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Madalena Vidigal entre vinhas

Criadora do site Entre Vinhas e mãe do podcast 5 Minutos de Vinho, organiza cursos de enoturismo. Jovem agricultora, faz consultoria personalizada e divulga quintas e regiões de vinho do Portugal por explorar.

28 março 2023
Madalena Vidigal na vinha, em Évora

Jorge Simão/4 See

Mulher-polvo entre vinhas. Fotografia, redação, redes sociais, som e vídeo, faz tudo sozinha. Como a própria admite, preencher o campo “profissão” é complexo: agricultora, crítica de vinhos, bloguer, formadora e consultora de enoturismo, podcaster e mulher. A formação de base não tem nada que ver com vinho ou agricultura. Na família não existia vinha. O avô trabalhou como engenheiro agrónomo na inspeção de adegas na Junta Nacional do Vinho, hoje conhecida como o Instituto da Vinha e do Vinho.

Poupe com a seleção do teste a 351 vinhos

Madalena Vidigal tem dois amores

O vinho fazia parte das refeições em família, mas nunca lhe despertou o interesse. Licenciada em gestão hoteleira, fez um estágio em Moçambique, onde provou pela primeira vez um vinho sul-africano do agrado. E quando voltou, com 23 anos, começou a gostar de vinho e a encará-lo de outra forma através de cursos e workshops. Nessa altura descobriu o conceito de enoturismo, que junta duas grandes paixões: a mais antiga, do turismo e hotelaria, e a mais recente, do vinho. Fez uma pós-graduação em enoturismo em Lisboa. Nesse momento os pais desafiaram-na para plantar uma vinha. 

Despediu-se de um trabalho de fato e salto alto para se dedicar à agricultura e continuou o percurso de enoturismo. "Não posso guardar os contactos para mim. Quero partilhar as experiências, os produtores, os projetos e um estilo de turismo que os consumidores não sabiam que poderiam fazer." E, em 2015, criou o blogue Entre Vinhas, um nome óbvio na hora com uma missão ambiciosa. "Entre a minha vinha e a vinha dos outros em Portugal e no mundo: quero partilhar o melhor do enoturismo em Portugal e lá fora", recorda Madalena. A vida divide-se entre cuidar da sua vinha e visitar vinhas de outros produtores para os trabalhos de enoturismo.

Madalena Vidigal, 37 anos, agricultora, comunicadora e formadora em enoturismo. Viaja por Portugal e pelo mundo há mais de 10 anos em busca das melhores experiências. 
Madalena Vidigal, 37 anos, agricultora, comunicadora e formadora em enoturismo. Viaja de copo na mão por Portugal e pelo mundo há mais de dez anos em busca das melhores experiências.

A pandemia foi a oportunidade para Madalena arriscar e mudar de vida. Em março de 2020, perde o trabalho principal em Lisboa a fazer tours gastronómicos com turistas americanos. De início, vinham de Espanha. Depois aterravam em Lisboa. E começaram a visitar Aveiro, Tomar e Lagos.

Comer, beber e celebrar Portugal

Foi para casa pensar em formas de sobreviver: “Quero trabalhar. Com experiência em enoturismo, visitas em Portugal e no estrangeiro, esta é uma área onde posso ensinar.” Criou formação online e cursos de enoturismo para quem trabalha na área, ajudando a abrir portas, a comunicar, a organizar uma prova de vinhos, a entender o público, em suma, para quem faz acontecer o enoturismo. Esta é a sua principal atividade. A maioria das pessoas que fazem o curso são portugueses e o público brasileiro está a aumentar. Acontece tudo online, mas já realizou formações presenciais.

Fazer pontes é a melhor parte: produtores de várias regiões, agências de viagens, proprietários de restaurantes acabam por unir-se e fazer parcerias depois da formação. Juntar esta gente ajudando a crescer no negócio é a maior motivação de Madalena e a mais-valia do curso. Para garantir uniformidade nas turmas, criou o curso com dois níveis: inicial sem experiência e outro para quem já trabalha na área de enoturismo.

