A revolta dos consumidores contra a obsolescência prematura
A máquina de lavar avariou? A televisão deixou de funcionar? O frigorífico só dá problemas? Se viu este filme, junte-se a nós para a sequela: denuncie e contribua para que a vida útil dos aparelhos seja mais longa.
- Especialista
- Elsa Agante
- Editor
- Ana Cristina Câmara e Nuno César

Aparelhos elétricos e eletrónicos e eletrodomésticos avariam ao fim de poucos anos, e a reparação é demasiado cara ou impossível, obrigando à compra de um substituto, que pesa no bolso do consumidor e no ambiente. Esta poderia ser a sinopse de um filme chamado Obsolescência Prematura. Desde outubro de 2019, temos vindo a criar um novo guião, com novos protagonistas: os leitores foram convidados a partilhar a experiência sobre aparelhos cuja vida útil termina muito antes do tempo expectável. E graças às denúncias, está em vias de produção a tão esperada sequela: Os Consumidores Contra-Atacam. Seja também um dos atores principais, e partilhe o seu caso.
Denuncie aparelhos que avariaram demasiado rápido
Foi o que fez Carlos Oliveira, chefe de sala, de 53 anos. Em maio de 2020, o leitor de Carnaxide denunciou a avaria da máquina de lavar loiça Hotpoint-Ariston, LFD 11M132 OCX EU, que entregou a alma ao criador antes dos três anos de existência. A culpa era da bomba da água. “A minha máquina anterior durou mais ou menos cinco anos”, recorda, pelo que não compreende por que motivo esta “avariou tão rápido”.
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Máquinas de lavar, frigoríficos e televisores com reparação cara
Carlos iniciou a saga da reparação. O primeiro técnico não ajudou: “Disse-me que tinha de levar a máquina para reparar em oficina para verificar a avaria e orçamentar, mas que o arranjo iria ficar mais ou menos nos 300 euros, mais a deslocação.” Na altura da compra, o eletrodoméstico tinha custado 499 euros. Carlos desconfiou. “Podia ser uma manobra para levar a máquina e apresentar um orçamento elevado, para eu desistir e assim ele ficar com o aparelho e mais tarde vender”, explica. Rapidamente testou esta hipótese. Bastou perguntar se passava fatura. Perante a resposta negativa, não hesitou: “Convidei-o a sair da minha casa.”
O segundo técnico passou no teste. A reparação da bomba da água podia ser feita sem levar a máquina para a oficina, e o valor seria comportável: 180 euros. Convencido, Carlos apostou na reparação e afirma estar “muito satisfeito”. Ainda foi brindado com alguma informação extra: “As máquinas de agora não são feitas para durar muito tempo”, adiantou-lhe o técnico. Comentário idêntico ouviu Luís Silva, quando optou pela reparação da máquina de lavar roupa Teka. “Já não existem boas marcas”, confidenciou o técnico. Já Luís Oliveira, cujo frigorífico Samsung começou a escorrer água em plena garantia, questiona-se: “Um equipamento de uma gama alta, e de uma marca conceituada, ter um fim de vida tão precoce deixa qualquer um a pensar no assunto”.
Direito à reparação dos eletrodomésticos
Não é uma mera impressão esta de os equipamentos durarem pouco tempo. As expectativas dos consumidores estão a ser defraudadas: “A minha era que esta máquina pudesse durar tanto quanto a outra”, queixa-se Helena Salgueira sobre a Whirlpool que trocou ao fim de três anos. A anterior máquina de lavar roupa, da mesma marca, durou uma década.
Marcas e fabricantes põem regularmente novos modelos no mercado. A quantidade pode fazer baixar os preços, mas parece também baixar a durabilidade. Os aparelhos avariam sem possibilidade de reparação. Colar, em vez de aparafusar, as peças no interior do equipamento tornou a desmontagem uma missão quase impossível, porque a probabilidade de os danificar no processo ou quando se tenta colar tudo de novo é maior. Somos também confrontados com peças de substituição muito caras, escassas ou inexistentes (o espaço para as armazenar custa dinheiro e os comerciantes conservam apenas pequenas quantidades, e por tempo limitado). E, por vezes, a montagem é feita de maneira a não se poder separar as componentes sem danificar a máquina. É o que acontece, por exemplo, com os botões da máquina de lavar: em muitos casos, se estiverem partidos, obrigam à substituição total do painel frontal.
