Pagar para correr: federação exige licença obrigatória
A partir da temporada desportiva 2025-26, a Federação Portuguesa de Atletismo exigirá que todos os participantes em corridas organizadas e pagas obtenham uma licença desportiva prévia. O custo será de 3 euros por corrida e inclui seguro. A licença anual custará a partir de 31 euros.

A corrida, tradicionalmente conhecida pela sua facilidade de acesso e baixo custo, pode, a breve trecho, deixar de ser tão acessível para os adeptos de provas coletivas pagas, como a popular EDP Meia Maratona de Lisboa. A Federação Portuguesa de Atletismo aprovou recentemente uma proposta das associações de Braga e Setúbal, que visa implementar o projeto "Filiação por um Dia".
Esta iniciativa prevê a emissão de uma licença desportiva temporária obrigatória para todos os atletas que participem em provas pagas de estrada, trail running e corrida de montanha, quer a sua participação seja esporádica ou não. Com esta medida, espera-se uma mudança significativa no cenário das competições amadoras em Portugal, impactando tanto organizadores como corredores ocasionais.
O objetivo, alega esta entidade que segue o modelo de outras federações congéneres, é "salvaguardar a segurança dos praticantes da modalidade, permitindo à FPA controlar e validar todo o processo regulamentar das inscrições". O valor que arrecadar "será investido no desenvolvimento nacional e regional da modalidade, em articulação com as Associações Regionais e Distritais de Atletismo, com especial foco na formação através do Atletismo Infantojuvenil", justifica a federação, que se queixa do desinvestimento do Estado no desporto.
De recordar que o número de federados na Federação Portuguesa de Atletismo tem aumentado. Fazendo jus à célebre máxima do médico Galeno — "o exercício físico é o melhor dos remédios" —, a corrida tem, com efeito, conquistado um número crescente de atletas nos últimos anos. Entre 2000 e 2023, passaram de pouco mais de 12 mil para quase 22 mil. Estes números demonstram não só o aumento de receitas que a federação tem vindo a receber, como também o número crescente de praticantes federados de atletismo.
Como obter a licença da Federação Portuguesa de Atletismo?
De acordo com o novo projeto, cujos detalhes ainda são desconhecidos, para participar numa prova, o atleta deverá aceder ao portal da Federação Portguesa de Atletismo e completar o processo de inscrição, comprovando que reúne os requisitos necessários. Feito o pagamento de 3 euros e concluído o processo, o atleta obterá automaticamente o cartão digital de federado, que lhe permitirá inscrever-se na prova individual.
"Os Seguros Desportivos e Exames Médicos válidos e atualizados serão obrigatórios e devidamente escrutinados de forma a salvaguardar a integridade física de todos os participantes”, avisa a federação.
Em alternativa, o atleta poderá optar pela filiação para toda a época, pagando um valor a partir de 31 euros por ano. Esta filiação permitirá participar em todas as provas que decorram em território nacional.
A que dá direito a inscrição na Federação Portuguesa de Atletismo?
Segundo a Federação, o cartão digital anual de filiado dará acesso aos mais de cem centros do Programa Nacional de Marcha e Corrida, ao perfil individual do atleta, ao histórico de participações em provas certificadas, ao calendário oficial de atletismo e aos rankings nacionais. O atleta terá ainda direito a seguro desportivo e poderá beneficiar de descontos e serviços disponibilizados pela FPA e seus parceiros, promete aquele organismo.
Duplicação de seguros?
De acordo com a legislação vigente, todas as entidades organizadoras de provas desportivas abertas ao público são obrigadas a contratar um seguro temporário com coberturas mínimas legais para proteger os participantes que não estejam abrangidos por seguros desportivos ou escolares. Este seguro deve garantir a cobertura de riscos durante a competição e também durante as deslocações para o local da prova. Caso essa obrigação não seja cumprida, a entidade organizadora assume total responsabilidade por eventuais acidentes, nas mesmas condições que seriam atribuídas a uma seguradora, caso o seguro tivesse sido devidamente contratado.
O seguro desportivo anunciado pela Federação Portuguesa de Atletismo como uma mais-valia associada à filiação representa, na prática, uma duplicação de seguros e, consequentemente, de custos para os atletas participantes em provas. Esta federação desportiva sugeriu aos organizadores de eventos desportivos que reduzam o valor das inscrições, já que o seguro obrigatório estará garantido através da filiação federativa. No entanto, esta recomendação não tem força vinculativa, o que deixa a aplicação dessa medida ao critério de cada organizador.
Em resumo, a imposição de novos procedimentos agrava todo o processo burocrático em torno da inscrição em provas organizadas e encarece-as, tornando-as menos acessíveis a muitos consumidores.
Apesar de ser uma associação e não uma entidade administrativa, a Federação Portuguesa de Atletismo utiliza a designação “licença federativa” para justificar a emissão de um documento obrigatório para a participação em provas desportivas pagas. No entanto, segundo a definição legal, uma licença é um ato permissivo, através do qual a administração pública permite ao particular praticar um ato ou desenvolver uma atividade que, sem essa permissão, seria proibida por lei.
A DECO PROteste questionou a Federação Portuguesa de Atletismo, nesse contexto, sobre a razão de designar o novo valor como “licença”, tendo em conta que não há qualquer atividade proibida ou restrita cujo acesso se pretenda regular. Perguntou ainda sobre os fatores que podem influenciar o preço da licença, agravando-o, e o que sucede aos seguros que as organizações das corridas são obrigadas a contratar. Por último, se os atletas terão de apresentar um relatório médico para participarem nas provas.
Parca em explicações, a Federação Portuguesa de Atletismo respondeu: "Estamos a rever o Regulamento Geral de Competições e o Regulamento de Filiação de Agentes Desportivos, no cumprimento da Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, ao abrigo da qual nos é atribuída a competência de desenvolvimento, promoção e regulamentação de todas as manifestações da modalidade. Neste momento, estamos na fase de auscultação das partes interessadas, conforme ficou definido na Assembleia-Geral realizada a 22 de março; sendo que, oportunamente, publicaremos a atualização dos referidos regulamentos na página oficial da Federação Portuguesa de Atletismo."
Em resumo, não há um compromisso temporal da federação para aplicação das novas regras, nem respostas claras às questões colocadas.
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