Joana Silva: “O crescimento económico tem de ser inclusivo”
Que horizontes económicos nos esperam em 2025? Guerras, a tendência de fechar fronteiras e desafiar acordos comerciais internacionais geram incerteza. Joana Silva aponta alguns caminhos para um futuro mais próspero.

A economia portuguesa num cenário internacional imprevisível
Como vê a situação da economia nacional em 2025?
Penso que o crescimento económico será maior do que neste ano. As perspetivas são de alguma prosperidade, o orçamento está aprovado e, nesse sentido, acho que temos uma conjuntura que pode levar a um futuro com mais crescimento.
E o que a leva a dizer que esse caminho vai ser com maior prosperidade?
O comportamento recente da economia tem sido bom em termos das exportações e de investimento.
Não corremos o risco de ter uma situação em que os indicadores macroeconómicos são todos ótimos, mas a perceção dos cidadãos não corresponde a essa visão de melhoria de vida?
O crescimento económico tem de ser inclusivo, tem de ser sentido por todos, não só pelos mais ricos, mas também pelos mais desfavorecidos. É importante que se traduza em melhoria dos serviços públicos, em mais e melhor educação e saúde. É importante que os mínimos para uma vida de qualidade sejam atingidos por toda a gente, que haja mais e melhores empregos e que cresçam os salários. O rendimento da maior parte das pessoas é, pelo menos, em 80% do mundo todo, constituído pelo rendimento do fator trabalho. Nesse sentido, um crescimento que se reflete realmente nas pessoas é o que se traduz em melhores salários, mais emprego e melhores condições de vida.
Com estas duas frentes de guerra que têm impacto no mundo todo, é possível fazer previsões? O que é que poderá acontecer no melhor e no pior cenário?
Alguns economistas dizem que fazer previsões num momento de tanta incerteza é o que dá credibilidade aos astrólogos [risos]. Há uma situação com imensa incerteza em termos da conjuntura geopolítica, de guerras. Há incerteza também quanto à política comercial, que vai ser seguida pelos maiores parceiros. Essa incerteza é muito penalizadora para a economia mundial, porque afeta muito o investimento. Mas é o mundo que temos hoje...
Falando de imprevisibilidade, há razões para nos preocuparmos com a nova administração norte-americana e o que pode significar economicamente em termos globais?
Não gosto de julgar sobre a parte política. É uma administração diferente, em termos da política comercial, da questão redistributiva... Vai ter impacto no mundo, porque é uma grande economia e esse impacto vai depender também da maneira como a Europa e a China responderem. O que a realidade e a história nos têm mostrado é que as guerras comerciais não são muito eficazes - quando um país aumenta as tarifas, o que sofre o impacto também faz tarifas retaliatórias, direta ou indiretamente. É mais importante num momento de grande incerteza pensarmos o que podemos fazer por nós, que passa por uma política de inovação eficaz, para que as empresas melhores sejam o melhor possível, mas passa também por melhorar a produtividade dos empregos, onde eles existem.
Se as empresas inovadoras exportarem os seus serviços ou bens, e se depararem com uma barreira alfandegária maior, por melhor que sejam, podem sobreviver?
Ou o produto é tão diferenciado e tão essencial que conseguem não ter uma diminuição na procura, ou estão entre os mais competitivos e não perdem quota de mercado, ou, então, realmente é importante pensar noutros destinos, noutras maneiras de produzir. Mas eu não estava só a falar dessas empresas de ponta. As economias, hoje em dia, são altamente diversificadas e as exportações são feitas de muitos produtos.
Vê que isso seja possível em Portugal e na Europa?
Claro que sim. Exportamos hoje em dia uma parte substancial do que produzimos. E não é só importante o que se exporta, é também o que importa, porque para produzir precisa-se de importar também inputs de qualidade. Ter um setor exportador robusto é uma condição necessária praticamente para todos os casos de crescimento e bem-sucedidos do mundo. Não é suficiente, mas é necessário.
