Glucosamina e condroitina ajudam a prevenir e tratar a osteoartrose?
A glucosamina e a condroitina são utilizadas há décadas pelos consumidores, em medicamentos e suplementos alimentares, com o intuito de prevenir, melhorar ou tratar a osteoartrose. Serão eficazes? Saiba o que dizem os estudos analisados pela DECO PROteste.

Chamam-se condroitina e glucosamina e são moléculas amplamente vendidas em Portugal, em suplementos alimentares e medicamentos, para as articulações, mais concretamente para a osteoartrose, doença comum do avançar da idade, com sérias consequências na mobilidade dos afetados.
A doença afeta sobretudo as articulações das mãos e as que suportam o peso corporal: joelhos, ancas, coluna vertebral e pés. Não tem cura, mas existem medidas farmacológicas e não farmacológica que permitem manter uma boa qualidade na grande maioria dos casos.
O problema dos ‘produtos-fronteira’
A confusão começa no enquadramento legal das formulações à base de glucosamina e/ou condroitina. Estas moléculas entram na categoria dos chamados "produtos-fronteira", tornando difícil compreender exatamente o que distingue as apresentações disponíveis.
Por um lado, os medicamentos à base de glucosamina e de condroitina são tutelados pela Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed), o que implica que os fabricantes têm de apresentar às autoridades um dossiê com documentação que demonstre a sua qualidade, segurança e eficácia, e, assim, obter autorização de introdução no mercado (AIM).
Além disso, durante a vigência da AIM, inicialmente de cinco anos, e renovável por período indeterminado, os produtores têm de manter o Infarmed a par de eventuais novos dados relativos à qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos, e facultar dados de farmacovigilância ou outros que comprovem que a relação benefício-risco do fármaco se mantém favorável.
Os suplementos alimentares obedecem a regras bastante diferentes. Com tutela da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), cabe aos próprios produtores e distribuidores assegurar a sua conformidade, sem necessidade de comprovar eficácia, qualidade e segurança. São considerados géneros alimentícios.
No caso da condroitina e da glucosamina, fica por esclarecer o que, na prática, os distingue, já que, muitas vezes, a quantidade indicada para a toma em suplementos alimentares e medicamentos é a mesma – em geral, 1500 miligramas diários para a glucosamina, e 1200 miligramas para a condroitina.
Suplementos alimentares: o poder da sugestão
A lei proíbe expressamente os suplementos alimentares de incluírem quaisquer referências a efeitos terapêuticos e preventivos de doenças. A sua função é complementar ou suplementar uma dieta saudável. Face a tais impedimentos, os produtores e distribuidores centram as estratégias publicitárias numa comunicação sugestiva e pouco clara. Cumprem assim a legislação nacional e europeia, sem assumir compromissos com os utilizadores.
A informação, tanto nos rótulos como nos restantes materiais promocionais, é produzida em forma de alusão, sem esclarecer quanto aos efeitos exatos das substâncias nas articulações, aos riscos associados à sua toma, ou a eventuais efeitos secundários e contraindicações.
Há ainda outro problema. A Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) não aprovou nenhuma alegação relacionada com a saúde das articulações para a condroitina e para a glucosamina. Porém, permite que se indique que a vitamina C “contribui para a formação normal de colagénio para a função normal da cartilagem”. Ora, os fabricantes aproveitam a brecha e, por vezes, adicionam a dita vitamina às formulações com glucosamina e condroitina, o que lhes permite ostentar, nas embalagens e nas campanhas de marketing, argumentos relativos à saúde da cartilagem e das articulações.
Medicamentos com resultados clínicos irrelevantes
Para conseguir entrar, e permanecer no mercado, todos os medicamentos, inclusive os que contêm condroitina e glucosamina, têm de ter autorização de introdução no mercado (AIM) , o que implica a apresentação prévia de documentação para demonstrar a sua qualidade, segurança e eficácia. Apenas na sequência da “avaliação positiva da documentação e da relação benefício/risco, que deverá também ser positiva para as indicações terapêuticas aprovadas, o medicamento pode ser colocado no mercado”, refere o Infarmed.
