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Como resolver conflitos sem ir a tribunal

É possível resolver conflitos de consumo sem ter de ir a tribunal. Há várias entidades de resolução alternativa de litígios. Conheça-as.

19 julho 2023
Homem a colocar uma ponte entre dois bonecos de madeira

iStock

Imagine que um consumidor se dirige ao banco para celebrar um crédito à habitação. E levantam‑lhe imensos obstáculos e desculpas, que culminam numa recusa. O cliente percebe que uma doença oncológica que teve em criança, e da qual se curou há dez anos, serve de única e exclusiva justificação para essa recusa. E sabe que a lei está do seu lado, pois contempla o direito ao esquecimento. Este problema não pode ficar na memória dos bancos. O que poderia fazer numa situação destas?

Em primeiro lugar, negociar. Poderia começar por falar com o próprio gestor, exigindo a aplicação da lei. Se o problema não ficasse resolvido, poderia apresentar uma reclamação através dos meios legalmente admissíveis, como o livro de reclamações eletrónico. Nesta fase, a plataforma Reclamar, da DECO PROTESTE, não impede recurso a qualquer outro meio e até pode ajudar a fazer pressão junto do banco para resolver o problema. A reclamação seguirá para o Banco de Portugal, que, se detetar alguma irregularidade, irá obrigar o banco a justificar a recusa ou mesmo sancioná‑lo.

Esta seria uma das formas de resolver o conflito sem passar pelos tribunais. Ou seja, de um modo mais rápido, muito mais barato, ou mesmo gratuito. Para isso existem várias maneiras de fazer valer direitos e entidades intermédias, acessíveis, que buscam a comunicação e a conciliação entre as partes: o consumidor e quem comercializa um produto ou serviço. São as entidades de resolução alternativa de litígios (RAL). A lista destas alternativas pode ser encontrada no site da Direção‑Geral do Consumidor e estão distribuídas um pouco por todo o território nacional. Seguem, passo a passo, os processos através de mediação, conciliação ou arbitragem. Aqueles que são apoiados pelo Ministério da Justiça levam, em regra, três meses a decidir. 

Entidades que gerem conflitos específicos

Além dos centros com competência territorial e dos que têm abrangência nacional, existem outros destinados a conflitos específicos:

  • o Centro de Arbitragem do Sector Automóvel (CASA);
  • o Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros (Cimpas);
  • e o provedor do Cliente das Agências de Viagens e Turismo (provedor APAVT).

O primeiro dedica‑se a conflitos de consumo relacionados com serviços de reparação automóvel, venda de combustíveis, óleos e lubrificantes, compra e venda de peças... E ainda a compra e venda de veículos novos ou usados. O segundo é especializado em conflitos referentes a seguros. O terceiro foca‑se em todos os conflitos relacionados com a atividade das agências de viagens.

Para recorrer aos centros de arbitragem, dirija‑se ao que se encontra na zona onde a compra foi efetuada ou a prestação de serviços foi contratada. À falta de um centro regional, o consumidor tem o Centro Nacional de Informação e Arbitragem de Conflitos de Consumo, que cumprirá o mesmo papel. E é preciso que saiba que o valor ou o tipo de produto ou serviço pode determinar que o conflito possa ser resolvido ao abrigo da arbitragem necessária. A maioria dos conflitos que seguem esta via respeitam a compras ou a aquisições de serviços que não ultrapassem os 5 mil euros. O que, vistas bem as coisas, diz respeito a uma parte considerável dos conflitos de consumo: defeitos nos produtos, validade das garantias, promoções enganosas, entre outros. Imagine se todos estes casos fossem parar a tribunal...

Arbitragem necessária: o que é?

Sempre que um processo de negociação e reclamação falha, o conflito pode ser encaminhado para um tribunal arbitral. O processo continua a ser rápido e mais barato para os intervenientes.

