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Saúde mental: jovens mais vulneráveis a instabilidade emocional

Todos podemos sucumbir a perturbações do foro emocional ou mental, como ansiedade, stresse, insónia ou até depressão. Os mais jovens parecem mais vulneráveis, mas mostram uma vantagem: não têm pudor de falar sobre emoções e procurar ajuda, diz o inquérito da DECO PROteste.

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07 abril 2024
Grande plano de um jovem com ar deprimido, sentado numa cadeira, fundo amarelo escuro atrás

iStock

Alegria, tristeza, medo, nojo, raiva e surpresa são emoções básicas do ser humano. Todas têm espaço e tempo, e podem ser ativadas por interruptores internos ou externos. O seu equilíbrio tem o nome de saúde mental, uma trave-mestra que sustenta a nossa qualidade de vida.

Portanto, nada há de estranho em que mais de metade dos participantes num inquérito da DECO PROteste já tenham experimentado um quadro desta natureza – 56%, para ser mais preciso. Ansiedade, stresse e perturbações do sono foram os mais comuns. Basta um pico de trabalho ou a espera pelo resultado de um exame escolar, situações banais, para que possam manifestar-se.

O cenário já é preocupante quando se prolonga, e passa a dominar. Será o que está a acontecer a quatro em dez inquiridos, que revelaram angústia intensa ou muito intensa no mês anterior ao inquérito: o termo técnico é distress psicológico. Ao mergulharmos nos números, percebemos que quanto mais jovem é a faixa etária mais esta proporção aumenta, ao ponto de mais de metade dos indivíduos dos 18 aos 34 anos mostrarem níveis elevados ou muito elevados de distress. Mais: três em cada dez dizem-se em instabilidade emocional constante.

Como explicar? Os jovens sofrem mais ou será que as novas gerações estão mais disponíveis para abordarem as emoções? Outra hipótese: não aceitam sofrer em silêncio e, assim, estamos a assistir a uma mudança de paradigma? Ou será que, como tantos acusam, os jovens têm sido muito protegidos pelos pais e estão menos preparados para enfrentarem as dificuldades do que as gerações anteriores?

A psiquiatra Paula Duarte é da opinião de que nenhuma destas hipóteses explica inteiramente o fenómeno, mas que, em conjunto, e em diferentes proporções consoante cada indivíduo, constituem um quadro de análise ajustado. A entrevista que concedeu à DECO PROteste contribui para interpretar os números de um inquérito conduzido entre setembro e dezembro de 2023.

Combinação de estratégias melhora a saúde mental

Quatro em dez inquiridos acusavam níveis de distress elevados ou muito elevados, já foi dito. Dos que relataram um problema de saúde mental nos últimos três anos, 43% seguiram um tratamento – um em cinco ainda estava a recebê-lo quando preencheu o questionário.

Dos que optaram por não fazer tratamento, 56% alegaram conseguir resolver as situações sozinhos, e 18% disseram não se sentir confortáveis para falar dos problemas. Paula Duarte considera não ser necessariamente negativa a ideia de procurar soluções. "Senão, toda a gente precisaria de andar com um psicólogo ou com um psiquiatra atrelado", ironiza. "Espera-se que as pessoas tenham mecanismos de coping, que são estratégias que já usaram no passado, com sucesso, e que estão ao seu alcance para serem novamente colocadas em prática, se surgirem dificuldades", sublinha.

Por sua vez, o receio de falar abertamente é associado pela psiquiatra ao estigma, mas também a questões de natureza cultural. Ao contrário do que acontece, por exemplo, nos países anglo-saxónicos, explica, não temos a tradição de procurar ajuda na comunidade ou numa rede alargada de amigos, ou de nos expormos em grupos de autoajuda, com vista a obtermos apoio de quem está a passar por uma situação semelhante.

Mas, embora não seja errado tentar resolver os contratempos, a procura de ajuda não deve ser descurada quando o sofrimento atinge níveis elevados e se arrasta no tempo, e as estratégias normais não funcionam. Até porque, por vezes, basta um elemento da família mudar para que todo o grupo se beneficie. "As crianças pequenas com mães deprimidas tendem a ter mais problemas comportamentais. É muito importante tratar a depressão materna, porque se traduz não só na melhoria do rendimento escolar das crianças, como também na diminuição dos seus problemas comportamentais. Tratando a mãe, melhora a relação conjugal e diminui o sofrimento dos filhos", justifica Paula Duarte. E 43% dos afetados por problemas foram mesmo sujeitos a tratamento nos três anos que precederam o inquérito.

Deste grupo, quase sete em dez fizeram medicação, com antidepressivos, ansiolíticos, hipnóticos ("comprimidos para dormir") ou outros, e mais de cinco em dez submeteram-se a sessões de psicoterapia, o que leva a concluir que muitos seguiram ambas as abordagens. Este uso simultâneo de opções terapêuticas tende a potenciar o sucesso, tal como adianta Paula Duarte: "Sabemos hoje que a combinação de estratégias farmacológicas e de natureza social acaba por ser mais eficaz do que qualquer uma delas isoladamente."

De forma simplificada, os fármacos permitem o alívio mais rápido do sofrimento, mas a psicoterapia tende a produzir mudanças na forma de pensar e de reagir, e essas mudanças são mais duradouras. Todavia, Paula Duarte avisa: "Nas doenças mentais mais graves, há muito maior peso de aspetos de natureza biológica do que psicossocial, e, nesses casos, os medicamentos são mais eficazes."

