Nuno Marques: “Os mais velhos não são um peso para a sociedade”

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Publicado a 28 maio 2024

"Viver melhor é viver com melhor qualidade de vida" é o lema do Plano de Ação de Envelhecimento Ativo e Saudável, já em implementação. Nuno Marques explica as medidas e a forma como estão a chegar às pessoas.

Fernando Piçarra/4See Nuno Marques

Envelhecimento em Portugal e na Europa

“Somos o segundo país mais envelhecido, em termos europeus. E rapidamente vamos ser o mais envelhecido.”
Nuno Marques
“Se colocarmos o foco na pessoa, e não nas instituições, pomos as instituições a responder à pessoa e não o contrário.”

Porquê um plano de ação para o envelhecimento?

Somos o segundo país mais envelhecido, em termos europeus. E rapidamente vamos ser o mais envelhecido. Temos de atuar. Somos os primeiros da Europa com um plano de ação implementado, motivo pelo qual estamos a servir de modelo em vários países. Em 2021, o Governo português, enquanto liderava a Comissão Europeia, lançou o Livro Verde do Envelhecimento, que é uma verdadeira estratégia de envelhecimento europeu. É essa que seguimos. O plano era fundamental para termos atividades concretas e para irmos para o terreno. Se não atuarmos rapidamente, não conseguiremos fazer o que é necessário, que é, acima de tudo, uma transformação da sociedade para se adaptar à nova realidade de uma população com uma mediana da idade mais alta. O plano foi trabalhado, negociado e acordado com entidades e áreas governativas de 12 ministérios. Temos um plano para atuar no envelhecimento, com um único objetivo, que é a melhoria da qualidade de vida após os 65 anos.

Só a partir dos 65 anos?

O lema do plano é “viver melhor é viver com melhor qualidade de vida". Mas só consigo melhorar a forma como as pessoas lá chegam se atuar mais cedo, preventivamente. Por isso é que o plano tem de ser ao longo da vida, não pode ser focado nas pessoas já mais envelhecidas. Todas as atividades de prevenção fazem com que elas, com o seu autoconhecimento, as suas capacidades e ações ao longo da vida, possam ter melhor qualidade de vida mais tarde. Metade das medidas são de prevenção, acontecem muito antes do envelhecimento.

A que idades se destinam?

A primeira medida foi definida para a escola primária. Algo que é fundamental no envelhecimento são, por exemplo, as relações intergeracionais. Não há melhor forma de literacia do que ensinar os jovens, porque eles falam com os avós e com os pais e vai entrando também. O combate ao idadismo começa mais cedo, ao longo do tempo, explicando que o envelhecimento é uma transformação das pessoas, que vão ganhando muitas capacidades e conhecimentos durante a vida. Vão ganhando know-how [saber-fazer] que necessitam de transmitir aos mais jovens. Até nas empresas, se não temos as pessoas com maior capacidade, que já passaram pelos erros, a passar e a transmitir isto aos novos, os erros vão ser novamente cometidos, e perde-se produtividade. A experiência da passagem, por pessoas que já estão há mais anos a trabalhar, para os mais jovens, não se punha tanto como hoje, e nos próximos anos.

Que medidas já foram implementadas?

Não estão implementadas a 100% no terreno, mas já temos trabalho desenvolvido em, pelo menos, um terço das medidas do plano.

Quem é Nuno Marques?

Cardiologista, coordenador do Plano de Ação de Envelhecimento Ativo e Saudável e diretor do Centro de Competências de Envelhecimento Ativo.

Rastreios

“Estamos a começar a preparar agora rastreios de demência para a sua identificação precoce, trabalhando com os centros de saúde. Nunca foi trabalhado no País.”

Que áreas estão contempladas?

