Uso inadequado de antifúngicos pode aumentar resistência a tratamentos
Usar antifúngicos de forma errada pode aumentar a resistência dos fungos aos tratamentos disponíveis. Limitar a venda destes medicamentos a farmácias pode ajudar a travar o avanço da resistência antifúngica.

As infeções fúngicas afetam cerca de 1,7 milhões de portugueses por ano. Micoses como pé-de-atleta ou candidíase estão entre as infeções superficiais mais comuns causadas por fungos. Podem afetar várias partes do corpo, sendo frequentes na pele, no couro cabeludo, nas unhas ou nas mucosas (boca, garganta, ou vagina). A comichão persistente pode ser um dos sintomas manifestados.
Apesar de diminuírem a qualidade de vida, estas infeções superficiais são frequentemente considerada fáceis de tratar, e muitos doentes acabam por ter a reação mais fácil: a automedicação, através da compra de um medicamento antifúngico não sujeito a receita médica, disponível em qualquer farmácia ou parafarmácia.
Automedicação pode agravar resistência dos fungos
Em Portugal, os números das vendas de medicamentos antifúngicos não sujeitos a receita médica confirmam a sua popularidade. O creme vaginal Gino-Canesten, por exemplo, foi o 25.º medicamento de venda livre mais vendido em Portugal em 2024, com mais de 400 mil unidades comercializadas. Este medicamento é usado para tratar infeções fúngicas vaginais, na sua grande maioria causadas pela espécie Candida albicans.
Os antifúngicos dermatológicos, indicados para fungos na pele, seguem a mesma tendência. Ocupavam o 11.º lugar no ranking dos medicamentos de venda livre mais vendidos em Portugal, com quase 1,5 milhões de embalagens comercializadas no ano passado.
A facilidade de acesso a medicamentos antifúngicos não sujeitos a receita médica pode potenciar o risco de uso inadequado. Por desconhecimento, o sintoma pode estar a ser tratado com um medicamento que não está indicado para aquele tipo de infeção, o que contribui para o agravamento do problema da resistência antifúngica.
A lógica é, de resto, a mesma que se aplica aos antibióticos, cujo uso inadequado também pode agravar a resistência das bactérias. Neste caso, o uso de antifúngicos em infeções virais ou bacterianas, por exemplo, pode contribuir para que os fungos se tornem cada vez mais resistentes aos tratamentos.
DECO PROteste exige venda de antifúngicos só em farmácias
A DECO PROteste reconhece a gravidade da crescente resistência antifúngica e defende, por isso, que os medicamentos de combate a infeções fúngicas de venda livre sejam reclassificados como medicamentos não sujeitos a receita médica de dispensa exclusiva em farmácia.
Para a DECO PROteste, esta reclassificação permitiria manter o acesso facilitado ao tratamento de infeções fúngicas superficiais, sem necessidade de consulta médica prévia, como já acontece atualmente. Mas garantiria também a intervenção qualificada do farmacêutico no momento da dispensa do medicamento, cumprindo um protocolo de atuação que inclui aconselhamento clínico adequado.
Evitar a automedicação nos casos de infeção fúngica é fundamental para que se mitigue a resistência dos fungos aos tratamentos, salienta a DECO PROteste.
Fungos em órgãos vitais podem ser fatais
Além das infeções fúngicas superficiais, que afetam sobretudo os órgãos externos, há casos mais graves em que fungos podem afetar os pulmões ou outros órgãos internos. Estas infeções invasivas são mais difíceis de tratar e podem ser fatais, especialmente em pessoas com o sistema imunitário debilitado.
Estimativas recentes da Organização Mundial da Saúde apontam para uma incidência anual de 6,5 milhões de infeções fúngicas invasivas, associadas a aproximadamente 3,8 milhões de mortes, das quais cerca de 2,5 milhões são diretamente atribuíveis a estas infeções.
A resistência antifúngica pode até ser mais complexa do que o problema da resistência aos antibióticos, tendo em conta que o número de medicamentos antifúngicos atualmente disponíveis é muito mais limitado, por comparação com o número de antibióticos.
Consequências da resistência antifúngica
Quando uma classe terapêutica de medicamentos deixa de ser eficaz contra um fungo resistente, geralmente existem poucas ou mesmo nenhumas alternativas eficazes. Em casos de resistência a múltiplas classes de antifúngicos, ou até a todas, as infeções tornam-se praticamente impossíveis de tratar. Esse cenário tem levado ao desenvolvimento de fungos multirresistentes, conhecidos como “superfungos”.
