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A revolta dos consumidores contra a obsolescência prematura

A máquina de lavar avariou? A televisão deixou de funcionar? O frigorífico só dá problemas? Se viu este filme, junte-se a nós para a sequela: denuncie e contribua para que a vida útil dos aparelhos seja mais longa.

18 janeiro 2021
mulher na cozinha em pânico com micro-ondas a deitar fumo

iStock

Aparelhos elétricos e eletrónicos e eletrodomésticos avariam ao fim de poucos anos, e a reparação é demasiado cara ou impossível, obrigando à compra de um substituto, que pesa no bolso do consumidor e no ambiente. Esta poderia ser a sinopse de um filme chamado Obsolescência Prematura. Desde outubro de 2019, temos vindo a criar um novo guião, com novos protagonistas: os leitores foram convidados a partilhar a experiência sobre aparelhos cuja vida útil termina muito antes do tempo expectável. E graças às denúncias, está em vias de produção a tão esperada sequela: Os Consumidores Contra-Atacam. Seja também um dos atores principais, e partilhe o seu caso.

Denuncie aparelhos que avariaram demasiado rápido

Foi o que fez Carlos Oliveira, chefe de sala, de 53 anos. Em maio de 2020, o leitor de Carnaxide denunciou a avaria da máquina de lavar loiça Hotpoint-Ariston, LFD 11M132 OCX EU, que entregou a alma ao criador antes dos três anos de existência. A culpa era da bomba da água. “A minha máquina anterior durou mais ou menos cinco anos”, recorda, pelo que não compreende por que motivo esta “avariou tão rápido”.

Carlos Oliveira, 53 anos: a máquina da loiça Hotpoint-Ariston avariou menos de três anos após a compra. 
Carlos Oliveira, 53 anos: a máquina da loiça Hotpoint-Ariston avariou menos de três anos após a compra.

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Máquinas de lavar, frigoríficos e televisores com reparação cara

Carlos iniciou a saga da reparação. O primeiro técnico não ajudou: “Disse-me que tinha de levar a máquina para reparar em oficina para verificar a avaria e orçamentar, mas que o arranjo iria ficar mais ou menos nos 300 euros, mais a deslocação.” Na altura da compra, o eletrodoméstico tinha custado 499 euros. Carlos desconfiou. “Podia ser uma manobra para levar a máquina e apresentar um orçamento elevado, para eu desistir e assim ele ficar com o aparelho e mais tarde vender”, explica. Rapidamente testou esta hipótese. Bastou perguntar se passava fatura. Perante a resposta negativa, não hesitou: “Convidei-o a sair da minha casa.”

O segundo técnico passou no teste. A reparação da bomba da água podia ser feita sem levar a máquina para a oficina, e o valor seria comportável: 180 euros. Convencido, Carlos apostou na reparação e afirma estar “muito satisfeito”. Ainda foi brindado com alguma informação extra: “As máquinas de agora não são feitas para durar muito tempo”, adiantou-lhe o técnico. Comentário idêntico ouviu Luís Silva, quando optou pela reparação da máquina de lavar roupa Teka. “Já não existem boas marcas”, confidenciou o técnico. Já Luís Oliveira, cujo frigorífico Samsung começou a escorrer água em plena garantia, questiona-se: “Um equipamento de uma gama alta, e de uma marca conceituada, ter um fim de vida tão precoce deixa qualquer um a pensar no assunto”.

Direito à reparação dos eletrodomésticos

Não é uma mera impressão esta de os equipamentos durarem pouco tempo. As expectativas dos consumidores estão a ser defraudadas: “A minha era que esta máquina pudesse durar tanto quanto a outra”, queixa-se Helena Salgueira sobre a Whirlpool que trocou ao fim de três anos. A anterior máquina de lavar roupa, da mesma marca, durou uma década.

Marcas e fabricantes põem regularmente novos modelos no mercado. A quantidade pode fazer baixar os preços, mas parece também baixar a durabilidade. Os aparelhos avariam sem possibilidade de reparação. Colar, em vez de aparafusar, as peças no interior do equipamento tornou a desmontagem uma missão quase impossível, porque a probabilidade de os danificar no processo ou quando se tenta colar tudo de novo é maior. Somos também confrontados com peças de substituição muito caras, escassas ou inexistentes (o espaço para as armazenar custa dinheiro e os comerciantes conservam apenas pequenas quantidades, e por tempo limitado). E, por vezes, a montagem é feita de maneira a não se poder separar as componentes sem danificar a máquina. É o que acontece, por exemplo, com os botões da máquina de lavar: em muitos casos, se estiverem partidos, obrigam à substituição total do painel frontal.

