Body shaming: como ajudar os jovens a enfrentar críticas ao seu corpo
Filtro meu, filtro meu, há alguém mais belo do que eu? Ensinar os mais jovens a respeitar, celebrar a diferença e desenvolver espírito crítico estão entre as formas de proteção mais saudáveis e eficazes para proteger as novas gerações do body shaming. Conheça algumas dicas.

“É possível sentir insegurança em relação a todas as partes do teu corpo, a vida inteira. Acho que toda a gente passa por isso.” O comentário de Beatriz, alta, corpo esguio nos seus 18 anos, é um exemplo do chamado body shaming, ou seja, o ato de criticar, envergonhar ou fazer comentários negativos sobre alguém ou sobre nós próprios, em relação à aparência física. As consequências para a autoestima e a saúde mental podem ser desastrosas.
O fenómeno agora designado por body shaming não é novo, refere a psicóloga Ana Filipa Silva, da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP): “A vergonha do próprio corpo, ou de parte dele, sempre existiu, assim como a crítica negativa sobre a aparência de outra pessoa e a humilhação.” A grande novidade é a forma como este tipo de agressão acontece. Com a proliferação das redes sociais, facilitadoras por excelência da comparação social constante, a partilha de imagens aparentemente perfeitas acaba por afetar profundamente quem é menos seguro de si. Basta fazer um simples scroll nos ecrãs dos telemóveis, utilizados pela esmagadora maioria dos jovens no dia-a-dia.
93% dos jovens têm redes sociais
Dados de 2023 da União Internacional das Telecomunicações das Nações Unidas demonstram a omnipresença da internet no quotidiano. Para se ter ideia, na Europa, 98% dos jovens entre os 15 e os 24 anos têm uma presença online. A maioria utiliza redes sociais, como o Instagram, o YouTube ou o TikTok, que não são apenas para entretenimento mas também um espaço de socialização e autoexpressão e... promovem o culto da imagem, sujeita a filtros e outras formas de edição. As estatísticas indicam ainda que 93% dos jovens portugueses, entre os 16 e os 29 anos, usam redes sociais.
Jovens passam sete horas por dia online
O tempo de exposição é apontado pelos profissionais de saúde como um dos fatores que podem desencadear problemas neurológicos, sociais e emocionais, relacionados, essencialmente, com falta de autoestima. Também neste aspeto, os jovens europeus são os que apresentam maior risco, com uma média de sete horas por dia na internet, de acordo com o Parlamento Europeu.
É esta a realidade de Beatriz, que cresceu na nova era digital. Só nas redes sociais, em que entrou aos 11 anos, passa, pelo menos, quatro horas diárias, assume a agora estudante universitária. Porém, dedica esse tempo “mais a ver entretenimento do que conteúdos propriamente relacionados com beleza”.
Do culto da imagem à perturbação mental
Os estudos sugerem uma ligação entre a utilização de plataformas sociais e o desenvolvimento de sintomas ou consequências que podem comprometer a saúde física e mental. Entre estes estão o desenvolvimento de sintomas de ansiedade e depressão, os comportamentos alimentares pouco saudáveis, como as dietas drásticas, e a insatisfação com a imagem corporal. Esta pode levar ao desenvolvimento de uma perturbação denominada transtorno dismórfico corporal (TDC) no Manual de Diagnóstico e Estatística de Perturbações Mentais (DSM-5), publicado pela Associação Americana de Psiquiatria.
O transtorno dismórfico corporal é uma condição em que a pessoa se sente muito incomodada com supostos defeitos na sua aparência. Defeitos esses que, para os outros, são quase invisíveis ou nem existem. Esta preocupação leva, muitas vezes, a comportamentos repetitivos, como olhar-se constantemente ao espelho ou comparar-se com outras pessoas.
Os estudos apontam para a probabilidade de os efeitos negativos da exposição às redes sociais estarem associados à intensidade e frequência da utilização, e dependerem de fatores como o contexto e a situação individual de cada um, bem como de traços de personalidade, como perfeccionismo ou predisposição para a comparação social.
Para os adolescentes e jovens, estas são questões fundamentais: é difícil escapar à comparação social ou às críticas dos seus pares, numa fase em que procuram aceitação e pertença. Aconteceu com Tiago, com 20 anos.
Experiências pessoais de body shaming
Habituado a ser conhecido apenas como "o gordo” pelos colegas de liceu, Tiago passou por uma situação que ainda hoje o incomoda: "Foi mesmo horrível. Estava a falar com uma rapariga online. Ela enviou-me uma foto e enviei-lhe também uma minha. Rodeou a minha barriga com um círculo e perguntou: 'És gordo?!' Não respondi mais." Tão-pouco esqueceu a mágoa. Daí que tenha mantido uma relação distante com as plataformas sociais, enquanto crescia, e mesmo depois de emagrecer e começar a ter namoradas.
Farto de se sentir humilhado e gozado, aos 16 anos decidiu começar a fazer exercício físico e a contar calorias. Toda a sua vida social mudou. “Senti-me bem. Ao mesmo tempo, fiquei triste, porque percebi que as pessoas são muito superficiais. A imagem conta muito mesmo. É tudo”, lamenta.
