Produção de vinhos biológicos confia na natureza para proteger a vinha
Limitados na utilização de químicos para combater doenças ou afastar pragas, os produtores de vinhos biológicos investem no equilíbrio da natureza para proteger as vinhas, entre outras técnicas.
- Especialista
- Nuno Dias e Susana Costa Nunes
- Editor
- Paula Melo dos Santos e Filipa Nunes

Vegetação junto às videiras, mochos, cobras e joaninhas, clima. Estando limitados no uso das substâncias químicas que tornam a viticultura mais rentável, os produtores de vinhos biológicos socorrem-se dos elementos naturais como aliados para proteger as colheitas.
Falámos com dois produtores de dimensões diferentes, em busca dos segredos para uma viticultura mais “limpa” e com menor impacto no território: a Quinta da Biaia, localizada em Figueira de Castelo Rodrigo (Beira Interior), com cerca de 50 hectares de vinha biológica; e a Symington Family Estates, que possui cerca de 110 hectares de vinhas nas quais também desenvolve uma produção totalmente biológica no concelho de Torre de Moncorvo, no Douro Superior.
Clima e localização determinantes na produção de vinho biológico
A localização e o clima são determinantes para bons resultados na produção biológica de vinho, como explica Ricardo Lopes Ferro, um dos três sócios da Quinta da Biaia: “As nossas vinhas encontram-se numa localização fortemente influenciada pela altitude e pelo clima agreste, com frio, amplitudes térmicas, baixa precipitação e elevada insolação. Assim, não temos problemas com a traça-da-uva e estamos menos expostos ao oídio e ao míldio”.
O microclima do vale da Vilariça, onde se localiza a Quinta do Ataíde (Symington), cria também, nas palavras do responsável de comunicação Miguel Potes, as “condições ideais para a prática da viticultura biológica. A consistência do clima quente e seco nos períodos da primavera e do verão, no chamado ciclo vegetativo da vinha, significa que há menos probabilidade de doenças”.
Os enrelvamentos são uma técnica natural fundamental, utilizada por ambos os produtores. Consistem no cultivo de sementeiras alternadas entre as filas das vinhas, com o objetivo de fornecer alimentos aos insetos. Assim, não atacam as vinhas e, por sua vez, irão também servir de alimento às aves, que passam a procurar menos as videiras.
A promoção da biodiversidade tem igualmente um impacto positivo no controlo das pragas. Na Quinta da Biaia, essa condição é conseguida com “uma equilibrada ocupação dos solos com várias culturas além da vinha, como é o caso do amendoal, do olival, do souto e da floresta”, explica Ricardo Lopes Ferro.
Quando se promove o equilíbrio dos ecossistemas, as espécies tendem a controlar-se umas às outras, evitando a intervenção humana. Assim, na Quinta do Ataíde, as joaninhas e as crisopas controlam os afídios (ou pulgões), enquanto as cobras e os mochos dão conta de outras pequenas pragas, como os ratos.
Pragas e doenças que afetam as videiras
Em Portugal, as videiras são afetadas sobretudo por dois tipos de pragas. A mais importante é a traça-da-uva, que anualmente pode afetar a vinha em três gerações diferentes. A cigarrinha-verde, também conhecida por cicadela, impede o desenvolvimento normal da planta, com efeitos nefastos na produção de uvas.
Há também um conjunto de fungos que provocam diversas doenças nas videiras, como a escoriose, o míldio, o oídio e a podridão cinzenta.
Estes problemas podem originar graves quebras na produção e diminuição da qualidade das uvas, bem como um aumento dos gastos associados. Na viticultura convencional, são utilizados pesticidas, a fim de proteger as plantações das ameaças: para combater insetos, recorre-se a inseticidas; contra ervas daninhas, usa-se herbicidas; os fungos são tratados com fungicidas.
A produção de vinhos biológicos tem de deixar de fora muitos destes químicos, estando autorizados, ao nível europeu, apenas quatro pesticidas, reconhecidos pelo nível de toxicidade muito baixo, tanto para o ser humano e para os animais, como para o meio ambiente. Além disso, os vinhos devem apresentar doses inferiores de sulfitos. A intenção é que o modo de produção apresente um impacto na saúde humana, no ambiente e no ecossistema o mais reduzido possível.
Num estudo que realizámos em 2015, encontrámos resíduos de pesticidas não autorizados em agricultura biológica em dois dos vinhos deste tipo de produção. Apesar de as concentrações serem muito baixas, um produto foi retirado do mercado pelo próprio produtor, dado não estar em conformidade. Independentemente do tipo de produção, na maioria dos vinhos, foi encontrado mais do que um resíduo de pesticida. Não havendo ainda estudos conclusivos que permitam avaliar o chamado “efeito cocktail” da combinação de vários resíduos (os efeitos cumulativos por via alimentar estão a ser estudados pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos), causa alguma apreensão.
Preço dos vinhos biológicos é mais elevado que o dos convencionais
A oferta de vinhos biológicos é cada vez mais vasta. Além de propriedades como a Quinta da Biaia, cuja produção é totalmente biológica, há uma tendência crescente para os grandes produtores nacionais, como a Symington Family Estates, incluírem no catálogo, pelo menos, um vinho biológico. Estes produtos podem ser comprados em grandes superfícies e garrafeiras, mas sobretudo em lojas especializadas em produtos biológicos, nas quais já podem ser encontradas mais de 50 referências.
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Como é habitual nos produtos biológicos, o preço destes vinhos é superior aos produzidos de forma convencional. É o caso da marca Altano, produzida pela Symington. Na mesma loja, encontramos o vinho Altano DOC Douro Tinto Biológico, a 7,49 euros por garrafa, enquanto o tradicional Altano DOC Douro Vinho Tinto custa 4,99 euros, ou seja, menos 2,50 euros.
Se estendermos este comparativo a outras marcas que oferecem os dois tipos de vinhos, a diferença de preço ronda os 30 por cento. A maioria dos vinhos biológicos custa mais de 6 euros por garrafa de 75 centilitros. Já nos vinhos tradicionais, é possível encontrar uma grande variedade a 3 euros.
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