São quatro áreas que atuam na prevenção e na literacia, na realização de rastreios precoces e na deteção precoce da doença, de forma a evitar complicações mais tarde. As quatro áreas são a oncológica, a cardiovascular, a saúde mental e demências, e uma bastante esquecida, porque não mata muito, mas que limita muito, que é a musculoesquelética. As pessoas, mais tarde, têm muitas dificuldades na mobilidade, porque não trabalham a componente musculoesquelética de forma suficiente ao longo da vida. Durante muitos anos, os países focaram-se em diminuir a mortalidade, em aumentar a esperança de vida, mas a questão musculoesquelética, que não tem tanto impacto, causa depois muita limitação. Lançámos um programa num dos polos do Centro de Competências de Envelhecimento Ativo, usando a ligação à academia, na Escola Superior de Desporto de Rio Maior. Vai coligar várias escolas de desporto e pôr as pessoas a fazer exercício físico de forma controlada e adaptada, juntando jovens e pessoas de mais idade. Isto faz-se no terreno. É pegar na capacidade que temos na academia e levá-la para a rua. E aí entram as câmaras e as juntas de freguesia.

As câmaras e as juntas de freguesia fazem a ligação com a população?

Sim, mas, muitas vezes, está feito em pequenos polos. E o plano de ação pega nestes pequenos exemplos e expande-os. Expande as boas práticas em termos nacionais e articula-as de forma que, quando há uma dificuldade numa, a outra tem a solução. Quando criamos redes, estamos a fomentar as soluções servindo a população. O desafio é pegar nestas entidades e colocá-las a coordenar-se, para não deixarmos zonas do País sem resposta.

Como vão buscar os idosos?

A melhor forma e a mais eficaz é motivá-los e motivar os amigos. Mas, primeiro, tem de existir a divulgação dos programas. Sabemos, também, que as pessoas mais vulneráveis são aquelas que mais dificuldade têm no acesso. Estamos a trabalhar em formas de divulgação, e o Centro de Competências de Envelhecimento Ativo e a coordenação do plano de ação estão a fazê-lo. Foi por isso que criámos um website, o www.envelhecimentoativo.pt, onde iremos pôr toda a informação das autarquias, dos locais, das instituições, para que saibam o que está a acontecer. Essas pessoas habitualmente reagem muito bem às cartas. E é uma carta que lhes chega todos os meses, enviada pelas autarquias, e que leem sempre. Basta pôr um cartãozinho com informação sobre a atividade. Vai juntamente, por exemplo, com a conta da água. Desta forma, não estamos a aumentar custos. Isto ajuda também a combater a solidão, que me preocupa mais do que o isolamento. Há pessoas que vivem sozinhas por opção. Combate-se a solidão, porque as pessoas passam a ter uma atividade. Mas só uma atividade não serve para todas as pessoas. É por isso que é necessário um plano deste tipo. Há pessoas que querem ir ao museu, outras ver uma peça de teatro... Desde que estão a participar na sociedade, sentem outro tipo de integração. E isto dá uma grande sensação de bem-estar.

Já têm feedback das atividades? Há mais pessoas a participar?

Sim. Cada vez que criamos um programa, vemos mais pessoas a participar, mas também pessoas que nunca tinham ido e que passaram a ir.

Falamos de exercício físico? Ou também de rastreios?

Na área da prevenção, mais na da saúde, estamos a falar do exercício físico, de nutrição e da participação em rastreios de saúde, importantíssimos. Quer seja rastreios da área cardiovascular, quer seja em algo que estamos a começar a preparar agora, e que nunca foi trabalhado no País, que são, por exemplo, rastreios de demência para a sua identificação precoce, trabalhando com os centros de saúde, para que possam aplicar, identificar e tratar precocemente. Temos de usar a saúde, com todas as ramificações nos cuidados de saúde primários, que são os que estão mais na proximidade.

Como vão ser avaliadas as atividades? A avaliação é feita no final, em 2026?

Vão ser avaliadas com indicadores de execução e de impacto. Se desenhar um programa para incentivar as pessoas a participar em rastreios, a execução vai ser o lançamento do programa. E o que vai ter impacto? Se as pessoas, realmente, fizerem rastreios. Mas, para a atividade a seguir, o que tem impacto é, nos rastreios, conseguir identificar doença precocemente e tratá-la. É preferível ter uma grande meta, que é a melhoria dos anos com qualidade de vida, e depois as outras contribuírem para isso. A avaliação vai sendo feita ao longo do tempo.