Beatriz também fala deste “domínio da imagem”. “Sou obcecada com a minha imagem, sobretudo por ser demasiado magra e de mo dizerem há muitos anos.” Por outro lado, a sua experiência indica-lhe que a situação está longe de melhorar: “Tanto ao vivo como na internet, o body shaming continua muito prevalente, mesmo que de uma forma mais silenciosa. Sobretudo para as mulheres. Em teoria, as pessoas tentam ser menos más, mas são-no na mesma. Só não de uma forma tão aberta, senão são canceladas [bloquedas nas redes sociais].”
Adultos são modelos para os jovens
Os alertas relativos à necessidade de ensinar os mais jovens a protegerem-se online, e a “dominar as redes sociais, sem deixar que as redes sociais os dominem”, como defende a psicóloga Ana Filipa Silva, têm aumentado em todo o mundo, tanto ao nível civil como governamental.
Em fevereiro de 2024, entrou em vigor o Regulamento de Serviços Digitais da União Europeia, que impôs limites e regras às empresas que gerem estas plataformas, responsabilizando-as pelos conteúdos, de forma a proteger os utilizadores, incluindo os mais jovens. Entre outras armas, como a promoção da autoestima, é fundamental apostar na educação digital.
“Antes de mais, é importante que pais e educadores gostem do seu próprio aspeto e tenham uma boa autoestima, servindo de modelos de identificação para o jovem”, aconselha Ana Filipa Silva. Beatriz confirma a importância do modelo parental. “Ver a minha mãe constantemente preocupada com o seu aspeto, de uma forma tóxica, fez-me pensar nisso, em relação a mim e às outras mulheres. Mas não é só culpa dela”, conta. “Acho que é uma questão social. As mulheres são ensinadas a criticar-se umas às outras, a competir, a reparar nos seus defeitos.”
Para mudar este paradigma, a internet pode ser, simultaneamente, um instrumento de ação positiva: “Promover a diversidade corporal é benéfico para a autoaceitação e o respeito pela diferença. Ao celebrar diferentes tipos de corpo e desafiar os padrões tradicionais de beleza, os movimentos podem ajudar a construir uma relação mais saudável com a própria imagem e aumentar a satisfação corporal entre os jovens. Afinal, ser diferente é o que nos distingue e nos torna especiais”, sublinha a psicóloga Ana Filipa Silva.
Como prevenir e enfrentar o body shaming?
A vida online pode ter benefícios, mas também provoca algumas dores de cabeça. Educar crianças e adolescentes para o bom uso das redes sociais é a principal (e difícil) tarefa a que se devem dedicar pais e educadores. Mas há também questões práticas, para as quais a DECO PROteste procurou resposta.
Deve-se proibir a utilização de telemóveis a menores de determinada idade?
As novas tecnologias da comunicação são omnipresentes e necessárias para muitos aspetos do quotidiano, como relações sociais entre jovens, transações, atividades académicas, entre outros. Por isso, proibir o uso do telemóvel, de redes sociais ou da internet seria utópico e dificilmente viável. É, antes, fundamental que crianças e adolescentes adquiram competências digitais sólidas para desenvolverem uma relação saudável com a internet. Quanto às idades, há consenso relativamente a não ter telemóvel antes dos 12, sendo os 15 ou os 16 anos idades mais adequadas.
Com que idade devem as crianças ser autorizadas a abrir um perfil nas redes sociais?
Não há qualquer lei que estabeleça uma idade concreta para criar um perfil nas redes sociais, porém, a maioria das plataformas exige a idade mínima de 13 anos. Contudo, seja em que idade for, é essencial criar definições de privacidade e segurança. Os pais devem supervisionar a atividade dos filhos e ativar o controlo parental nos dispositivos da família. É também recomendável que as crianças desenvolvam competências digitais sólidas antes de entrarem nas redes sociais.
Onde pode encontrar ajuda e informação sobre body shaming?
A plataforma “Eu sinto.me”, da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), reúne um conjunto de informações e recursos credíveis, baseada em evidencia científica, atualizada e fidedigna. Nesta plataforma, os utilizadores têm acesso a temas e situações com que se podem identificar, e a conteúdos simples, de fácil acesso e gratuitos, nomeadamente sobre body shaming.
Como ajudar os jovens a protegerem-se?
A psicóloga Ana Filipa Silva, da OPP, recomenda ensinar aos jovens que podem dizer: “Não aceito o teu comentário, exijo respeito comigo e com todas as pessoas.” Fazer body shaming não é aceitável – nem em público, nem em privado, seja por mensagem ou nas redes sociais. Mesmo quando familiares ou amigos nos dizem que é feito de forma bem-intencionada, ninguém merece ouvir comentários negativos sobre a sua aparência. É importante ensinar e fazer entender que os comentários sobre o corpo de outra pessoa a podem magoar, mesmo que não seja nossa intenção. Ter autoestima e autocompaixão é essencial para uma vida feliz.
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