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Rosa de Pinho: "Metade dos doentes hipertensos seguidos não estão controlados"

A DECO PROTESTE esteve à conversa com Rosa de Pinho, presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão. Falta assegurar o controlo desta doença silenciosa e sensibilizar a comunidade para a prevenção. Saiba qual é o papel da família na mudança do estilo de vida de um hipertenso.

Rosa de Pinho, presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão

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Rosa de Pinho, presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão (SPH) e médica de família em São João da Madeira, alerta para o facto de que, "dos doentes hipertensos que já foram avaliados e tomam medicação, só metade estão controlados", o que pode atrasar a melhoria do panorama do problema em Portugal.

Quais são os números da hipertensão em Portugal?

No nosso país, e de acordo com os registos da base de dados dos cuidados de saúde primários (BI-CSP), 30% das pessoas sofrem de hipertensão. Depois, na comunidade, há uma grande parte que não sabe que tem a doença. Portanto, o primeiro problema é a quantidade de hipertensos que temos. O segundo é a existência de muitos que não sabem que o são.

Temos, ainda, os doentes que não estão controlados. Numa sala com cem pessoas, sabemos que 30 sofrem de hipertensão e vamos ter, pelo menos, 15 dessas que não estão controladas. Isto é problemático.

A hipertensão pode afetar todas as faixas etárias – podemos ter crianças hipertensas, por exemplo –, mas grande parte são pessoas com mais idade. A prevalência da doença tende a aumentar com a idade. Não há diferenciação entre homens e mulheres, embora o risco seja mais elevado para as mulheres que já entraram na menopausa.

Estava a falar de hipertensão em crianças. Tem subido?

Andamos entre os 7% e os 10% de crianças e adolescentes com hipertensão. Começam a ser muitas as crianças com estilos de vida não saudáveis, que se foram agravando nos últimos anos.

Nos adultos, a hipertensão está muito relacionada com excesso de peso, consumo de álcool, stresse e alteração do colesterol, mas, nas crianças, o grande problema é o excesso de peso. Nos últimos três anos, com a pandemia da covid-19, as crianças ficaram mais fechadas em casa, fizeram menos exercício físico e passaram mais tempo em frente aos ecrãs. Os hábitos alimentares também pioraram muito. Portanto, temos muito mais crianças com peso acima do recomendado e com obesidade.

E de que forma esta condição pode afetar o futuro?

Se não agirmos, a tendência é para piorar, pois o impacto dos fatores de risco tem vindo a aumentar ao longo dos anos. A doença cardiovascular é a principal causa de morte em Portugal. Portanto, temos de mudar os nossos hábitos, e é importante começarmos pelos mais pequenos. Como médicos de família, temos essa função, já que fazemos consultas a todas as idades.

Nas consultas de saúde infantil, é comum as mães perguntarem quando podem começar a pôr sal na sopa dos bebés. E nós explicamos que eles não sentem falta de sal. Retardar ao máximo a introdução [do sal], e a dos açúcares, é uma luta dos médicos de família. Devíamos fazer mais ações de sensibilização nas escolas, porque as crianças irão passar as informações aos pais. É preciso ir mudando os hábitos desde pequenos. Já começa a haver um grande esforço, por parte das escolas e das câmaras, para terem mais horas de educação física ou lanches mais saudáveis, por exemplo.

Até estávamos a evoluir muito bem, mas a pandemia fez regredir um pouco a situação. O número de hipertensos provavelmente manteve-se, mas o controlo piorou muito.

A hipertensão arterial é uma doença silenciosa ou um fator de risco?

Isso é um debate eterno. Podemos dizer que é um fator de risco, o principal fator de risco para AVC e para as doenças cardiovasculares, mas, cada vez mais, olhamos para ela como uma doença. E, por ser uma doença que não dói, precisamos de estar mais atentos. Só assim conseguiremos começar a tratá-la.

Quando surgem sinais, por vezes, já há estragos. Se houver algum alerta ou uma medição com valor elevado, o ideal é que a pessoa tenha um aparelho, e faça a medição de manhã, quando se levanta, e à noite, antes do jantar, durante uma semana, para podermos olhar para os valores e avaliá-los.

Para combater os casos desconhecidos da hipertensão arterial, temos de sensibilizar as pessoas a irem regularmente aos centros de saúde. A prevenção passa, ainda, por formações junto das empresas e rastreios à população. Educar os médicos nesse sentido é também crucial.

Rosa de Pinho, presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão 
"Trabalhar a família é fundamental", defende Rosa de Pinho.

As pessoas têm dificuldade em mudar o estilo de vida?

