda. A comida tornou-se uma aliada e uma adição, que a levou a pesar 126 quilos. E a sentir-se “objetificada” pelo seu aspeto. Não apenas pelos outros, mas também por si própria, como se o peso lhe retirasse o valor enquanto ser humano. Ou seja, Anabela era a sua mais feroz crítica, fazendo o chamado body shaming a si própria: “Não passava de uma imensa massa adiposa com pernas”, refere.
A investigação é unânime: o envolvimento com redes sociais visuais, como o Instagram, promove distúrbios de imagem corporal, de comparação social e de objetificação dos utilizadores, diminuindo proporcionalmente o seu bem-estar e a sua saúde mental. Os cientistas continuam, porém, sem conseguir identificar uma relação causal direta entre esta exposição e a falta de satisfação das pessoas consigo próprias e o próprio body shaming.
Na opinião de Anabela, a questão é transversal e vai muito além das redes sociais, que, aliás, defende, podem ter, paradoxalmente, um efeito positivo na autoestima e autoaceitação, através, por exemplo, de encontros com pessoas que passam por situações semelhantes. “No Facebook, entrei em grupos de pessoas gordas, e apoiávamo-nos muito. Fazíamos trocas de roupa, de informação, sobre onde encontrar peças para o nosso tamanho, porque as lojas não têm. Foi muito importante.”
Investigação recomenda utilização positiva das redes sociais
A forma como se utiliza a internet faz a diferença. O tipo de utilização e envolvimento nas redes sociais parece ter particular importância nas consequências do seu uso, apontam os investigadores. Movimentos positivos online, incluindo grupos criados nas diversas plataformas, parecem ter repercussão positiva. E também os influenciadores que promovem a diversidade corporal e a autoaceitação. Anabela confirma e dá como exemplo a influencer Catarina Raminhos, que promove a autoaceitação na sua página de Instagram.
Ao nível internacional, também começaram a proliferar influenciadores famosos, como a atriz de Hollywood Kate Winslet, que lutam contra a objetificação do corpo feminino. Mas ainda há um longo caminho a percorrer.
Uma imagem distorcida do corpo
Atualmente com 50 anos, e depois de perder mais de 60 quilos, Anabela não tem a mínima dúvida: “A sociedade vive da imagem”. E ela própria não ultrapassou o problema, confessa. Quando se olha ao espelho, ainda se vê demasiado grande. Sofre de bulimia nervosa e de uma perturbação chamada Transtorno Dismórfico Corporal (TDC). Trata-se de uma preocupação excessiva com a perceção de defeitos ou falhas na aparência física não observáveis por outras pessoas.
Anabela não é caso raro, alerta a psicóloga Ana Filipa Silva, da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP). “Muitas pessoas lutam com preocupações obsessivas relativas à aparência que não são percebidas como relevantes por outros, com sofrimento clinicamente significativo e levando à incompreensão e a comportamentos disfuncionais”, refere a clínica.
No caso de Anabela, a perturbação leva-a, por exemplo, a usar “sempre filtros nas imagens” online, sobretudo “para esconder olheiras e esticar a pele”. Os estudos mais recentes sobre o tema indicam precisamente que, quanto mais os utilizadores editam ou filtram as suas imagens, mais provável é experimentarem perturbações na imagem corporal e terem tendência para a comparação social.
Desenvolver transtorno disfórmico corporal é uma situação extrema. A investigação aponta, no entanto, para a associação entre a utilização de smartphones e redes sociais baseadas em imagens e uma maior insatisfação corporal, práticas de dieta ou restrição alimentar, perturbações do comportamento alimentar e um maior desejo de magreza. Contudo, trata-se de uma relação complexa, e por isso os especialistas continuam a procurar compreender com maior precisão a natureza desta associação.
Duas horas no máximo nas redes sociais
O tempo passado nas redes sociais mais visuais é decisivo no desenvolvimento de problemas de saúde mental e de perturbações de imagem corporal e bem-estar geral. Quanto maior a utilização destas plataformas, alertam os profissionais de saúde e investigadores, maior o risco de desenvolver sintomas de depressão, ansiedade, stress, medo de ficar de fora, e ter comportamentos de bullying e solidão. Passar mais de duas horas por dia nas redes sociais está mais provavelmente associado a angústia psicológica ou emocional.
Por outro lado, não há evidência forte o suficiente para concluir que as redes sociais causam problemas de saúde mental.
Gostou deste conteúdo? Junte-se à nossa missão!
Subscreva já e faça parte da mudança. Saber é poder!
O conteúdo deste artigo pode ser reproduzido para fins não-comerciais com o consentimento expresso da DECO PROTeste, com indicação da fonte e ligação para esta página. Ver Termos e Condições. |