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Ventiladores Philips usados na apneia do sono com problemas de segurança

Está a decorrer uma ação coletiva em tribunal contra a Philips, devido a potenciais riscos para a saúde provocados por dispositivos médicos usados no tratamento da apneia do sono. Segundo o Infarmed, em Portugal, todos os equipamentos com defeito foram substituídos ou reparados.

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03 fevereiro 2025
Homem deitado na cama com a boca aberta, mostrando mau estar - alusão a ressonar

iStock

Um conjunto de advogados europeus e uma organização de consumidores italiana apresentaram uma ação coletiva contra a Philips no tribunal de Milão, em meados de 2024. A primeira audição está prevista para abril de 2025.

O objetivo da ação é obter uma compensação para quem usou ventiladores e dispositivos de pressão positiva nas vias aéreas (PAP) “defeituosos”. Estes dispositivos são utilizados principalmente no domicílio e destinam-se a doentes que têm o diagnóstico de apneia do sono ou insuficiência respiratória crónica com necessidade de suporte ventilatório. A apneia do sono provoca paragens respiratórias enquanto a pessoa dorme, o que resulta em má qualidade do sono e pode levar a que o doente se sinta cansado, ressone e tenha falta de concentração, entre outros sintomas. Um dos principais tratamentos passa pela utilização de um ventilador, que insufla ar, através de uma máscara, de modo a manter as vias respiratórias abertas e normalizar a respiração.

Em 2021, a Philips, um dos principais fabricantes destes dispositivos, emitiu um aviso de segurança relativo a alguns modelos, que continham espuma de poliéster (para reduzir o ruído), que se degradava e libertava substâncias respiráveis, ou que podiam ser engolidas, potencialmente perigosas para a saúde.

Os riscos, elencados pela própria Philips, em 2021, incluem irritações na pele, olhos e vias respiratórias, não podendo ser excluídos possíveis efeitos tóxicos e cancerígenos. Isto significa que as consequências da exposição podem não ser imediatas e, no entender de quem propõe a ação, podem também derivar em stresse emocional prolongado, devido ao receio de problemas de saúde graves, no futuro. Por isso, pedem uma indemnização de, pelo menos, 70 mil euros, por danos físicos ou morais.

Modelos de ventiladores da Philips de uso domiciliário abrangidos pela ação corretiva
Ventilador contínuo
Trilogy 100
Trilogy 200
Ventilador contínuo, sem suporte de vida
A-Series BiPAP A40
A-Series Bipap A30
DreamStation ASV
DreamStation ST, AVAPS
SystemOne ASV4
C-Series ASV
C-Series S/T and AVAPS
OmniLab Advanced+
Ventilador não-contínuo
SystemOne (Q-Series)
DreamStation
DreamStation Go
Dorma 400
Dorma 500
REMstar SE Auto

Apesar de decorrer em Itália, o processo estende-se a toda a Europa, abrangendo mais de um milhão de consumidores (mais de 50 mil em Portugal), e a decisão é válida para todos os utilizadores da União Europeia que se associarem à ação. A inscrição é gratuita, tendo apenas de apresentar uma prova de que usaram um dos aparelhos visados (por exemplo, o aviso de segurança enviado pela Philips ou pelo prestador de serviços). De acordo com a informação do site da ação, os consumidores apenas terão de pagar aos advogados se receberem a compensação.

Acordo para pagamento de 1,1 mil milhões de dólares nos Estados Unidos

Uma ação do mesmo género decorreu nos Estados Unidos, depois de a Food and Drug Administration (FDA) ter recebido quase 116 mil relatórios médicos de utilizadores com problemas respiratórios, pneumonia, dor no peito, cancro ou mesmo morte.

A empresa acordou pagar 1,1 mil milhões de dólares (mil milhões de euros), distribuídos por cerca de 60 mil pacientes, mas isso não significa admissão de culpa. Em resposta à DECO PROteste, o representante da marca em Portugal explica que, “nos litígios dos EUA, existem riscos, incertezas e custos significativos que, pela sua natureza, estão associados à conclusão dos processos. Chegámos a este acordo para resolver este problema. A Philips e a Philips Respironics não admitem culpa, responsabilidade ou que quaisquer lesões tenham sido causadas pelos dispositivos”, explica a empresa.

Por cá, o Infarmed, entidade responsável pela supervisão dos dispositivos médicos, recebeu cerca de 250 contactos relativos aos equipamentos, entre perguntas, dúvidas e notificações, embora nem todas relacionadas com este problema específico, garante Raquel Alves, responsável pela área dos dispositivos médicos daquela entidade. Reforça ainda que “as notificações não significam que haja problemas confirmados”. As queixas são enviadas para o fabricante, que deverá verificar o aparelho e tomar as medidas necessárias.