Psicoterapia apreciada, mas ainda demasiado cara

A psicoterapia é agora mais comum do que há alguns anos, quando a DECO PROteste realizou o último inquérito sobre saúde mental, uma constatação corroborada pela psiquiatra, que acrescenta ser a popularidade maior entre os mais jovens, "mais flexíveis e abertos à mudança". Por outro lado, "nas pessoas de mais idade, provavelmente, há maior procura de uma resposta de tipo farmacológico".

Feitas as contas, a psicoterapia reúne uma satisfação superior à da medicação junto dos inquiridos: 7,8 pontos em 10 possíveis, contra 6,9. Os resultados obtidos e a relação estabelecida com o terapeuta são também mais valorizados. Mas, tanto no caso da medicação quanto no da psicoterapia, a perceção de melhoria, entre o princípio e o fim do tratamento, é assinalável. De um nível de saúde mental autoavaliado com menos de 4 pontos em 10, os inquiridos passaram para valores à volta de sete.

Mas será a psicoterapia acessível? O inquérito revelou que 66% obtiveram a primeira consulta em até duas semanas. Trata-se, porém, de um número médio, que esconde uma realidade preocupante para quem está em sofrimento e precisa de ajuda. No serviço público de saúde, apenas 42% alcançaram a primeira sessão no referido prazo. No privado, a rapidez foi maior, mas o preço não é compatível com todos os orçamentos. Uma média mensal de 137 euros, num tratamento que pode durar dois anos ou mais, foi o valor recolhido pelo estudo. Daí que muitos tenham abandonado a psicoterapia antes do tempo recomendado ou se tenham ficado pela medicação, que, com as taxas moderadoras das consultas, mesmo no público, envolveu um custo médio mensal de 66 euros.

Mais idade, mais tranquilidade?

Sim e não. Sim, se falarmos de modelos de identidade, tendencialmente mais sólidos quando avançamos na cronologia da vida, como explica Paula Duarte. Não, se considerarmos, por exemplo, a maior probabilidade de doenças, adversidades capazes de expor o indivíduo a maior vulnerabilidade.

O que parece já inquestionável é a maior abertura, demonstrada pelos jovens, para falarem sobre emoções e procurarem ajuda. A tendência é partilhada pelas mulheres, se bem que, neste caso, os números não se expliquem apenas com maior disponibilidade para falar. Vários estudos indicam que as perturbações de ansiedade são mais comuns no género feminino do que no masculino, numa proporção de cerca de dois para um.

O inquérito parece confirmá-lo. Olhando para os números, 57% das mulheres reportaram problemas, enquanto os homens foram apenas 35 por cento. As queixas são iguais – ansiedade, stresse e distúrbios do sono –, mas bastante mais frequentes nas mulheres. A ansiedade atinge 43%, contra 22% de homens. O stresse afeta 36%, mas apenas 21% no género masculino. E as dificuldades em dormir repartem-se entre 35% para mulheres e 21% para homens.

O quadro agrava-se no caso de mulheres dos 18 aos 34 anos. Nada menos do que 70% destas inquiridas reportaram questões, contra 47% de participantes do género masculino. À medida que a idade avança, a instabilidade emocional constante, que afeta 31% de todos os jovens, desaparece da lista das três queixas mais frequentes, a qual inclui ainda ansiedade e stresse, para se aproximar da sintomatologia mais geral. Sai a instabilidade emocional constante, entram os problemas de sono, em proporções que se vão esbatendo conforme se sobe na escala etária.

Levando em conta estes resultados, o inquérito aponta para que 54% dos jovens dos 18 aos 34 anos se encontrem em níveis de distress elevados ou muito elevados. A tendência é transversal aos países do estudo – e os valores são ainda mais expressivos do que os "nossos" 54 por cento. Na Bélgica, o valor é de 63%, enquanto em Espanha atinge os 64% e, em Itália, se fixa em 57 por cento.

Os dados do inquérito parecem, pois, alinhar-se com a proposta de Paula Duarte de que, face à mudança da sociedade e à perda de centralidade pela família, que "funcionava como modelo e reduto de segurança", os jovens poderão necessitar de mais tempo para encontrarem o seu caminho e os modelos que querem seguir e, assim, para formarem uma identidade mais coesa, fator protetor contra instabilidade emocional. O fenómeno atinge uma sociedade europeia, felizmente, desabituada dos horrores da guerra, mas, também por isso, como defende a psiquiatra, quiçá menos preparada para enfrentar as adversidades.

Situação financeira sem impacto claro na saúde mental

E poderá a situação financeira influenciar o bem-estar emocional e mental? Pode, mas não explica tudo. Portugal, dos quatro países do estudo, é o único em que a situação financeira não aumenta de forma significativa as queixas. Dificuldades financeiras ou não, tanto faz, a proporção de inquiridos que referem problemas é sensivelmente igual.

Tão-pouco existe, para os inquiridos, um impacto positivo claro da prática de desporto na saúde mental, embora quem não o pratique indique ligeiramente mais questões.

E será que o inquérito conseguiu traçar o perfil de quem está mais suscetível a soçobrar perante problemas de saúde mental? Ponderadas todas as variáveis, o estudo identificou os indivíduos até 43 anos como os mais vulneráveis, sobretudo se forem sujeitos pela vida a dificuldades económicas e de saúde, pontuais ou persistentes. Não devem ter vergonha de procurar ajuda, se o sofrimento se tornar longo e insuportável. Não têm de aguentar em silêncio.

 

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