Quem é Joana Silva?
Professora associada da Católica-Lisbon Business and Economics. Especialista em áreas como desenvolvimento económico, economia do trabalho e comércio internacional.
A chave: diversificação e maior produtividade

E a produção de bens essenciais, como os agrícolas, os industriais de base, os medicamentos? Isso não seria importante em Portugal? Será possível avançar por aí?
É importante termos uma economia diversificada. Acho que a pergunta é até que ponto a autossuficiência é essencial. É uma questão que se põe em termos económicos da seguinte forma: é importante que os produtos essenciais estejam disponíveis em Portugal. É bom, mas não é essencial, produzirmos tudo o que consumimos. Do ponto de vista do consumidor, é muito importante ter o melhor preço possível e a maior variedade possível. Portanto, até nesses setores, o comércio internacional é importante.
A propósito da diversificação, fala-se muito, no nosso caso, na excessiva dependência do turismo...
As nossas exportações não são só da área do turismo, de maneira nenhuma. Mas são mais relativas ao turismo do que eram. Este é um setor importante porque tem bastante emprego associado, mas não qualificado. É muito importante para a economia, mas não deve ser o nosso foco único, porque precisamos de maior diversidade também de empregos e de competitividade noutros domínios.
A reorganização dos BRIC (países emergentes, Brasil, Rússia, Índia e China) que se está a fazer será um fator de instabilidade ou até mesmo de isolamento para a Europa?
Falou-se disso a propósito da recente cimeira desses países, com algum medo, no sentido de as relações entre eles começarem a excluir o Norte Global. Temos uma economia globalizada. Todos dependemos muito uns dos outros e é do interesse de todos continuarmos a transacionar uns com os outros. Tem havido um certo abrandamento da globalização, da importância das exportações. Mas, imaginem um supermercado sem nada importado, imaginem um stand de automóveis sem nenhum carro importado. A variedade, a diversidade dos preços iriam ser muito alterados. Acho que uma visão do mundo em que vamos construir blocos e que se vão fechar não é sustentável, pelo menos.
Voltando a Portugal, acha que a guerra continua a servir de justificação para o aumento dos preços?
A inflação diminuiu. Se as guerras levarem a uma alteração no mercado internacional, do preço do gás natural ou de alguma dessas matérias-primas ligadas aos combustíveis, isso vai ser uma componente que vai aumentar.
É um facto que a inflação tem vindo a baixar. Mas se formos à rua entrevistar pessoas à saída do supermercado, dizem que cada vez conseguem comprar menos com o mesmo dinheiro...
Sem dúvida. O dinheiro que tenho depende dos meus rendimentos, portanto, dos salários principalmente. E depende dos preços do supermercado, das rendas, etc. O que importa é o rendimento disponível e, por isso, é muito importante, em Portugal, que os salários aumentem. Mas, para isso, precisamos ser mais produtivos. Desde que os salários aumentem mais do que a inflação, o poder de compra aumenta.
O salário mínimo tem aumentado, mas o salário médio não... O que se tem de fazer para que aumente?
Via produtividade. Isso não quer dizer que o trabalhador tenha de trabalhar mais. A empresa deve ter, por exemplo, condições de produção que levem a que cada trabalhador acrescente mais valor com o seu trabalho. É mesmo uma questão de uma economia que vende melhor ao exterior, produtos melhores, de mais valor acrescentado.
Mas a ideia que passa é que lá fora trabalhamos bem, mas que em Portugal somos preguiçosos.
Não, essa ideia não é nada confirmada pelos economistas. Pode ser um mito urbano, mas não é real. Trabalham muitas horas, são muito esforçados, muito competentes, o nível de educação médio de Portugal tem melhorado, embora ainda continue abaixo de alguns países da União Europeia com os quais gostamos de nos comparar. Por outro lado, seria bom para a economia portuguesa ter oportunidades de emprego suficientemente atraentes para que os jovens que saem pudessem concretizar o seu potencial aqui.