Em novembro de 2020, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução para conceder ao consumidor o direito à reparação, revenda e reutilização. O objetivo é combater as práticas que reduzem o tempo de vida útil dos equipamentos, prolongando a garantia, concedendo garantias a peças de substituição, melhorando o acesso à informação de reparação e manutenção, e criando um rótulo indicativo da durabilidade do produto.
A bola está agora no campo da Comissão Europeia. Apenas no espaço europeu, o crescimento de resíduos elétricos e eletrónicos aumenta 3 a 5% por ano. A estimativa para 2020 era que se atingisse, na Europa, o patamar dos 12 milhões de toneladas, sendo que ao nível europeu apenas 35% destes resíduos são encaminhados para sistemas oficiais de recolha e reciclagem, segundo a Euromonitor.
Consumidores denunciam avarias
Carlos Oliveira fez a sua parte para reduzir a pegada ecológica: reparou a máquina de lavar loiça. “Esta experiência ajudou-me a não satisfazer e a não alimentar mais o negócio da venda de máquinas descartáveis e optar pela reparação”, garante. Faça como este consumidor e denuncie a sua situação. No total, recebemos 160 queixas sobre eletrodomésticos que avariaram demasiado rápido.
Frigorífico a escorrer água
O frigorífico foi recolhido, e Luís recebeu um voucher no valor da aquisição. O facto de ter aparelhos de outras linhas da mesma marca, e de esta se ter pautado pela “apresentação célere de uma solução responsável ao problema, devolveu parte da confiança perdida”. E assim optou por comprar o mesmo modelo da Samsung. Não teve de mudar a cozinha e adquiriu uma garantia suplementar de três anos, pelo montante total de 2128,99 euros.
Obsolescência em dose dupla
Este subscritor de Almada fez duas denúncias. A primeira, sobre a máquina de lavar roupa Teka TK2 1070, adquirida por 285 euros e cuja placa de circuitos, ao fim de cerca de oito anos, deixou de funcionar. Segundo lhe explicou o técnico independente, uma rotura levou a que água entrasse em contacto com a placa de circuitos, ditando a sua morte. Luís Silva optou por substituir a placa, o que custou 150 euros (“não me conformo com desperdício de equipamentos com pouco uso”, defende), mas está decidido: “Teka, nunca mais. A não ser que a marca mude comprovadamente a política de obsolescência prematura.”
Para contrapor, tem uma Candy “a trabalhar sem avarias há 20 anos”. Meses mais tarde, novo desalinho em casa. Desta vez foi o televisor LG 42 LF 65, que “avariou dias depois de terminado o período de garantia”. Luís contactou a marca por causa das três zonas circulares, no ecrã, onde se nota uma luminosidade superior ao normal, mas “o valor não justifica”: pediram 150 euros, e o televisor tinha custado não menos de 260 euros. Não comprou substituto, mas já riscou a marca da lista de futuras compras: “LG nunca mais”, garante, “a não ser que mude comprovadamente a política de obsolescência prematura”.
Banda sonora ensurdecedora da máquina da roupa
De repente, e apesar de a máquina Whirlpool funcionar, “foi impossível continuar a lavar roupa”, explica a leitora de São João da Talha. O barulho durante a lavagem e a centrifugação era “ensurdecedor”, conforme denunciou. O equipamento anterior, da mesma marca, “tinha durado cerca de dez anos” e este não chegou aos três.
Fora da garantia, Helena desistiu de diagnósticos e optou por comprar uma nova, dirigindo-se à loja onde tinha feito a aquisição: “Fui informada de que ‘aquela marca já não era o que foi há alguns anos’, que ‘a qualidade e a assistência técnica deixavam muito a desejar’.” Solução? “Comprei uma Bosch. Espero não me arrepender”, desabafa a consumidora.
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