Para aceder a este tipo de arbitragem, o consumidor só tem de manifestar expressamente a sua vontade nesse sentido, sem necessidade de consentimento da outra parte. Na maioria dos casos, o bem comprado ou o serviço contratado não podem ter um valor superior a cinco mil euros. Já se se tratar de um conflito de consumo relacionado com serviços públicos essenciais, não há limite de valor. Nestes conflitos, o consumidor deve ser notificado de que pode fazer‑se representar por advogado ou solicitador, sendo que, caso não tenha meios económicos para o efeito, pode solicitar apoio judiciário. Está prevista a dispensa do pagamento prévio da taxa de justiça: será apurada no final.

Como resolver conflitos: passo-a-passo

Negociação

Se fez uma compra ou contratou um serviço, mas, por algum motivo, não ficou satisfeito, deve sempre começar por tentar negociar com o comerciante. Os motivos podem ser os mais variados, como a existência de um defeito ou um problema com as regras de garantia. No âmbito da negociação, pretende‑se que uma ou ambas as partes modifiquem as suas exigências até chegarem a uma solução aceitável para os dois lados. Se o conflito surgir numa compra em loja física, pode negociar diretamente ao balcão ou falar com o gerente. Já se a compra ou a contratação decorreu online, a forma mais fácil será recorrer ao contacto telefónico, nomeadamente uma linha de apoio aos clientes. Também há sites que dispõem de formulários próprios. Pode utilizar qualquer destes meios de contacto para tentar negociar. Neste plano, as partes podem negociar sozinhas, o processo é gratuito, mais célere e informal. Além disso, não requer conhecimentos técnicos.

Reclamação

Se a negociação não resultar e o consumidor entender que há motivos para reclamar, pode fazê‑lo através do livro de reclamações tradicional ou eletrónico. O livro de reclamações é obrigatório, devendo ser disponibilizado logo e sempre que o consumidor o exija. Caso haja recusa, o consumidor pode solicitar a presença de autoridade policial. O livro eletrónico também é obrigatório, e apresenta vantagens: dá mais tempo para o consumidor refletir e permite que a reclamação seja apresentada a qualquer momento. Além disso, esta segue automaticamente para a entidade fiscalizadora, e a resposta é obrigatória no prazo de 15 dias úteis. Pode-se também recorrer à Plataforma Reclamar, disponibilizada pela DECO PROTESTE em www.deco.proteste.pt/reclamar. As associações de consumidores e os Centros de Informação Autárquicos ao Consumidor também podem ser uma boa solução. A Plataforma de Resolução de Litígios em Linha é uma opção para muitos conflitos gerados por compras online.

Recurso a entidades de resolução alternativa de conflitos

Mediação

Falhado o acordo pelos meios anteriores, ainda é possível dirigirmo‑nos a outras entidades que não os tribunais tradicionais e até mesmo os julgados de paz: as entidades de resolução alternativa de litígios (RAL). Os processos têm custos mais reduzidos (podendo até ser gratuitos) e são mais céleres e informais. Ficam suspensos os prazos de caducidade e prescrição, a partir do momento em que for assinado o protocolo de mediação. Embora as partes possam ser assistidas por advogado e isso até possa ser útil, este não atua em representação, mas num espírito de colaboração, em prol da proteção dos interesses da parte que representa. É nas partes que reside a solução para o conflito. O mediador assegura a comunicação entre elas, depois cabe‑lhe auxiliar, assistir, mas não dirigir, nem impor uma decisão, ou aconselhá‑las.

Conciliação

O juiz tem interesse direto no acordo, pretendendo que se chegue, tão brevemente quanto possível, a uma solução consensual, que ponha fim ao conflito. A maior diferença relativamente à mediação é que o juiz tem o poder efetivo de alterar a dinâmica do processo, aconselhando as partes e encaminhando para um acordo. A conciliação surge normalmente como uma segunda via, se a mediação não produzir efeitos.

Arbitragem

Nesta fase, a decisão tem de ser confiada a um terceiro, com base na vontade das partes. Ou seja, um tribunal arbitral. Em regra, a arbitragem é voluntária, falhadas as tentativas de acordo anteriores. O processo deverá seguir então para um tribunal arbitral com, em regra, apenas um árbitro. A decisão arbitral proferida tem o mesmo caráter obrigatório entre as partes que a sentença de um tribunal tradicional. Se uma das partes não cumprir a decisão arbitral, a outra pode recorrer a um tribunal de primeira instância para a executar. 

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