O que é necessário fazer para que isso aconteça? Será investimento público?
É muito importante a parte do emprego. E não precisam de ser só empresas grandes. Mas essa parte da economia é muito pequena em Portugal. Devia ser muito maior. Mesmo as empresas de pequena e média dimensão podem ser muito importantes, mesmo sem terem um grande número de trabalhadores.
Riscos e oportunidades da Inteligência Artificial

O crescimento da automação e o desenvolvimento da inteligência artificial podem agravar estes problemas estruturais da nossa economia ou podem ser uma oportunidade? Estamos já a falar de substituição de seres humanos?
Por um lado, mas por outro também estamos a falar de fazer seres humanos mais produtivos. E não são necessariamente os mais qualificados. Porque a IA pode ser usada por um grande leque de pessoas com vários níveis de qualificações. E tem-se mostrado nos estudos que o aumento de produtividade é superior em níveis médios de qualificações. Os trabalhadores de topo não são tão impactados em termos de aumento da produtividade, mas o trabalhador médio torna-se mais produtivo.
Pode citar exemplos de alguma área onde isso já se verifique?
Em todas as áreas, pensem no ChatGPT: para fazer drafts de e-mails, para mensagens de marketing, para cartas de advogados. Toda a parte de back office ficou muito mais ágil.
A IA vem contribuir para uma maior precariedade?
Não necessariamente. Pode haver algumas profissões que deixem de existir, mas é a convicção também dos economistas que há outras que passam a existir. Não vale a pena acharmos que não vai mudar nada, vai mudar. Preocupados ou não, temos de pensar nas oportunidades que vão ser criadas, como as aproveitar e como ajudar as pessoas que vão ter realmente de mudar a maneira de trabalhar, o setor em que trabalham, o tipo de emprego que têm.
Os menos qualificados vão sofrer mais se não se requalificarem? O risco de pobreza aumenta?
Acho que a IA ainda não será uma das maiores causadoras da pobreza no mundo. A pobreza deriva de condições económicas desfavoráveis. Países que conseguiram crescer fortemente reduziram muito a pobreza. Mas mais aqueles que, ao mesmo tempo, melhoraram a qualidade dos serviços públicos, da educação, da saúde, em que os mais pobres não estão desamparados - têm programas de apoio aos mais desfavorecidos, que lhes dão os meios para conseguirem viver e para que os seus filhos vão à escola, que lhes dão programas de formação profissional, de ação social, se for caso disso.
Que medidas se podem tomar para promover mais justiça social, a partir da carga fiscal?
A carga fiscal é um aspeto muito importante da economia. As receitas são muito importantes para financiar, por exemplo, serviços públicos de qualidade. E, às vezes, aumentar a qualidade nem é tanto uma questão de gastar mais, é de gastar melhor. Por outro lado, o rendimento disponível depende de quão altos forem os impostos. Se for um país com muita dívida, não tem muita margem para reduzir impostos. Depois, há a questão da progressividade, é uma política de redistribuição de rendimento.
O PRR [Pano de Recuperação e Resiliência] pode ser visto como uma espécie de plano Marshall para a economia nacional?
Em termos macroeconómicos, os objetivos são os mesmos: relançar as economias. Nesse sentido, o paralelismo existe. Se vai funcionar, depende de como o implementarmos. Como portuguesa, uma pessoa que vive em Portugal e que gosta de Portugal, espero que aproveitemos todas as oportunidades e essa é claramente uma muito importante, não devemos falhar nisso.
Há imensa incerteza em termos da conjuntura geopolítica, de guerras. Há incerteza também quanto à política comercial que vai ser seguida pelos maiores parceiros. Essa incerteza é muito penalizadora para a economia mundial, porque afeta muito o investimento. Mas é o mundo que temos hoje...
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