Criou o Entre Vinhas em 2015, o primeiro blogue em Portugal dedicado ao enoturismo. Vive em Évora e prepara o seu projeto de enoturismo, em São Miguel de Machede. 
Criou o Entre Vinhas em 2015, o primeiro blogue em Portugal dedicado ao enoturismo. Vive em Évora e prepara o seu projeto de enoturismo, em São Miguel de Machede.

Tem produção de vinho e gostava de receber visitas na adega? Estudou turismo e quer iniciar-se na área? Ou não tem experiência, mas é fã do turismo regado com vinho? O curso é a forma ideal de começar. Madalena preparou-o para quem deseja dar os primeiros passos. Totalmente online, pré-gravado e sem limite de horário: 10 módulos e um bónus; formato combinado vídeo, escrito e exercícios. O preço do nível 1 é 97,50 euros. O segundo nível do curso custa 235 euros.

Do duche para a RTP Play

Ao criar o site, criou a conta no Instagram como suporte do negócio. Não poderia crescer mais apenas com o blogue. Com o aumento da exposição, começou a ser cada vez mais convidada para visitar quintas e participar em lançamentos. Em 2021, criou o podcast. Primeiro, o nome: “5 minutos de vinho”. A ideia nasce no duche: “Vou fazer um podcast que dura 5 minutos e vou falar sobre vinho.” Foi desafiada por amigos, desenvolveu a ideia e gravou duas temporadas, no total, 69 episódios. Tudo sozinha, comprou microfone, aprendeu a editar som, criou a capa. Madalena é a verdadeira one woman show. Nos cursos, trata da câmara, do cenário, da planta, do tripé. E a gata “sabe” que não pode aparecer no ecrã.

Depois da primeira temporada bem-sucedida, contactou a Antena 3 e propôs o podcast em direto. Ouviram, gostaram e Madalena entrou na grelha da RTP Play e está disponível em todas as plataformas. Correu tão bem, que a terceira temporada já arrancou a 7 de março. Madalena não engana: “Não sou enóloga, nunca estudei enologia. Falo de vinho de forma simples e prática. Falo das regiões, partilho dicas para escolher e servir vinho, de harmonização com comida.” Todos os episódios contam com a sugestão de um vinho português. 

Criar trabalho no Interior

Depois da covid-19, o contacto com a vida no campo fez a diferença. Madalena reforça as vantagens do enoturismo: “Tem a função de fixar pessoas no interior, onde faltam recursos humanos, criando postos de trabalho no meio rural.” Com as formações, Madalena “contribui para aumentar o desenvolvimento rural, chamando turistas e fixando jovens no trabalho”. Nas formações, viu vários projetos crescerem. A aluna mais nova tem 18 anos e a mais velha 72 anos. Empregar pessoas é a principal conquista, sendo a empregabilidade no interior uma prioridade.

A idade média das pessoas que a acompanham na vinha é de 50 anos para cima, na maioria, mulheres do Redondo. “Não há pessoas mais jovens para substituir as que se estão a reformar”, alerta Madalena. “Nas faixas mais jovens, não há orgulho na terra, no campo”. 

O elemento único e diferenciador de Portugal é “a riqueza gastronómica gigante com o vinho dentro desta cultura local”. E aponta dois exemplos: no Alentejo, fazemos um vinho mais encorpado, porque se come mais carne de porco e enchidos, e no Algarve com castas mais leves, numa região de peixes e marisco. “O nosso vinho está inserido numa cultura gastronómica riquíssima.”

Para nos aproximar dos países mais evoluídos, o primeiro passo é divulgar o nosso vinho e despertar a curiosidade em conhecer a origem. “Conhecer o chamado terroir, a envolvência, a vinha, o produtor, o enólogo, a adega, a comida local. Nós deslocamo-nos em férias para conhecer a origem do vinho.” Esta é a melhor definição de enoturismo para Madalena. França, Espanha, Itália e Estados Unidos chegaram a um patamar de marketing de vinho que traz pessoas sem parar. Por cá, estamos um passo atrás. Falta trabalhar no sentido do reconhecimento da marca Portugal como destino enoturístico.