Em teoria, até têm vontade e compreendem a necessidade, mas, na prática, é muito difícil. Os hipertensos pensam que têm de deixar de comer tudo, mas não é assim. Não pode ser um sacrifício, porque são mudanças para o resto da vida.

Se eu disser a um paciente que tem de deixar de fumar, que não pode beber vinho, não pode pôr sal na comida e tem de fazer uma caminhada todos os dias, vai deprimir e não vai cumprir nem metade. Temos de ir mudando pequenas coisas. É crucial que os doentes criem hábitos saudáveis e que os mantenham a longo prazo.

Precisávamos de profissionais de saúde de outras áreas nos cuidados de saúde primários (nutricionistas e psicólogos, por exemplo). É urgente haver uma ação multidisciplinar, e insistir, pois as pessoas sabem que precisam de mudar, mas têm dificuldade em aplicar as mudanças no dia-a-dia.

Os hipertensos são bem acompanhados no SNS?

Diria que sim. Cerca de 95% dos doentes hipertensos são acompanhados nos centros de saúde. A grande dificuldade é [tratar] onde há falta de médicos de família. Quando as pessoas têm acesso, são bem acompanhadas. A colmatar esta falta, começa a haver alguns farmacêuticos sensibilizados para o problema. Alargar a formação e a sensibilização a todos os profissionais não médicos é uma das missões da Sociedade Portuguesa de Hipertensão. O enfermeiro de família, por exemplo, já começa a ter um papel importante nestas doenças crónicas, educando e fazendo o acompanhamento.

Honestamente, acho que a nossa rede de cuidados de saúde primários funciona bem. Estamos é sobrecarregados.

Temos um baixo controlo da hipertensão?

Uma pessoa está controlada quando os valores tensionais estão abaixo dos 140/90 mmHg. Dos doentes hipertensos que já foram avaliados e tomam medicação, só metade estão controlados. Os doentes sem controlo correm maior risco de virem a sofrer um AVC ou um enfarte.

A falta de controlo tem duas causas. A primeira é a chamada inércia médica, que ocorre quando o médico vai “desculpando” o doente ou não ajusta a medicação como deveria. E a segunda é a não-adesão do paciente à medicação e à mudança do estilo de vida. Sem um aumento dos hipertensos controlados, o panorama não melhora.

Qual é o papel das famílias no controlo da doença?

É uma questão muito pertinente, porque nós, os médicos de família, temos a vantagem de conhecer a família. E fazer um plano de alteração de estilos de vida com um hipertenso, sem envolver a família, é muito difícil. Até posso insistir com o meu paciente, mas, se, por exemplo, o cozinheiro lá de casa não se adaptar, é difícil haver melhorias. Portanto, trabalhar a família é fundamental.

Nós incentivamos, por exemplo, a prática de atividade física em família e uma alteração alimentar transversal a todos os membros, que trará benefícios a longo prazo. Se o cozinheiro for, gradualmente, reduzindo o sal, e substituindo-o por especiarias ou ervas aromáticas, por exemplo, a família não vai estranhar tanto. É uma questão de hábito.

E, ao nível da investigação, a hipertensão tem investimento? Há novos tratamentos previstos?

Em termos de investigação, temos centros de investigação ao nível do país que vão fazendo alguns estudos, mas mais em termos da variabilidade e de formas de medir a pressão arterial.

Em termos de fármacos, neste momento, não tem havido grandes novidades. Enquanto, há uns anos, se recomendava um fármaco em alta dose, agora, chegou-se à conclusão de que é mais benéfico usar menos doses, mas de vários fármacos diferentes. Portanto, não precisamos de mais fármacos; precisamos é que as pessoas tomem aqueles que já temos.

Que importância tem o Dia Mundial da Hipertensão?

É dedicado à sensibilização da comunidade. Porém, o dia da hipertensão deveria ser todos os dias, porque é um problema que deve ser tido em conta diariamente.

Um dos projetos da Sociedade Portuguesa de Hipertensão é a Missão 70/26. Queremos que, em 2026, pelo menos, 70% dos doentes hipertensos seguidos estejam controlados.

Temos uma percentagem de controlo muito boa, comparando com outros países. Deve-se à boa rede de cuidados médicos nacional e a iniciativas, como a lei da redução do sal no pão (iniciativa da Sociedade Portuguesa de Hipertensão), que ajudaram a melhorar este controlo. Mas ainda está longe do ideal. E, por isso, pedimos a colaboração dos profissionais de saúde, da comunidade e da comunicação social. Se todos dermos voz a esta doença silenciosa, estaremos a contribuir para a sua prevenção junto da população.

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