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Novos medicamentos contra o Alzheimer: revolução ou ilusão?

A Agência Europeia de Medicamentos está a avaliar um novo fármaco que promete revolucionar o tratamento da doença de Alzheimer. A DECO PROteste pede mais estudos comparativos entre as novas opções e as existentes.

Especialista:
22 novembro 2024
Maquete de um cérebro em plástico em cima de um tampo azul, sobre medicamentos de várias cores

iStock

São medicamentos inovadores e pretendem revolucionar o tratamento da doença de Alzheimer. A Agência Europeia de Medicamentos (EMA, do inglês European Medicines Agency) já recusou a entrada no mercado europeu de um, recomendou a entrada de outro e decidirá ainda sobre um terceiro.

Surgiram nos EUA, trazendo grande esperança: têm como objetivo alterar a evolução natural da doença de Alzheimer, representativa de cerca de 60% a 70% de todos os casos de demência – e que tendem a aumentar, à medida do envelhecimento da população. As vantagens anunciadas dos novos fármacos podem, porém, ficar aquém do desejado.

A DECO PROteste estudou a informação disponível sobre três medicamentos inovadores e mantém reservas quanto à sua introdução no mercado nacional. Pede, para tal, estudos comparativos mais aprofundados sobre a eficácia e a segurança das moléculas em causa face aos medicamentos disponíveis.

Uma nova esperança contra o Alzheimer

A expectativa de encontrar novos horizontes para o tratamento do Alzheimer é grande. Esta doença é a forma mais comum de demência – termo genérico para diversas doenças progressivas que afetam habilidades cognitivas e comportamentais que prejudicam a capacidade de realizar atividades diárias. Outras formas de demência incluem a vascular, a demência de corpos de Lewy e a frontotemporal. Todas podem coexistir com o Alzheimer.

Uma vez instalada, há algumas formas de mitigar as consequências da doença de Alzheimer. A terapêutica disponível permite, sobretudo, estabilizar temporariamente sintomas. Os fármacos atuam como uma espécie de "paliativo" sobre os neurotransmissores, para melhorar a sua eficácia e, com ela, a comunicação entre neurónios – uma atuação radicalmente diferente da proposta pelos novos medicamentos, centrados na imunoterapia contra certas proteínas tóxicas.

Três medicamentos disponíveis

Em Portugal, há três medicamentos colinérgicos em utilização: donepezilo, rivastigmina e galantamina. Atuam sobre um neurotransmissor fundamental para a memória chamado acetilcolina, e que existe em níveis baixos no cérebro das pessoas com Alzheimer. Os níveis baixos devem-se ao facto de este neurotransmissor ser destruído por enzimas chamadas colinesterases, que os três medicamentos procuram inibir, aumentando a acetilcolina, necessária para a comunicação entre neurónios. No geral, a eficácia é semelhante e o benefício clínico modesto. A maioria dos estudos mostram melhorias na função cognitiva nos estágios leve e moderado da doença, e alguns também nos estágios graves. As melhorias são mais evidentes após 24 semanas de tratamento, mas os resultados ao fim de um ou dois anos são incertos.

Outro fármaco, a memantina, atua também sobre um neurotransmissor, o glutamato, mas de forma diferente. Funciona por substituição: uma vez que o glutamato existe em concentrações mais elevadas nas pessoas com Alzheimer, a memantina liga-se aos mesmos recetores, evitando que o glutamato o faça. Melhora, desta forma, a comunicação entre neurónios. Infelizmente, como os três medicamentos anteriores, a memantina tem resultados limitados: embora possa melhorar temporariamente os sintomas cognitivos, como a memória e o raciocínio, o seu benefício é geralmente modesto e não impede a progressão da doença.

Anticorpos contra proteínas tóxicas

No virar dos anos 2020, surgiu uma centelha de esperança, com novos fármacos, desenvolvidos depois de décadas de investigação falhada.

Esperava-se que estes medicamentos revolucionassem o tratamento da doença de Alzheimer, travando a sua progressão ou mesmo impedindo o seu aparecimento.

O foco dos investigadores mudou para a prevenção neurodegenerativa, tendo como alvos as proteínas tóxicas que causam a morte das células nervosas, chamadas beta-amiloides. Proposta em 1992, a teoria da cascata amiloide defende que a doença de Alzheimer é desencadeada pela produção, agregação e deposição anormal destas proteínas tóxicas no cérebro, um processo complexo que provocaria a morte de células nervosas, diminuindo, assim, a capacidade de raciocínio e a memória. Em teoria, bastaria prevenir ou reverter esta alteração para interromper a progressão ou mesmo o desenvolvimento da doença. Acontece que esta hipótese não é consensual entre os cientistas, visto que nem sempre parece haver uma relação linear entre a diminuição de beta-amiloides no tecido cerebral e a diminuição do declínio cognitivo.

