Medicamentos: se estão mais baratos, porque gastamos mais?
A DECO PROteste, em colaboração com a Nova SBE – Health Economics & Management Knowledge Center, apresentou o estudo “Medicamentos: se estão mais baratos, porque gastamos mais?”.

A análise à evolução dos preços de 41 medicamentos comparticipados sujeitos a receita médica, nos últimos 13 anos, teve uma conclusão surpreendente: os medicamentos analisados estão mais baratos, mas o utente gasta mais. É a conclusão de um estudo levado a cabo pela DECO PROteste e por uma equipa ligada à Nova SBE – Health Economics & Management Knowledge Center. Como explicar esta aparente contradição? Que soluções deverão ser implementadas?
Veja o vídeo completo com o debate.
O estudo foi apresentado num evento realizado na Nova SBE, reunindo diversos representantes do setor para debater as questões levantadas por esta aparente contradição que resulta das conclusões. Os medicamentos em análise, sujeitos a receita médica e comparticipados nos últimos anos, foram selecionados por representarem os mais vendidos e com mais encargos, em 2022. “Com isto, quisemos perceber qual é o impacto desta evolução de preço. Quem está a pagar mais, quem está a pagar menos, e qual o sentido em que estão a evoluir estes medicamentos”, referiu Susana Santos, especialista da DECO PROteste.
Joana Gomes da Costa, investigadora na NOVA SBE Health Economics & Management Knowledge Center começou por explicar que a DECO PROteste cedeu à equipa uma base de dados com 41 fármacos – de marca e genéricos – e a informação do preço de venda ao público, o preço de referência de cada um dos medicamentos, o preço pago pelo utente e a percentagem da respetiva comparticipação, assim como as datas de início de cada um destes valores. O estudo incidiu em cinco grupos farmacoterapêuticos: antidiabéticos, antihipertensores, antidislipidémicos, analgésicos não narcóticos e antipiréticos, antidepressivos e estabilizadores do humor.
Quase metade dos medicamentos aumentaram de preço para o utente
Quando é introduzido um medicamento genérico, é criado um grupo homogéneo (medicamentos que são iguais do ponto de vista da substância ativa, da forma de administração, da dosagem e da via de administração) “e é feito um preço de referência que resulta da média dos cinco medicamentos mais baratos desse grupo homogéneo”, referiu Susana Santos. É sobre esse preço de referência que é feita a comparticipação que depois é retirada do PVP e resulta no valor a pagar pelo consumidor. “Um grupo homogéneo, normalmente, tem bastantes medicamentos.”
Em cerca de 54% dos casos, houve uma diminuição do preço pago pelo utente, concluiu o estudo. No entanto, em cerca 44% das circunstâncias, esse preço aumentou para esse utente. “Quando olhamos pelo preço pago pelo Estado, verificamos que houve uma diminuição deste preço, em cerca de 80% das situações, e um aumento em 10% dos casos”, referiu Joana Gomes da Costa. “O utente é livre de escolher o medicamento – seja ele de marca ou de genérico – sendo que a prescrição é sempre feita por Denominação Comum Internacional (DCI). Mas o preço pode variar devido a muitos fatores”, sublinhou.
Susana Santos comentou que, em relação aos medicamentos considerados no estudo, houve um decréscimo generalizado do preço de venda ao público (PVP). Essas variações estiveram relacionadas, em grande parte, com a introdução dos medicamentos genéricos, a introdução do preço de referência, as descidas do PVP e que, quando existe um preço de referência, aumenta a despesa para o consumidor, se o mesmo continuar a optar por um medicamento de marca ou um medicamento genérico que não seja um dos cinco mais baratos.
“A nossa principal mensagem é a de que o consumidor tem de optar por um medicamento genérico, mas tem de ser o mais barato.” Quanto mais baixo for o preço do medicamento dispensado, menor será o encargo do utente, que corresponderá à diferença entre o valor comparticipado pelo SNS e o seu preço.
Outras hipóteses em estudo
No entanto, pode haver outras explicações para que os utentes estejam a gastar mais. A necessidade de consumirmos mais medicamentos por dia para mantermos a qualidade de vida ou combatermos doenças crónicas, por exemplo.
É um fenómeno confirmado pelo Infarmed, que esteve representado no evento por Cláudia Furtado, diretora de Informação e Planeamento Estratégico e de Avaliação das Tecnologias de Saúde daquela instituição. Segundo a responsável, “o aumento da procura tem levado a um acréscimo da despesa por parte dos utentes”. Por outro lado, não se tem verificado um incremento da despesa média por embalagem. Cláudia Furtado descodifica: “Ou seja, há aumento de volume, mas o custo médio por embalagem, globalmente, não sofreu aumentos nos últimos anos, exceto no ano de 2023.”
O Infarmed regula o preço dos medicamentos sujeitos a receita médica tendo como base os “quatro países de referência, nomeadamente, Espanha, França, Itália e Eslovénia”. Existe ainda uma forma de o fazer – embora menos frequente – e que consiste na alteração das margens de comercialização. “Mas é uma medida pontual”.