Tal sucede com os fármacos à base de condroitina e glucosamina, que referem nos folhetos informativos ser indicados "para o alívio dos sintomas da osteoartrose". Porém, os resultados dos estudos científicos dos últimos 20 anos, sobretudo os mais recentes e fiáveis, de 2022 e 2023, indicam que as duas substâncias não demonstram quaisquer mais-valias clinicamente válidas ou significativas, em separado ou combinadas, face ao placebo, para a osteoartrose: não melhoram significativamente a dor, a função ou a progressão da osteoartrose a longo prazo.
Efeitos secundários da condroitina e da glucosamina
Tanto a condroitina como a glucosamina podem ter consequências negativas para a saúde. Dores de cabeça, náuseas, desconforto e dores abdominais, problemas digestivos, diarreia e obstipação e fadiga são os efeitos secundários mais frequentes referidos nos folhetos informativos dos fármacos com glucosamina. Além disso, a substância pode interagir com outros medicamentos, aumentando, por exemplo, o efeito dos anticoagulantes, como a varfarina.
No que respeita à condroitina, as reações adversas mais comuns incluem náuseas, diarreia, desconforto abdominal e tonturas.
Um alerta importante: ambas as substâncias são geralmente obtidas a partir de cartilagens de outros animais, pelo que as pessoas com alergias, nomeadamente a moluscos, devem ter cautela na toma.
Infarmed justifica não-comparticipação
Em 2010, o próprio Infarmed justificou, num relatório de avaliação público, o seu parecer negativo ao pedido de comparticipação de um medicamento com condroitina para a sintomatologia da osteoartrose com o facto de não haver provas de eficácia. “Não existe diferença significativa entre o placebo e a condroitina, então em termos farmacoterapêuticos não poderá ser comparticipado”, lê-se nas conclusões da avaliação do regulador do medicamento.
Questionado pela DECO PROteste, e escusando-se a comentar o caso em concreto, o Infarmed refere que um produtor pode solicitar a comparticipação de um medicamento na sequência da respetiva AIM. Porém, o Estado decide sobre a sua comparticipação utilizando critérios como “o valor terapêutico acrescido e/ou a vantagem económica relativamente aos medicamentos já comparticipados, sendo, por isso, uma avaliação relativa e sequencial”. Ou seja, o medicamento é comparticipado se trouxer vantagens ao Serviço Nacional de Saúde ou tiver algum valor terapêutico acrescido – o que não explica a permanência no mercado de um fármaco que não mostra diferença significativa face ao placebo.
Consumidores exigem transparência e coerência
A DECO PROteste alerta mais uma vez para a preocupante falta de distinção entre suplementos alimentares e medicamentos. Atualmente, é possível encontrar no mercado suplementos alimentares com dosagens de condroitina e glucosamina equivalentes às dos medicamentos, o que levanta sérias dúvidas quanto à coerência do enquadramento legal e à proteção dos consumidores.
No geral, os medicamentos são obrigados a demonstrar a sua eficácia e segurança. Os suplementos, que, por definição, não podem alegar efeitos terapêuticos, só têm de respeitar as regras aplicáveis aos alimentos.
Outra questão é se realmente produzem efeito. Os dados científicos atuais não demonstram diferenças significativas, por exemplo, entre a condroitina e o placebo no tratamento da osteoartrose. Sendo assim, e dado que os medicamentos são obrigados a demonstrar, de forma contínua, eficácia clínica relevante para permanecerem no mercado, porque continuam disponíveis os que incluem condroitina e glucosamina?
Os consumidores exigem transparência e coerência, bem como uma atuação regulatória eficaz que assegure uma diferenciação real entre medicamentos e suplementos alimentares. É essencial prevenir a difusão de mensagens ambíguas e garantir uma proteção efetiva da saúde pública.
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