Resultados dos estudos são modestos

A anunciada revolução fez manchetes de jornais pelo mundo, que falavam de uma nova era no tratamento do Alzheimer. Surgiram três anticorpos monoclonais anti-beta-amiloide, nos EUA, que justificavam essa esperança: o Aducanumab, o Lecanemab e o Donanemab. Os três funcionam ligando-se aos aglomerados amiloides tóxicos, transformando-os num complexo que pode ser retirado do sistema nervoso, tentando, assim, reduzir a formação de placas e a sua consequente deposição no cérebro. Aparentemente, as três moléculas podem, à partida, ajudar a aliviar os sintomas cognitivos relacionados com a doença. No entanto, os resultados dos estudos até agora realizados são bastante modestos.

  • O Aducanumab foi retirado do mercado norte-americano este ano. Apesar de, em 2021, ter obtido uma aprovação acelerada da parte da Food and Drug Administration (FDA), a autoridade reguladora do medicamento nos EUA, a decisão gerou controvérsia, devido a preocupações sobre a eficácia e a segurança do medicamento. Na Europa, a EMA recusou a aprovação, argumentando que a redução de placas beta-amiloides não resultou numa melhoria clínica evidente e que os estudos são inconclusivos. E levantou preocupações sobre a segurança, incluindo o surgimento de inchaço e hemorragias cerebrais em alguns pacientes. Em 2024, a Biogen, empresa fabricante, descontinuou a produção e a comercialização do medicamento.
  • O Lecanemab foi introduzido como nova esperança em 2023, após ter recebido, ainda em janeiro desse ano, a aprovação acelerada da FDA. Mas, em julho de 2024, a EMA recomendou a recusa da autorização de comercialização na União Europeia, considerando que o efeito do medicamento na desaceleração do declínio cognitivo não compensava o risco de efeitos adversos graves. O fabricante, Eisai GmbH, solicitou uma reavaliação do parecer da EMA, que, após revisão, emitiu um parecer positivo, recomendando agora a concessão de uma autorização de comercialização. Este medicamento destina-se ao tratamento de comprometimento cognitivo ligeiro ou demência ligeira devido à doença de Alzheimer, especificamente em doentes com uma ou nenhuma cópia do gene ApoE4 (uma forma específica do gene que codifica a apolipoproteína E). Para estes doentes, o Comité Europeu de Medicamentos de Uso Humano (CHMP) da EMA considera que os benefícios do Lecanemab superam os riscos, desde que sejam adotadas medidas para minimizar o risco de anomalias de imagem relacionadas com amilóide (ARIA) graves e sintomáticas, e que se monitorizem as suas consequências a longo prazo.
  • Por sua vez, o Donanemab foi aprovado pela FDA em julho de 2024, mas os pacientes europeus ainda não têm acesso ao medicamento, que se encontra em processo de avaliação pela EMA. A recomendação final é esperada mais para o fim do ano.

Os medicamentos desta classe mostram eficácia na melhoria de imagens cerebrais, contribuindo para uma menor deposição beta-amiloide. Mas não parecem melhorar os sintomas ou a qualidade de vida dos doentes de forma relevante. Apenas atrasam temporariamente a progressão da doença num estágio inicial, e não cobrem os estádios moderado e avançado do Alzheimer. Além do preço elevado, que pode aumentar as assimetrias no acesso à saúde entre Estados-membros da União Europeia, as novas moléculas trazem riscos e efeitos adversos potencialmente graves. Em causa estão sobretudo anormalidades de imagem relacionadas com amilóide (ARIA), que podem ser do tipo edema ou hemorrágico. São precisos mais estudos para compreender se os possíveis benefícios destes medicamentos contrabalançam os riscos para a saúde.

DECO PROteste pede cautela

Os ensaios clínicos realizados até à data têm muitas limitações: por exemplo, recorrem a amostras populacionais pouco significativas, sem diversidade racial e étnica e com disparidades no acesso à saúde associada à demência. 

Por outro lado, há a questão de estes medicamentos terem sido maioritariamente comparados com placebo, e não com outros medicamentos já disponíveis, bastante mais baratos e seguros. É necessário realizar ensaios clínicos comparativos, para perceber se os novos medicamentos constituem, de facto, uma mais-valia terapêutica.

A relação entre riscos e benefícios destas moléculas para a saúde cerebral, a longo prazo, e a avaliação de objetivos clinicamente significativos e fundamentais para a qualidade de vida dos doentes, como a função cognitiva, a capacidade de realizar atividades diárias e a progressão da doença, são outras questões a ter em conta. Ou seja, é preciso determinar se estes fármacos inovadores são, de facto, eficazes, seguros e melhores do que as opções terapêuticas existentes ou se constituem apenas uma panaceia, não passando de uma espécie de miragem nas dificuldades científicas que têm acompanhado a doença de Alzheimer.

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