Diz-se da melatonina que é um “remédio natural” que ajuda a adormecer, disponível em medicamentos e em suplementos alimentares, e percecionado como inofensivo. Será mesmo assim?
Um estudo apresentado recentemente num congresso da American Heart Association lança um alerta sobre o uso da melatonina: o seu uso prolongado poderá estar associado a um risco quase duplicado de insuficiência cardíaca, um risco triplicado de hospitalização e um risco duplicado de morte por qualquer causa, em comparação com quem não a utiliza. Números surpreendentes, tendo em conta a popularidade deste ingrediente presente em suplementos alimentares e a confiança que inspira a quem procura uma solução “suave” para dormir melhor.
Melatonina, uma aliada do descanso
A melatonina é muitas vezes vista como uma aliada do descanso: um “remédio natural” que ajuda a adormecer ou a atenuar os efeitos do jet lag, disponível sem receita e percecionado como inofensivo.
Na realidade, é uma hormona que o nosso organismo produz naturalmente durante as horas de escuridão, regulando o ritmo sono-vigília. As versões sintéticas vendidas como suplementos alimentares ou medicamentos imitam o seu efeito, mas com resultados limitados e, como agora se descobre, com possíveis novos riscos.
Risco de problemas cardíacos duplica
O estudo analisou dados de mais de 130 mil adultos com insónia (dos quais 60% mulheres, com idade média de 56 anos) recolhidos numa base de dados que agrega milhões de registos clínicos de vários países.
Os investigadores consideraram cinco anos de registos eletrónicos, comparando o historial médico de cerca de 65 mil pessoas que usaram melatonina durante pelo menos um ano com o de outro grupo equivalente que não a utilizou. Os dois grupos foram emparelhados com base em 40 parâmetros, como idade, sexo, peso, doenças cardíacas ou neurológicas prévias e terapêuticas em curso, entre outros.
Foram excluídos os participantes que já tivessem sofrido de insuficiência cardíaca ou que tomassem outros medicamentos para dormir.
Os resultados mostraram que quem tomou melatonina por mais de um ano apresentava:
- quase o dobro da probabilidade de desenvolver insuficiência cardíaca (4,6% contra 2,7%);
- mais de três vezes o risco de hospitalização por insuficiência cardíaca (19% contra 6,6%);
- quase o dobro da probabilidade de morrer por qualquer causa (7,8% contra 4,3%) durante o período de observação.
No entanto, é cedo para tirar conclusões. O estudo ainda não foi publicado numa revista científica, pelo que não foi submetido à necessária revisão por pares. Só após essa publicação será possível avaliar de forma completa e objetiva os seus limites e pontos fortes.
São necessários mais estudos
Por se tratar de um estudo observacional, não pode demonstrar relações de causa e efeito, apenas associações que devem ser analisadas cuidadosamente. É, portanto, possível que a associação entre melatonina e problemas cardíacos seja real e reflita uma relação causal – mas isso só poderá ser confirmado se os grupos comparados forem realmente equivalentes.
É possível que as pessoas que tomaram melatonina por tanto tempo tivessem um estado de saúde mais frágil – optando por um remédio considerado mais seguro – ou distúrbios do sono mais graves, o que, só por si, poderia aumentar o risco cardiovascular. Os investigadores também não tinham dados sobre a gravidade da insónia nem sobre eventuais patologias psiquiátricas.
Além disso, a melatonina é facilmente adquirida sem receita, o que significa que pode ter havido utilização não registada mesmo entre os participantes do grupo “sem melatonina”. O estudo parece ter criado dois grupos equilibrados, mas isso só poderá ser confirmado quando os dados completos forem disponibilizados à comunidade científica.
Cautela com a melatonina
Até agora, não eram conhecidos riscos cardíacos entre os efeitos adversos dos medicamentos à base de melatonina. Estes novos dados poderão, no futuro, levar os médicos a rever as recomendações de uso em casos de perturbações do sono. Até porque os benefícios dos suplementos alimentares ou medicamentos à base de melatonina no sono são, em geral, modestos ou duvidosos.
O estudo deve ser visto como um sinal de alerta. No entanto, a prudência é essencial: o uso prolongado de melatonina não deve ser considerado isento de riscos e deve sempre ser avaliado por um médico, sobretudo em pessoas com doenças cardíacas ou sob tratamento com outros medicamentos.