Caretos de Podence: explore a tradição de Carnaval reconhecida pela Unesco em Trás-os-Montes

Uma vez por ano, as pequenas ruas empedradas de Podence enchem-se de milhares de pessoas. Algumas são caras familiares aos habitantes da aldeia, a 32 quilómetros de Bragança, que anualmente retornam ao lugar, mas, na sua maioria, são rostos desconhecidos, visitantes trazidos pela curiosidade.

Pelo Carnaval, Podence chama as atenções a Trás-os-Montes, para apresentar, com muita cor e muito barulho, uma das tradições mais genuínas do País: o Entrudo Chocalheiro. Sem os trajes carnavalescos e os carros alegóricos que invadem as principais cidades portuguesas, aqui, o Carnaval festeja-se de outra maneira, assinalando o final do inverno e dando as boas-vindas a um início de primavera próspero. E quem melhor para o fazer do que os caretos de Podence?

Tradição com raízes ancestrais

Reconhecidos em 2019 como património cultural imaterial da Humanidade, pela Unesco, os caretos de Podence correm o País e além-fronteiras para divulgarem a tradição, mas é em Podence, entre o Domingo Gordo e a Terça-feira de Carnaval, que revivem a sua génese e dão a conhecer de perto aquilo que os torna tão especiais. Crê-se que as raízes do Entrudo Chocalheiro estejam assentes em antigos rituais pagãos, que celebravam o final do inverno e a renovação da natureza e a fertilidade dos campos na estação que se avizinha.

Os caretos, com os seus trajes coloridos, máscaras de semblante diabólico e chocalhos à cintura, são uma representação dos espíritos, que, através das suas danças, saltos e chocalhadas, afastam o mal e atraem as boas colheitas. De início, apenas rapazes e homens solteiros envergavam os fatos e davam vida aos caretos, mas a história abriu portas para que as mulheres e as crianças (apelidadas de "facanitos") entrassem na festa.

A Guerra do Ultramar e a forte emigração verificada no Norte, entre as décadas de 1960 e 1970, levou a que muitos dos jovens e homens saíssem do País, pondo em risco a continuidade da celebração. Para não deixar morrer a tradição, as mulheres de Podence começaram a vestir os fatos de careto e a celebrar o Entrudo. Hoje são perfeitamente aceites na festa.

Quem também regressa todos os anos são muitos dos emigrantes da região, que fazem questão de participar nas festividades e dar continuidade a uma tradição transmitida pelos antepassados.

Carnaval diferente

Os caretos andam à solta em Podence durante quatro dias: este ano, de 1 a 4 de março. A aldeia enche-se das cores vermelho, verde e amarelo, trazidas pelos estendais de fitas que atravessam as ruas, os murais pintados nas paredes de pedra e as vestimentas destes "diabos" que vêm perturbar o descanso e o silêncio dos habitantes da aldeia nortenha.

O programa, que vai de sábado a terça, inclui animação de rua, mercados tradicionais e muitas rondas pelas tabernas. Pode experimentar ser careto ou pintar a sua máscara. Os pontos altos são a noite de sábado, com a "Noite Chocalheira", a tarde de domingo, com os caretos a percorrerem as ruas da aldeia, o "Pregão Casamenteiro", que tem lugar no Largo da Igreja, na noite de segunda, e o culminar da festa na terça-feira, com a Procissão e Queima do Entrudo.

Durante as festividades, os residentes abrem as adegas e as caves aos visitantes e, principalmente, aos caretos, que vão parando para conviver, comer, beber e reencontrar amigos de longa data. À mesa não falta o vinho e iguarias locais, como a bola de carne. Nas ruas, o frenesim é grande, com os caretos a correrem, a saltarem e a chocalharem as mulheres de todas as idades, solteiras e casadas, que lhes cruzam o caminho.

No final, um careto gigante é queimado, simbolizando a Queima do Entrudo. As chamas sobem alto, enquanto dezenas de caretos saltam em redor, numa representação do abandono daquilo que é velho e mau, e do abraçar de um novo ciclo da vida. Chamas que ardem e levam tudo o que ficou para trás.

Oportunidade para conhecer a região

Apesar de o Entrudo Chocalheiro estar maioritariamente concentrado nas atividades em Podence, esta é uma oportunidade única para conhecer uma das regiões mais bonitas de Portugal.

O programa inclui caminhadas na natureza e passeios de barco pela Albufeira do Azibo (uma das 7 Maravilhas de Portugal, na categoria Praias), a qual integra o Geoparque Terras de Cavaleiros. Também reconhecido pela Unesco como Geoparque Mundial, o Geoparque Terras de Cavaleiros abrange uma área de 700 metros quadrados. Repleto de trilhos e rotas geológicas, incorpora aldeias tradicionais, como Lamalonga e, claro, Podence.

Foi neste contexto natural, ligado à terra e aos costumes, que os caretos de Podence nasceram, cresceram e começaram a dar corpo e alma a uma tradição tão antiga. O Entrudo Chocalheiro é um momento de magia e de muita energia, em que os demónios são soltos sem pudor, com uma liberdade e uma identidade únicas. Segundo as gentes de Podence, ser careto não se explica: vive-se.

Informações úteis

O custo mínimo para estada a dois, de 1 a 4 de março, é de 315 euros. Inclui alojamento até 15 quilómetros de Podence em unidades de turismo rural, com pequeno-almoço. O preço foi recolhido online a 6 de janeiro, para três noites de alojamento. Mas pode facilmente ultrapassar os 500 euros.

Nove meses de inverno

A gíria diz que, em Trás-os-Montes, vive-se "nove meses de inverno e três de inferno". Apesar de o Entrudo marcar o final do inverno, conte ainda com temperatura baixas, que podem rondar entre os 4ºC e os 12ºC. Vá preparado com roupa para o frio e para a chuva.

Inscreva-se para as atividades

Caso queira participar nas atividades do Entrudo Chocalheiro, como as caminhadas, os passeios de barco ou as experiências Ser Careto ou Pinta a tua Máscara, saiba que a inscrição é obrigatória. Informe-se junto da Associação Caretos de Podence.

Chegue cedo

Podence é uma pequena aldeia tradicional que, durante o Entrudo Chocalheiro, se vê "invadida" por milhares de visitantes. Se quer ficar numa boa posição para assistir ao Desfile dos Caretos ou à Queima do Entrudo, faça planos para chegar cedo.