O Infarmed afirma ter acompanhado todo o processo, juntamente com a Direção-Geral da Saúde (DGS), a Administração Central dos Serviços de Saúde (ACSS) e os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), desde a entrega dos avisos de segurança até à substituição ou reparação dos aparelhos, e garante que “todos os equipamentos localizáveis e contactáveis” foram substituídos. Os ventiladores e dispositivos de pressão positiva nas vias respiratórias de uso doméstico são instalados por um fornecedor de serviços, que é também responsável pela sua manutenção, pelo que tem os registos dos utilizadores, mas “há sempre alguns que não se conseguem contactar, porque foram para o estrangeiro, por exemplo”, esclarece Raquel Alves.

A experiência de um utilizador inconformado

Uma das notificações, com muitas dúvidas e questões, foi enviada ao Infarmed e outras entidades por António (nome fictício), de 53 anos, que utilizou um dos aparelhos que foram alvo do aviso de segurança da Philips. Começou a usá-lo em 2017, quando lhe foi diagnosticada apneia do sono. O equipamento foi-lhe recomendado pelo médico, que o qualificou como “novo e pouco ruidoso”. Na altura, fez vários exames, incluindo aos pulmões, e não foi detetado mais nenhum problema de saúde.

Porém, em 2020, após um check-up realizado no âmbito da medicina do trabalho, ficou a saber que tinha cancro no pulmão. “Foi uma surpresa absoluta”, conta-nos, porque não tinha fatores de risco associados à doença – não-fumador, não consome bebidas alcoólicas, não tem familiares diretos com doenças oncológicas, nunca esteve exposto a produtos tóxicos como, por exemplo, o amianto. Assim, quando, em 2021, recebeu o comunicado da Philips a alertar para eventuais riscos decorrentes do uso do ventilador, entre os quais o de cancro, a ligação foi imediata: “Na minha cabeça, a associação direta foi inevitável”, lembra António. Os médicos com quem falou não conheciam o problema e desvalorizaram a situação. Quis sujeitar o equipamento a peritagem, mas, das várias entidades públicas e privadas que contactou – Infarmed, Instituto Nacional de Saúde D. Ricardo Jorge, faculdades de Farmácia e Medicina, etc. – só uma se disponibilizou a fazê-la, mas cobrava milhares de euros. Às perguntas que foi fazendo, nunca obteve uma resposta satisfatória. 

A Philips diz ter realizado vários estudos posteriores, em laboratórios independentes, que concluíram que “não se espera que a utilização dos dispositivos de terapia do sono resulte em danos apreciáveis para a saúde dos pacientes”. António, como muitos outros consumidores, questiona a fiabilidade dos dados fornecidos pela própria marca. Raquel Alves, do Infarmed, explica que, além dos resultados obtidos pelo fabricante, é obrigatório recorrer a laboratórios acreditados ou reconhecidos para testar a aplicação das normas europeias.

Não há orientações para acompanhamento específico dos doentes

Com base nos dados existentes, as autoridades de saúde não consideraram necessário elaborar orientações específicas para acompanhamento de todos os utilizadores dos dispositivos da Philips. Cada paciente terá o seguimento normal pelo seu médico, em função da sua situação clínica. Na opinião de António, não é suficiente. Seria mais seguro que todos fossem observados regularmente, tendo em conta os potenciais riscos identificados pelo fabricante, de modo a identificar eventuais lesões o mais rapidamente possível.

Para casos como o seu, gostaria de ter respostas mais concretas das autoridades e uma investigação independente que pudesse dar indicações claras sobre a relação (ou da não-relação) entre o uso do aparelho e o desenvolvimento do cancro. A dúvida será certamente difícil de desvanecer, mas António deseja que, pelo menos, a ação coletiva que está a decorrer ao nível europeu, na qual se inscreveu, chegue a alguma conclusão e que, se for caso disso, as entidades envolvidas sejam responsabilizadas e as vítimas indemnizadas. Para si, deseja, obviamente, a cura, esteja ou não o seu caso relacionado com a utilização do equipamento.

Infarmed garante a segurança dos dispositivos médicos

Os consumidores podem confiar nos dispositivos médicos que se encontram no mercado? Raquel Alves diz que a segurança está atestada pelo sistema europeu. Além de cumprirem as normas e fazerem prova disso junto das entidades reguladoras, como o Infarmed, os dispositivos médicos em uso estão sujeitos a um sistema de vigilância obrigatório pelo fabricante e pelas autoridades de saúde, à semelhança ao que acontece com os medicamentos e os produtos cosméticos. O objetivo é minimizar os riscos, já que, como em qualquer outra área da vida, é impossível eliminá-los por completo. O consumidor pode também contribuir para este sistema de segurança, notificando incidentes ao Sistema de Informação para Dispositivos Médicos, o Reporte!. Estes são sempre comunicados ao fabricante, que tem o dever de averiguar a situação e, em caso de necessidade, implementar medidas corretivas, com supervisão das autoridades. 

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