Crioterapia no desporto: nem todos os benefícios estão comprovados
A crioterapia, ou a aplicação de frio com objetivos terapêuticos, tornou-se numa aliada de muitos desportistas. Saiba como funciona, quais os riscos e se é mesmo eficaz na recuperação e no tratamento de lesões musculares.

A aplicação de frio no tratamento de lesões musculares não é uma novidade. Contudo, nos últimos anos, a crioterapia ganhou popularidade e tornou-se numa das terapêuticas preferidas de alguns desportistas para tratar lesões, ajudar a reduzir inflamação e acelerar a recuperação muscular.
O que é a crioterapia?
A utilização do frio no tratamento de lesões é uma prática com vários séculos. Em 1800, alguns médicos já usavam métodos de crioterapia localizados para tratar alguns tipos de cancro. No entanto, as técnicas de crioterapia modernas só surgiram nos anos 1960. Em 1970, por exemplo, a crioterapia começou a ser usada por dermatologistas para remover verrugas e alguns tipos de células cancerígenas. Mais recentemente, começou a ser explorada como uma possível alternativa para o tratamento da dor relacionada com a artrite reumatoide. Atualmente, é popular entre desportistas, e muitos dos seus defensores afirmam que a técnica pode ajudar a tratar lesões e a acelerar a recuperação muscular.
Existem vários processos terapêuticos que podem ser descritos como crioterapia, entre os quais bolsas para aplicação de gelo (IP), imersão em água fria (CWI), métodos de crioterapia parcial e de corpo inteiro (PBC e WBC) e uma nova aplicação, denominada material de mudança de fase (PCM).
Aplicação de gelo
Embora o gelo seja muito usado no tratamento após uma lesão nos tecidos moles, a evidência científica é pouco conclusiva quanto à sua eficácia. A maioria dos estudos mais recentes desaconselha inclusive a utilização do gelo em lesões para não interferir com o processo natural de recuperação dos tecidos.
Imersão em água fria
Os banhos de imersão em água fria como estratégia de recuperação após o exercício físico também têm acolhido muitos adeptos. Os tratamentos envolvem a imersão dos membros e do tronco entre cinco e 20 minutos em água fria (temperaturas entre 8ºC e 15ºC), e a prática é bastante comum entre atletas. No entanto, existem poucos estudos que analisem os efeitos ou a eficácia da imersão em água fria de forma repetida nas adaptações ao treino, sobretudo ao treino de resistência.
Embora esta prática após o exercício possa, de facto, melhorar a recuperação a curto prazo, a evidência científica disponível sugere que esta prática não tem benefícios e, em alguns casos, pode até ser prejudicial na adaptação fisiológica ao treino de resistência. Neste sentido, são necessários mais estudos para determinar o seu impacto real neste contexto.
Crioterapia parcial e de corpo inteiro (ou aplicação de ar frio)
A aplicação de ar frio (abaixo de -100ºC) é uma técnica relativamente recente no desporto. A mais comum é a crioterapia de corpo inteiro e implica a exposição a baixas temperaturas, dentro de uma câmara, durante dois a três minutos, depois de um pequeno período (30 segundos) de adaptação à temperatura (a cerca de -60ºC). A aplicação de ar frio, normalmente administrado na forma de azoto líquido, é usada por, supostamente, ser eficaz a reduzir a sensação de “aparecimento tardio” da dor muscular e a aumentar a ativação parassimpática e das citocinas anti-inflamatórias.
Esta prática tem vindo a ganhar popularidade, não só no campo da estética por, supostamente, trazer benefícios para a pele, mas também no desporto, para a recuperação pós-exercício. Contudo, há relatos de alguns casos de lesões graves (por exemplo, queimaduras na pele), e a evidência científica não é clara quanto à sua eficácia no que diz respeito a uma utilização a longo prazo na recuperação muscular.
Material de mudança de fase
Ainda mais recente é uma nova forma de crioterapia denominada material de mudança de fase (PCM). Os materiais de mudança de fase são materiais de armazenamento de calor latentes, ou seja, são substâncias que têm a capacidade de passar por uma transição de fase entre estados de matéria sem que se assista a uma mudança de temperatura detetável. Nesse sentido, conseguem absorver grandes quantidades de calor a uma temperatura quase constante.
Na prática, quando estes materiais são aquecidos, por exemplo, através do contacto com o corpo humano, vão absorver calor a uma temperatura quase constante, até que se tenham transformado por completo da sua forma sólida para a forma líquida. Assim, estes materiais conseguem manter temperaturas baixas junto dos tecidos dos membros-alvo durante períodos prolongados.
Em comparação com as intervenções convencionais de crioterapia, o PCM tem uma grande vantagem: pode ser utilizado com segurança por períodos prolongados, resultando numa maior magnitude de mudança na temperatura do tecido, o que parece acelerar a recuperação quando há perda de força ou dor após o exercício. No entanto, a eficácia do PCM para acelerar a recuperação de lesões traumáticas nos tecidos moles ainda precisa de ser estudada.
Quais são os riscos e as contraindicações da crioterapia?
A vontade de maximizar o desempenho desportivo pode levar os atletas a experimentarem técnicas pouco comprovadas, como a crioterapia. Embora a crioterapia de corpo inteiro prometa muitos benefícios, é, para já, difícil chegar a uma conclusão definitiva quanto à sua eficácia e possíveis riscos associados à sua utilização, uma vez que a investigação científica realizada sobre este tema é ainda insuficiente.
Devido aos riscos associados à exposição ao frio extremo, a crioterapia só deve ser realizada na presença de técnicos qualificados. Entre os riscos contam-se, por exemplo, congelamento, queimaduras na pele, lesões oculares, asfixia e perda de consciência. Além disso, há várias condições médicas para as quais a crioterapia é contraindicada: crioglobulinemia, intolerância ao frio, doença de Raynaud, hipotiroidismo, distúrbios agudos do sistema respiratório, doenças do sistema cardiovascular; hipertensão não controlada, neuropatias sensoriais, lesões cutâneas, distúrbios do fluxo sanguíneo local, caquexia, lesão prévia por frio e claustrofobia.
A crioterapia funciona?
O que a investigação científica parece mostrar é que a eficácia de qualquer intervenção de crioterapia depende do momento e da sua duração de aplicação. O principal objetivo deve ser manter uma redução da temperatura intramuscular pelo maior tempo possível logo após ocorrência de uma lesão ou depois da prática do exercício. É, por isso, possível que os benefícios potenciais das técnicas de crioterapia tradicionais sejam limitados pela sua curta duração da aplicação.
No entanto, a crioterapia aplicada de forma repetida ou prolongada é muitas vezes impraticável, pode ser mal tolerada e pode não ser segura. Por isso, não deve ser aplicada de forma rotineira durante a prática de exercício comum, pois pode dificultar as adaptações físicas inerentes ao treino. Por outro lado, pode e deve ser implementada na recuperação quando não há tempo para que a recuperação ocorra naturalmente e quando o desempenho subsequente do atleta possa ser prejudicado.
É também importante clarificar que, embora a crioterapia seja frequentemente aplicada com o objetivo de reduzir a resposta inflamatória, não há evidências suficientes que mostrem que isso ocorre de facto. A somar a tudo isto, os seus efeitos na recuperação funcional e no tratamento de danos musculares têm apresentado resultados inconclusivos. São, por isso, necessários mais estudos para comprovar a real eficácia e a segurança da crioterapia.
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