Que entidades estão envolvidas?

Entidades da sociedade civil ligadas a esta área, muito organizadas na Rede Portuguesa do Envelhecimento Ativo e Saudável, que tem os chamados centros de referência, reconhecidos em termos europeus. Juntam os centros de saúde, a DGS [Direção-Geral da Saúde], a academia, entidades mais do foro político-regional, como as CCDR [Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional] e os municípios. Também juntam as IPSS [Instituição Particular de Solidariedade Social], as empresas, a União de Misericórdias, a CNIS [Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade]. É um plano que sai do Governo, mas com base em contributos dados pela sociedade para serem implementados.

E chegam aos meios rurais?

Conseguimos chegar. É por isso que ando muito por aí, desloco-me e estou muito na proximidade. Daí o plano ser coordenado pelo Centro de Competências de Envelhecimento Ativo, com um polo em cada distrito. O trabalho é feito em proximidade nestes meios rurais e com as entidades e associações que os representam. Há uma grande divisão entre zonas do Interior e do Litoral. E depois, entre as zonas mais rurais e as cidades, e então, nestas, entre zona mais central e a mais na periferia. Se não tivermos esta noção, e que a mesma medida pode ter de ser implementada de forma diferente em cada um destes sítios para termos sucesso, não vamos conseguir.

Romper com o passado

“As pessoas mais velhas não são um peso para a sociedade. Não são mesmo. Têm know-how acumulado de uma vida, passaram por ‘n’ coisas, que não podem ser desaproveitadas.”
Nuno Marques
“Não há ninguém que não queira satisfazer o seu ente querido, se ele quiser ficar em casa [e não ir para um lar].”

Qual é o foco dos polos?

É a formação e a capacitação de cuidadores informais e de cuidadores formais de pessoas idosas, nomeadamente, os assistentes de ação direta dos lares, das estruturas residenciais para pessoas idosas (ERPI). Não é obrigatório para os cuidadores informais, mas está disponível de forma gratuita. Fizemos pequenos vídeos, na plataforma Moodle, para verem quando quiserem. Depois, há uma sessão síncrona de dúvidas. Esta formação tem de ser de muito curta duração. São 14 temáticas em vídeos, que, no conjunto, não chegam a quatro horas. E as sessões síncronas, marcam-nas no horário que quiserem. Está também prevista uma linha – Linha 60+ – para apoiar as pessoas no País todo. Pretende-se que receba o problema, faça o contacto, ajude na resolução e devolva a solução.

Podemos ter o problema da literacia, ao nível informático.

Temos. E é por isso que as equipas, no terreno, também estão disponíveis para fazer estas formações nas comunidades.

O que está previsto para os cuidados integrados e de longa duração?

Para toda a tipologia de cuidados que não sejam centros de saúde ou hospitais, ou seja, cuidados continuados, paliativos, lares, apoios domiciliários. Se pusermos todas estas áreas em conjunto, qual é a rede mais capilar da prestação de cuidados à população? São os cuidadores informais, que têm de ser parte desta rede, porque temos de ter capacidade para ir ter com eles. A mudança política que está a acontecer em termos europeus, da estratégia europeia que todos os Estados-Membros acordaram, define que vamos responder mais às necessidades das pessoas. As pessoas têm direito a ter cuidados de qualidade. Quando perguntamos às pessoas onde querem estar, o que respondem? Em casa. Se perguntarmos à família, já dizem, muitas vezes, num lar. Porquê? Porque não têm confiança nos cuidados em casa. É uma questão de garantirmos que conseguimos ter essa qualidade de cuidados. Porque, obviamente, não há ninguém que não queira satisfazer o seu ente querido, se ele quiser ficar em casa. Mas, para isso, precisamos de uma transformação dos cuidados. É um problema de todos os países europeus. Termos mais apoio domiciliário e mais diferenciado, com equipas multidisciplinares. Um apoio integrado, com a saúde e o social juntos, e não cada um para seu lado. E ter isto tudo articulado com a restante rede de apoios, nomeadamente os apoios dados nos lares e nos cuidados continuados e paliativos. E a transição de pessoas tem de ser muito fácil, consoante necessitem mais de cuidados de um ou de outro. Se pensarmos e colocarmos o foco na pessoa, e não nas instituições, pomos as instituições a responder à pessoa e não o contrário. Isto implica uma transformação da rede de cuidados, colocando o foco nas pessoas.