No que respeita aos medicamentos comparticipados, a intervenção do Infarmed é diferente. “Para além da referenciação internacional, fazemos também uma avaliação fármaco-económica, ou seja, avaliamos o benefício e o custo dos medicamentos.” Isto passa por garantir que o preço, face aos benefícios do medicamento, é o mais adequado. “Normalmente, após a definição do preço, a nossa intervenção é, na prática, a de redução do mesmo.”
O valor que o utente vai pagar, no caso de um medicamento comparticipado, também vai variar e está dependente de vários fatores, não estando totalmente sujeito ao preço. “Vai alterar consoante o escalão de comparticipação e vai depender da existência de regimes especiais de comparticipação”. O Estado promove uma majoração de comparticipação, quer para os pensionistas que auferem pensão mínima, quer para determinadas doenças com uma carga elevada, explicou Cláudia Furtado. Existe ainda a integração dos medicamentos no sistema dos preços de referência, tema que foi o objeto do estudo apresentado neste evento.
Despesa com medicamentos preocupante em Portugal
Cláudia Furtado juntou ainda outra hipótese para o fenómeno de estarmos a ter mais gastos: o possível aumento de custos que deriva da introdução de novas tecnologias de saúde com um valor terapêutico acrescentado. “De um modo pontual, existem mecanismos de revisão excecional do preço de medicamento, utilizados em casos mais excecionais, como aconteceu no ano passado, com o aumento transversal dos custos de medicamentos mais baratos, uma medida que foi introduzida para prevenir a indisponibilidade dos medicamentos, tentando reforçar a viabilidade económica”, reforçou. No entanto, o Infarmed tenta “atenuar o peso que algumas medidas pontuais podem ter para os utentes”.
A despesa dos utentes com medicamentos ultrapassa os 30% da despesa total e é particularmente preocupante em Portugal, explicou Cláudia Furtado. “Os copagamentos que temos em Portugal, na maior parte dos casos, são regressivos e vão afetar de modo mais acentuado as famílias com menores rendimentos.” Isto significa que pessoas que não tenham capacidade para pagar poderão não estar a utilizar os medicamentos. “Quando existem medicamentos genéricos, o facto de observarmos quase sempre o aumento da utilização, significa que a diminuição do custo de tratamento aumenta a acessibilidade”, assinalou Cláudia Furtado, assumindo que o Infarmed “quer fazer parte da solução para limar estas arestas”.
Medicamentos genéricos aquém das expectativas
Um estudo estatístico levado a cabo pela DECO PROteste serviu para tentar perceber “porque é que os consumidores continuam a optar por medicamentos de marca em vez de medicamentos genéricos”, explicou a especialista. Percebeu-se do inquérito que os consumidores confiam nos genéricos, muitos continuam a optar por eles, mas a procura, ainda assim, continua aquém do que seria desejável.
Apesar da confiança nos genéricos, verificou-se, no inquérito, que 38% dos inquiridos, do universo dos que compraram fármacos de marca, afirmaram tê-los escolhido por indicação médica. A hesitação ou a recusa de optar por genéricos deve-se ainda, segundo os inquiridos, à falta de um genérico correspondente ao de marca (35% afirmaram comprar de marca por esta razão), enquanto 24% dizem fazê‑lo por assumirem que a qualidade dos medicamentos de marca é melhor.
Consumidores exigem majoração da comparticipação e cálculo dinâmico do preço de referência
Portugal é um dos países que menos investe em promoção da saúde e prevenção da doença, temos uma população envelhecida e polimedicada. Na opinião de Susana Santos, é preciso investir em campanhas de literacia da saúde para que “a alteração de estilos de vida mais saudáveis tenha consequências mais tarde naquele que é o consumo de medicamentos e na diminuição dos encargos relacionados com os mesmos”.
Apesar de já se notar uma alteração de comportamentos, em que mais pessoas optam por genéricos, “é preciso também selecionar o medicamento mais barato, usufruir do máximo de comparticipação e pagar o menos possível”, reforçou Susana Santos, da DECO PROteste. Nesse sentido, a organização defende a majoração da comparticipação do medicamento mais barato, do grupo homogéneo, começando no escalão A (a maior taxa de comparticipação existente, de 90%). A medida representaria “um custo anual, no máximo, de cerca de um milhão de euros ao orçamento do SNS, considerando os custos com medicamentos, em 2022”.
Do estudo resultou outra medida apontada pela DECO PROteste, o cálculo dinâmico do preço de referência que conta não só com os cinco medicamentos mais baratos, mas considerando o facto de estarem ou não disponíveis. “Ou seja, os medicamentos que estão em rutura de stock serem excluídos do cálculo do preço de referência – revisto trimestralmente – para que o mesmo resulte daquilo que estão efetivamente disponíveis no mercado”, referiu Susana Santos. A associação defende que estas medidas equilibrariam algumas discrepâncias do preço que o utente paga pelos medicamentos, promovendo um acesso mais informado e mais justo aos tratamentos necessários.
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