Um exemplo alarmante é a Candida auris, um "superfungo" potencialmente capaz de resistir a todas as classes de antifúngicos atualmente disponíveis. Este fungo é particularmente perigoso para pessoas com o sistema imunitário debilitado, como portadores de VIH, doentes oncológicos ou transplantados.
As infeções fúngicas crónicas e recorrentes, que se tenham tornado difíceis de tratar por resistência antifúngica, podem ter um efeito profundamente debilitante nos doentes e comprometer a sua qualidade de vida. É o caso, por exemplo, das vulvovaginites, causadas por espécies de Candida resistentes.
Este aumento da resistência antifúngica pode também pôr em causa alguns avanços na medicina. Por exemplo, pode afetar negativamente o sucesso de transplantes de órgãos e algumas terapias oncológicas.
Como evitar a resistência fúngica?
O uso inadequado de medicamentos antifúngicos é um dos comportamentos que mais contribuem para o agravamento da resistência fúngica. E por "uso inadequado", nestes casos, entende-se a utilização prolongada, de forma repetida ou em doses inferiores às recomendadas, de medicamentos antifúngicos em situações para as quais não estão indicados, como as infeções bacterianas.
Tome nota das principais recomendações.
- Mantenha uma boa higiene: cuidados tão simples como a lavagem regular das mãos e evitar a partilha de objetos pessoais são importantes para prevenir infeções fúngicas.
- Se suspeitar de uma infeção fúngica, consulte um profissional de saúde o mais cedo possível. O diagnóstico e o tratamento precoces podem ajudar a prevenir complicações e potenciar a eficácia do tratamento.
- Informe o seu médico sobre infeções fúngicas anteriores, especialmente resistentes a medicamentos, antes de iniciar qualquer novo tratamento.
- Siga criteriosamente as indicações do profissional de saúde: cumpra rigorosamente o tratamento antifúngico prescrito pelo médico. Evite a automedicação.
O que causa a resistência antifúngica?
- Uso de fungicidas na agricultura. A exposição contínua dos fungos a estes produtos no ambiente pode levar ao aparecimento de estirpes resistentes aos medicamentos.
- Exposição ambiental aos esporos de fungos resistentes. Pessoas com o sistema imunitário enfraquecido podem inalar estes esporos e ficar infetadas.
- Algumas espécies de fungos são naturalmente resistentes a determinados antifúngicos. Um exemplo é a Candida glabrata, que é intrinsecamente resistente ao medicamento fluconazol.
- Resistência a medicamentos antifúngicos. Os fungos podem tornar-se resistentes a várias classes de medicamentos em simultâneo. Nos casos mais graves, podem inclusive desenvolver resistência a todas as terapêuticas disponíveis.
- Dispersão e propagação de estirpes resistentes. Os fungos resistentes podem espalhar-se rapidamente através de esporos transportados pelo ar, por pessoas ou animais em deslocação, ou ainda pelo comércio e transporte de animais, produtos agrícolas e outros bens. A rápida disseminação de espécies multirresistentes, como Candida auris e Trichophyton indotineae, exemplifica bem este fenómeno.
Como travar a resistência antifúngica
Há ainda medidas que podem ser gradualmente implementadas e que podem ajudar a impedir o avanço da resistência antifúngica.
- Aumentar a vigilância da resistência antifúngica: estabelecer sistemas de monitorização global, na medicina humana e nos setores agrícola e veterinário, para acompanhar o aumento da resistência antifúngica e identificar padrões.
- Reduzir e regulamentar a aprovação e o uso de fungicidas na agricultura.
- Promover um uso mais responsável na medicina e práticas de prescrição criteriosas.
- Melhorar o diagnóstico: desenvolver e implementar testes diagnósticos rápidos e precisos para identificar infeções fúngicas e determinar a suscetibilidade antifúngica. Pode ajudar a orientar as escolhas de tratamento adequadas e evitar o uso desnecessário de antifúngicos.
- Investir em pesquisa e desenvolvimento de novos antifúngicos e abordagens alternativas. Existe uma carência urgente de medicamentos mais seguros, com menos requisitos de monitorização contínua, e com espectro alargado de ação, especialmente contra os fungos prioritários mais resistentes.
- Aumentar a consciencialização e a educação pública: sensibilizar a sociedade em geral sobre a ameaça da resistência antifúngica e a importância do uso responsável de antifúngicos.
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