Manuela Moreira da Silva: "Precisamos de comunicar, não de cortar a água às pessoas"

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Publicado a 25 junho 2024

Para pagar aquilo que a água verdadeiramente custa, “temos de estar preparados para mais taxas sociais”, afirma Manuela Moreira da Silva, bióloga. Em geral, a população não tem consciência da quantidade de água que verdadeiramente consome.

António Pedrosa/4See Manuela Moreira da Silva

Há quem diga que a água em Portugal é muito barata. O preço pode ser um moderador de consumo?

Ao contrário da energia, a água depende do local onde vivemos. Há custos diferentes por metro cúbico, mas também há disponibilidade diferente, por parte dos municípios, para financiar a água que consumimos. No meu entendimento, devemos pagar aquilo que a água custa, sendo que, na maior parte das situações, isto leva a um aumento de preço. E, se os preços aumentarem, temos de estar preparados, por exemplo, para mais taxas sociais, porque vai haver mais pessoas que não conseguem pagar. Ou seja, os nossos impostos vão ter de pagar a água por elas. Por outro lado, se pagarmos um valor maior, os municípios devem comprometer-se com os seus cidadãos, definindo metas reais de reabilitação.

Existe algum plano para a recuperação dos ramais?

Um índice de boa qualidade é a reabilitação anual de 1,5% a 4%, mas a grande maioria das entidades não consegue cumprir, por falta de capacidade de financiamento. O PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], no Algarve, tem 35 milhões de euros para trabalhar algumas medidas. A primeira é reduzir perdas no setor urbano. Mas muito pouco está feito. Os municípios têm‑se candidatado aos financiamentos, mas o processo é muito burocratizado. E a maioria dos autarcas queixa‑se de que são penalizados pela população se fizerem obras para substituir os ramais. Obras que obrigam a escavar estradas não são populares. Mas, se explicarmos a importância de substituir as condutas, porque as perdas são incorporadas no preço da água, as pessoas percebem a necessidade das obras. Isso não invalida que tenham de ser bem organizadas, e de começarem e acabarem. Temos estado a falar sobre perdas técnicas, mas, se deixamos um chuveiro aberto em casa, tecnicamente, aquela água não se perde, mas é completamente desperdiçada, ou seja, perdida.

Quem é Manuela Moreira da Silva?

Bióloga, doutorada em Ciências e Tecnologias do Ambiente, docente e coordenadora do Instituto Superior de Engenharia da Universidade do Algarve e investigadora do CIMA-ARNET (Centro de Investigação Marinha) e do CEiiA – Centro de Engenharia e Desenvolvimento.

Não há consciência dessa tarefa?

Hoje, já há mais consciência, mas ainda há um longo caminho a fazer. Não se tem noção da quantidade de água que se gasta por dia. Há uma ferramenta eletrónica gratuita, na página da Associação Portuguesa de Recursos Hídricos, que calcula a pegada hídrica. [Se reduzir o consumo,] não só paga menos de água, como de tratamento das águas residuais, ambos incluídos na fatura. Depois, se baixar de escalão, também paga menos pela recolha e tratamento dos resíduos que produz. A maioria das pessoas não tem a perceção do consumo, porque temos água na torneira 24 horas por dia, 365 dias por ano. É uma coisa banal, que não valorizamos. Precisamos de fazer cortes? Quero acreditar que, se houver mecanismos de comunicação que cheguem às pessoas, não precisamos. Porque cortar a água significa que há um dia em que não podemos tomar banho, higienizamos mal a louça… Alguns especialistas dizem que as pessoas precisam de uma medida drástica para perceber a falta que a água faz. Precisamos de comunicar, não de lhes cortar a água.

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