E isso envolve recursos.

E está a ser feito muito investimento nessa área. Nos próximos três anos, vamos aumentar em 42 500 o número de vagas nas várias tipologias. E apostamos em novas tipologias mais promotoras de autonomia. Por exemplo, apareceu uma tipologia que deu resposta diferente, a habitação colaborativa, que não existia e que dá muito mais independência às pessoas. São pequenos apartamentos, quase como um condomínio, que podem ser geridos pelas IPSS, na mesma, e que garantem o resto do apoio necessário.

Essas estruturas já existem?

Estão a ser criadas agora. Já foram lançados procedimentos de PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], e com muita adesão, de duas mil vagas, que vão ser criadas ao longo dos próximos anos.

Em todo o País?

Sim. Ao longo dos próximos três anos. Para uma resposta nova, começarmos logo com duas mil vagas não é mau. É um investimento relativamente grande. Estamos a falar de 880 milhões euros de investimento, no último ano, para este aumento da capacidade da rede. O plano tem um valor global de cerca de 1,3 biliões de euros.

A recente mudança do Governo não poderá influenciar estes planos?

O que posso dizer é que, até hoje, têm sido matérias completamente unânimes e transversais, sempre que pomos em discussão, quer em termos internos, quer em termos externos. As opções do plano pretendem chegar muito rapidamente às pessoas. Mas, como é óbvio, a velocidade de implementação – nomeadamente, daquelas que dependam de decisões governamentais – vai depender.

A que medidas se está a referir?

A flexibilização da passagem à reforma, por exemplo, que até foi muito bem recebida numa reunião da concertação social. Claro que isto depende de uma decisão política. Hoje, temos uma situação de on/off. Estamos, até ao último dia, obrigados a trabalhar numa carga horária total. De um momento para o outro, dizem-nos: "Agora, reformas-te; adeus, já não és útil, vai à tua vida." Algumas pessoas lidam bem com isto, outras não. Qual é a outra forma de fazer? Deixamos esta opção para quem quer, mas, ao mesmo tempo, criamos uma transição gradual. As pessoas trabalham mais tempo, com uma diminuição gradual da carga horária e sem perda de rendimentos.

Isso implica prolongar os anos de trabalho, além dos 66 anos.

Sim, de forma voluntária, e sempre de [comum] acordo entre a entidade empregadora e a pessoa em questão. Combate o idadismo e, acima de tudo, leva a que não haja quebras de produção nas empresas. Nas fases de transição, se não forem bem feitas, há sempre quebras. Isto ajuda também à sustentabilidade da Segurança Social.

Tem de haver rompimento com o que se faz agora.

É um rompimento completo. As pessoas mais velhas não são um peso para a sociedade. Não são mesmo. Têm know-how acumulado de uma vida, passaram por "n" coisas, que não podem ser desaproveitadas. Quando falamos em "reter talentos", é também reter estes talentos. Olho para o envelhecimento, não como a forma como as pessoas chegam ao final da vida, mas como um processo ao longo da vida, de transformação constante, no qual perdemos algumas capacidades e ganhamos outras.

Em 2026, terá todo o plano implementado?

Tenho confiança nisso. Está planeado para que tal aconteça. Espero não ter atrasos na execução, nomeadamente, em projetos que implicam questões como fundos europeus. Mas, para já, tudo indica que vamos no bom caminho. Este não é um plano para o papel, é um plano para chegar às pessoas. Espero que se consiga, porque o País necessita de uma transformação, que também não pode ser feita criando uma rutura.

Olho para o envelhecimento, não como a forma como se chega ao final da vida, mas como um processo de transformação constante, no qual perdemos algumas capacidades e ganhamos outras.

 

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