Diabetes: produtos de saúde não dão para todos
É preciso garantir o acesso a produtos de saúde essenciais no controlo da diabetes. Porque a verdade é que não chegam para todos.

Nos últimos anos, certos medicamentos ganharam destaque não apenas no tratamento da diabetes tipo 2, mas também como ferramenta de perda de peso. Vídeos no TikTok e testemunhos de famosos mostraram resultados “milagrosos” dos chamados agonistas do recetor do peptídeo-1 similar ao glucagon (agonistas do recetor da GLP-1). Falamos dos medicamentos Ozempic (semaglutido), Trulicity (dulaglutido) e Victoza (liraglutido), aprovados no tratamento de doentes adultos com diabetes mellitus tipo 2 insuficientemente controlada e IMC superior a 35 kg/m2 (obesidade). O impacto significativo na redução de peso levou a um aumento da procura destes medicamentos por pessoas que pretendem emagrecer, colocando dificuldades de acesso a quem realmente precisa deles para tratar a diabetes.
A escassez de medicamentos agonistas do recetor da GLP-1 teve início em 2022 e prevê-se que se mantenha em 2024 e 2025. É consequência da elevada prescrição destes medicamentos, aliada a constrangimentos na capacidade de produção. A sua utilização para indicações que não se encontram aprovadas (off-label), nomeadamente na perda de peso, tem posto em risco, de forma significativa, a sua disponibilidade para o tratamento de doentes diabéticos.
Apesar de todas as autoridades do medicamento ao nível europeu estarem envolvidas na monitorização e mitigação desta escassez, as medidas parecem insuficientes. É preciso garantir que as prescrições de medicamentos agonistas do recetor da GLP-1 são efetivamente para diabéticos com o perfil indicado. Igualmente a Ordem dos Médicos deverá ter um papel ativo juntos dos médicos. A prescrição destes medicamentos para a perda de peso levanta questões éticas, não só porque são medicamentos essenciais para o controlo da glicemia em diabéticos, mas também porque são comparticipados em 90%, contribuindo para a insustentabilidade financeira do Sistema Nacional de Saúde.
Mais recentemente, os Jogos Olímpicos (JO) trouxeram à luz do dia uma realidade desconhecida por muitos. Não era incomum ver imagens de atletas com dispositivos brancos (um pequeno círculo) na parte posterior do braço. Esse dispositivo é um sensor (FreeStyle Libre) que monitoriza em tempo real os níveis de glicose, evitando as picadas no dedo nos diabéticos. Ora, sendo improvável que tenha ocorrido tal aumento de atletas diabéticos nos JO, é evidente que estes sensores estão a ser usados para “melhorar o desempenho no exercício físico”. O problema é que, também aqui, a utilização fora da sua indicação levou a roturas de stock e dificuldades de acesso ao sensor por parte de diabéticos.
Em Portugal, apenas os diabéticos tipo 1 e tipo 2 insulinodependentes têm direito a comparticipação destes dispositivos, que são adquiridos na farmácia com receita médica. Também a aquisição dos dispositivos pelas farmácias passa por regras apertadas: é feita diretamente ao fabricante ou representante, em número restrito de encomendas por mês, para satisfazer as prescrições. No entanto, o fabricante ou representante disponibiliza a venda direta online do dispositivo, sem necessidade de receita médica.
Ainda que exista potencial para outro tipo de utilização destes dispositivos médicos, esta não pode pôr em causa o acesso a quem precisa deles para controlar uma situação patológica. Cabe às autoridades garantir que o fabricante cumpre as necessidades de produção. Por outro lado, é questionável a venda direta de dispositivos médicos sujeitos a receita médica para indicações fora das aprovadas. Mais uma vez, a doutrina junto dos médicos e de outros profissionais de saúde é importante, de forma a assegurar que este tipo de sensor não é promovido para fins de melhoria de desempenho desportivo.
O bem-estar não pode ser prioritário em detrimento da saúde. É preciso garantir o acesso a produtos de saúde essenciais no controlo da diabetes. Porque a verdade é que não chegam para todos.
Sabia que...?
A escassez de medicamentos agonistas do recetor da GLP-1 teve início em 2022 e prevê-se que se mantenha em 2024 e 2025.
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