Em novembro de 2020, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução para conceder ao consumidor o direito à reparação, revenda e reutilização. O objetivo é combater as práticas que reduzem o tempo de vida útil dos equipamentos, prolongando a garantia, concedendo garantias a peças de substituição, melhorando o acesso à informação de reparação e manutenção, e criando um rótulo indicativo da durabilidade do produto.

A bola está agora no campo da Comissão Europeia. Apenas no espaço europeu, o crescimento de resíduos elétricos e eletrónicos aumenta 3 a 5% por ano. A estimativa para 2020 era que se atingisse, na Europa, o patamar dos 12 milhões de toneladas, sendo que ao nível europeu apenas 35% destes resíduos são encaminhados para sistemas oficiais de recolha e reciclagem, segundo a Euromonitor.

Consumidores denunciam avarias

Carlos Oliveira fez a sua parte para reduzir a pegada ecológica: reparou a máquina de lavar loiça. “Esta experiência ajudou-me a não satisfazer e a não alimentar mais o negócio da venda de máquinas descartáveis e optar pela reparação”, garante. Faça como este consumidor e denuncie a sua situação. No total, recebemos 160 queixas sobre eletrodomésticos que avariaram demasiado rápido.

Frigorífico a escorrer água

Luís Oliveira, 43 anos, denunciou frigorífico novo com fugas. 
Luís Oliveira, 43 anos, denunciou frigorífico novo com fugas.
“De um dia para o outro, começaram a aparecer escorrências de água dentro do congelador, provenientes do interior do equipamento”, sintetiza o leitor de Folgosa do Salvador, Seia. O frigorífico Samsung RF56J9040SR, comprado por 2029,30 euros, estava na garantia, e Luís contactou o fabricante. Após a vistoria do técnico, chegou a sentença: sem reparação. E porquê? “A avaria era no interior da carcaça e, para determinar a causa exata, o equipamento teria de ser aberto, danificando o mesmo, de tal forma que não haveria condições de voltar a ser utilizado.”

O frigorífico foi recolhido, e Luís recebeu um voucher no valor da aquisição. O facto de ter aparelhos de outras linhas da mesma marca, e de esta se ter pautado pela “apresentação célere de uma solução responsável ao problema, devolveu parte da confiança perdida”. E assim optou por comprar o mesmo modelo da Samsung. Não teve de mudar a cozinha e adquiriu uma garantia suplementar de três anos, pelo montante total de 2128,99 euros.

Obsolescência em dose dupla

Luís Silva, 61 anos, fez duas denúncias. 
Luís Silva, 61 anos, fez duas denúncias no nosso portal.

Este subscritor de Almada fez duas denúncias. A primeira, sobre a máquina de lavar roupa Teka TK2 1070, adquirida por 285 euros e cuja placa de circuitos, ao fim de cerca de oito anos, deixou de funcionar. Segundo lhe explicou o técnico independente, uma rotura levou a que água entrasse em contacto com a placa de circuitos, ditando a sua morte. Luís Silva optou por substituir a placa, o que custou 150 euros (“não me conformo com desperdício de equipamentos com pouco uso”, defende), mas está decidido: “Teka, nunca mais. A não ser que a marca mude comprovadamente a política de obsolescência prematura.”

Para contrapor, tem uma Candy “a trabalhar sem avarias há 20 anos”. Meses mais tarde, novo desalinho em casa. Desta vez foi o televisor LG 42 LF 65, que “avariou dias depois de terminado o período de garantia”. Luís contactou a marca por causa das três zonas circulares, no ecrã, onde se nota uma luminosidade superior ao normal, mas “o valor não justifica”: pediram 150 euros, e o televisor tinha custado não menos de 260 euros. Não comprou substituto, mas já riscou a marca da lista de futuras compras: “LG nunca mais”, garante, “a não ser que mude comprovadamente a política de obsolescência prematura”.

Banda sonora ensurdecedora da máquina da roupa

Helena Salgueira, 49 anos, teve de comprar uma máquina da roupa nova. 
Helena Salgueira, 49 anos, teve de comprar uma máquina da roupa nova.

De repente, e apesar de a máquina Whirlpool funcionar, “foi impossível continuar a lavar roupa”, explica a leitora de São João da Talha. O barulho durante a lavagem e a centrifugação era “ensurdecedor”, conforme denunciou. O equipamento anterior, da mesma marca, “tinha durado cerca de dez anos” e este não chegou aos três.

Fora da garantia, Helena desistiu de diagnósticos e optou por comprar uma nova, dirigindo-se à loja onde tinha feito a aquisição: “Fui informada de que ‘aquela marca já não era o que foi há alguns anos’, que ‘a qualidade e a assistência técnica deixavam muito a desejar’.” Solução? “Comprei uma Bosch. Espero não me arrepender”, desabafa a consumidora.

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