“Portugal não tem muito turismo de massa na área. O negócio continua muito familiar com pequenos projetos. O inexplorado! Além do Douro e do Alentejo, é notória a tendência de visitar regiões que não se conhecem tão bem, como o Algarve, a Beira Interior e Trás-os-Montes.” Em 2022, Madalena foi surpreendida com dois trabalhos: uma visita à Beira Interior e outra a Trás-os-Montes resultaram nos artigos mais lidos do blogue. “As pessoas procuram regiões não exploradas, com estilos de vinho que não provaram, produtores que mais ninguém conhece”, aponta.

“Portugal é fixe”

“As pessoas querem aquilo que não é famoso, para dizer: fui a um destino que ninguém conhece. Isso é o fixe. Portugal é fixe.” O que é que Portugal tem? Madalena junta ingredientes: “É o terceiro país com mais variedade de castas autóctones no mundo, a seguir à Geórgia e à Itália. Portugal tem pelo menos 250 castas autóctones. Usamos mais regularmente 30 castas, mas há cada vez mais produtores em busca das castas esquecidas, perdidas a tentar recuperá-las.” Real Companhia Velha e António Maçanita estão a fazer um excelente trabalho no campo das experiências.

Madalena não hesita na avaliação: “A ganhar destaque no mundo, já não precisamos de nos valer de castas internacionais para criar uma marca internacional. Estamos finalmente a pegar nas castas portuguesas.” Portugal é um nicho no turismo em geral. E o enoturismo cá é um nicho dentro do nicho. “Tanto para explorar: vinhos de talha, doces, fortificados, bons espumantes, um país tão pequeno com tamanha variedade de castas. Vamos de carro de Melgaço a Faro em sete horas passando por mar, serra e planície com neve e calor”, convida Madalena.

O site Entre Vinhas é a montra de Madalena, onde demonstra o que pode e sabe fazer. É a etapa onde investe a maior parte do seu tempo. E o conteúdo (visitas, tendências) é essencial para conseguir novos trabalhos.

“Não repitam”

“Vão a garrafeiras de bairro”, aconselha Madalena, e “olho vivo na promoção dos supermercados”, alerta. Motivo: defender e apoiar o negócio local e evitar a promoção duvidosa ou truques de marketing. “Premium”, “Colheita selecionada” e “Escolha do enólogo” são nomes comerciais sem garantia de qualidade, como a DECO PROTESTE alerta ao longo de mais de 20 anos de testes.

Outro conselho: “Não repitam.” É a melhor forma de aprender mais e descobrir os vinhos de que gostamos. “Não repitam”, insiste. “Há tantos vinhos para descobrir.”

Vinho de lata e bag-in-box? Nada contra. A lata serve um estilo de vida em todas as ocasiões. E o bag-in-box é a base económica de muitas adegas. Agora rolhas de alumínio? Para Madalena, só vale cortiça. “Em Portugal, o país maior produtor e exportador de cortiça do mundo, temos de defender a cortiça.” A rolha de cortiça é a nossa embaixadora lá fora.

De Trás-os-Montes a Tokaji, na Hungria

Paragem em Trás-os-Montes, o seu destino de eleição mais recente em Portugal. “Historicamente, esta região é mais importante para o mundo do vinho do que as pessoas pensam. E estão a surgir jovens produtores de vinho, a recuperar vinhas abandonadas e a abrir restaurantes.”

No resto do mundo, é difícil escolher um destino. Tokaji, na Hungria, e Montes de Judeia, em Israel, são memoráveis. Tokaji é a região demarcada mais antiga do mundo. A afirmação é polémica, mas factual. Não confundir com o Douro, que é a região regulamentada mais antiga do mundo, com legislação e regras fixadas de produção. Tokaji impressionou Madalena pelo vinho doce, onde a podridão é nobre, e pelo vinho muito caro feito de uvas podres. Em Montes da Judeia, um produtor local contou a Madalena que o vinho da Última Ceia poderia ter sido produzido ali, desafiando-a para adivinhar as castas utilizadas naquele vinho, sempre presente em vários capítulos da história da humanidade. 

Quer saber qual é o próximo destino? Pista: Geórgia, o país-berço do vinho. E o que provou Madalena por lá? Continue a viagem Entre Vinhas.

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