Medicamentos: comparticipações excecionais nem sempre chegam a quem precisa
Portugal não tem os medicamentos mais caros, mas nem sempre os utentes pagam menos na farmácia do que outros europeus. Mais: o sistema de comparticipações deixa de fora muitos cidadãos vulneráveis do ponto de vista socioeconómico.

É um círculo vicioso. O acesso a cuidados de saúde de qualidade alarga as possibilidades de vida dos seres humanos. E, quanto mais vivem os humanos, maior centralidade ganham os cuidados de saúde, assim como a discussão em torno das melhores formas de garantir equilíbrio no acesso. E, do acesso a medicamentos, sobretudo os sujeitos a receita médica, depende o objetivo de cuidados de saúde justos em Portugal e na Europa.
Acontece que um mesmo medicamento pode ter preços diferentes para os utentes, em especial pelo efeito das políticas de comparticipação de cada país. A DECO PROteste comparou os preços de 15 dos medicamentos que atingiram maior valor de vendas no nosso país, em novembro de 2024, com os valores praticados em Espanha, em Itália e na Bélgica. Calculou também, de acordo com os modelos de comparticipação, que parcela cabe aos utentes e ao Estado. Na comparação, Portugal não tem os preços mais caros, mas nem sempre os utentes nacionais pagam menos na farmácia.
Veja no podcast POD Poupar os conselhos para reduzir a despesa na farmácia.
Cada país, seu sistema de saúde
Países com sistemas de saúde desenvolvidos e políticas de proteção social, como Portugal, preveem esquemas de comparticipação, para permitirem o acesso dos cidadãos a medicamentos essenciais, mediante um preço reduzido ou até de forma gratuita.
As regras são, contudo, decididas por cada Estado-membro. Em Portugal, Espanha e Itália, os cuidados de saúde são dispensados tendencialmente a todos os cidadãos, no contexto de um Serviço Nacional de Saúde financiado pelos impostos. Já na Bélgica vigora um Seguro de Saúde Social obrigatório, financiado através das contribuições de empresas, trabalhadores e Estado.
Comparticipação de medicamentos no estrangeiro
Também os medicamentos que beneficiam de comparticipação, e as percentagens de desconto, são deixados ao critério de cada país.
Na Bélgica, só os medicamentos incluídos numa lista oficial podem ser comparticipados: a percentagem varia com a sua relevância e a condição socioeconómica do doente. Cidadãos que recebam subsídios sociais (rendimento de inserção, por exemplo), crianças com incapacidade a partir de 66%, órfãos e menores estrangeiros não acompanhados são automaticamente elegíveis para comparticipações superiores. Famílias de baixos rendimentos e com situações sociais exigentes também, desde que façam prova.
Em Itália, todos os medicamentos essenciais prescritos no setor público são grátis. Mas, quando há genéricos, o Estado paga apenas até ao valor do que for mais barato. Se o médico não autorizar o genérico, ou o utente optar por um fármaco mais caro, este terá de suportar a diferença.
Aqui ao lado, em Espanha, há também uma lista. Muitos fármacos para doenças crónicas exigem ao utente um pagamento de 10%, com o máximo de 4,24 euros por prescrição. O custo dos restantes medicamentos depende dos rendimentos anuais, e pode ser de 30%, 40%, 50% ou 60% do preço. Alguns grupos nada pagam. É o caso de quem beneficia de rendimentos de inserção, de desempregados que tenham deixado de receber subsídio, de pensionistas com baixos rendimentos e de alguns portadores de incapacidades.
Sistema de comparticipação português deve ser mais equitativo
O nosso país não é diferente, e prevê também uma lista de medicamentos elegíveis. A compra de fármacos para tratar doenças incapacitantes ou crónicas tem maior ajuda do Estado. Já os considerados de pouco valor terapêutico ou com uma desfavorável relação entre custos e benefícios são totalmente pagos pelos utentes.
Existem, em Portugal, quatro níveis de comparticipação: 15%, 37%, 69% e 90% do preço de venda ao público. Quando existem genéricos para uma dada substância ativa, as regras são algo diferentes. Forma-se um "grupo homogéneo", que inclui medicamentos de marca e genéricos do mesmo princípio ativo, com a mesma dosagem, o mesmo modo de administração e a mesma forma farmacêutica. É, então, fixado um preço de referência, que corresponde à média dos cinco preços de retalho mais baixos dos fármacos do grupo homogéneo. A comparticipação é, pois, aplicada ao preço de referência.
Esta é a regra geral. Mas os medicamentos podem beneficiar de uma comparticipação superior no caso de doenças crónicas ou grupos sociais específicos. Os pensionistas com rendimentos até 14 vezes o salário mínimo nacional têm comparticipações de 30, 52, 84 e 95 por cento. Já os pensionistas que não recebam mais de 7568 euros por ano não pagam. Depois, existem esquemas especiais para quem é portador de certas doenças – por exemplo, Alzheimer, infertilidade, insuficiência renal e dor oncológica.
O nosso sistema deixa, pois, desprotegidos muitos dos mais vulneráveis do ponto de vista socioeconómico. A DECO PROteste defende que quem tem menores rendimentos deve ser protegido, qualquer que seja a idade ou a doença de que sofre. Segundo o relatório Acesso a Cuidados de Saúde, em 2023, um indivíduo do escalão mais desfavorecido tinha 41% de possibilidades de não adquirir todos os medicamentos que lhe fossem prescritos.
Não há um modelo ideal de comparticipação, mas é importante olhar para o que se faz noutros países europeus e avaliar que medidas podem beneficiar os portugueses. O objetivo é melhorar o acesso, a preços acessíveis, e evitar que os grupos vulneráveis fiquem sujeitos a pagamentos diretos excessivos por medicamentos essenciais.
Ao mesmo tempo, deve ser promovida a literacia em saúde, para que tanto os profissionais, como os utentes, entendam o sistema de comparticipação e tomem decisões que beneficiem todos.
Uma medida complementar é estimular o uso de genéricos. Sem diferenças de eficácia e segurança face aos fármacos originais, saem mais baratos aos utentes e ao Estado.
Preços dos medicamentos em quatro países europeus
A DECO PROteste selecionou os fármacos sujeitos a receita médica com maior valor de vendas em Portugal, e calculou quanto paga um utente sem doenças crónicas, com rendimento anual entre 18 mil e 100 mil euros. A que conclusões chegou?
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