União de facto: tudo sobre impostos, heranças e filhos
Não é preciso casar-se para ter os mesmos direitos em matéria de filhos, adoção e entrega do IRS, mas a lei continua a fazer distinção em áreas como a herança de bens. Conheça os direitos destes casais.

A união de facto é reconhecida por lei, em Portugal, desde 2001 como a situação jurídica de duas pessoas (independentemente do sexo) que vivam juntas há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges.
O casal que vive em união de facto tem direito à proteção da casa de morada de família e beneficia do mesmo regime jurídico aplicado aos casados no que diz respeito a férias, feriados, faltas e licenças (por exemplo, se um adoecer o outro pode faltar ao trabalho para lhe prestar assistência). Pode fazer a declaração de IRS em conjunto, tal como as pessoas casadas, e tem direito a proteção social em caso de morte de um dos membros. Apesar de terem as mesmas responsabilidades parentais do que os casados, os casais em união de facto são sujeitos a regras específicas quer para adotar uma criança quer ao nível das heranças.
Não é obrigatório registar a união de facto. Esta pode ser provada por qualquer meio: existência de filhos comuns, testemunhos de vizinhos, documentos que demonstrem a comunhão de casa. Também é possível provar através de uma declaração da junta de freguesia. Para a obter, deve ser entregue uma declaração dos dois membros, sob compromisso de honra, de que vivem juntos há mais de dois anos e apresentados documentos de identificação de ambos. Pode ainda ser necessário apresentar certidões integrais de nascimento de cada um. Também na junta de freguesia pode ser pedido um documento a comprovar o fim da relação quando termine por vontade de ambos ou de um dos elementos.
Existem condições para que a união de facto seja validada:
- o casal não pode ter menos de 18 anos à data do reconhecimento da união;
- não podem existir sinais de demência;
- nenhum dos membros pode ter uma situação de casamento não dissolvido, exceto se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens;
- não pode existir, entre o casal, parentesco em linha reta ou no segundo grau da linha colateral (pais e filhos, avós e netos ou irmãos), ou afinidade em linha reta (sogros, padrastos, etc.);
- nenhum dos membros pode ter sido condenado por matar ou tentar matar o cônjuge do outro.
Desde 2016, as Finanças consideram automaticamente que os casados ou unidos de facto entregam a declaração de IRS em separado. Para apresentar em conjunto, terão de selecionar essa opção antes de começar a preencher a declaração.
Pode ser vantajoso entregar a declaração de IRS em separado, por exemplo, quando não existem diferenças significativas entre os rendimentos ou quando há dívidas de um dos cônjuges. Em caso de dúvida, simule a entrega conjunta e em separado e decida pela mais benéfica.
Para os casados ou unidos de facto, a entrega em separado reduz para metade os limites sempre que o valor das deduções fizer referência ao agregado familiar. É o caso das despesas de saúde, educação e casa. O mesmo acontece com o IVA: se entregarem em separado, cada um pode declarar até 125 euros. Mas se entregarem em conjunto, o limite é de 250 euros para todo o agregado familiar.
Para a entrega do IRS em conjunto como unido de facto já não é preciso que os dois contribuintes tenham o mesmo domicílio fiscal. Mas devem fazer prova da situação de unido de facto através da declaração emitida pela junta de freguesia do local de residência. À partida, os contribuintes nesta situação serão chamados para efetuar a prova após a entrega da declaração de IRS.
Os casais em união de facto partilham as mesmas responsabilidades parentais que os casados. O pai e a mãe compartem os deveres de educação do filho, garantem a sua segurança, saúde e sustentam-no até concluir a formação.
Os filhos nascidos em união de facto têm exatamente os mesmos direitos do que os filhos nascidos de casamento. No entanto, continua a existir uma diferença: enquanto, no casamento, se presume que é filho do marido da mãe, a lei não contém nenhuma regra nesse sentido para a união de facto. A paternidade resultará do reconhecimento voluntário pelo pai (a que se chama perfilhação) ou de uma declaração do tribunal.
Como adotar
Para adotar uma criança, os casais em união de facto têm de ter uma relação com, no mínimo, quatro anos e os membros do casal ter mais de 25 anos. A partir dos 60 anos, a adoção só é possível se a criança for descendente do cônjuge, ou se já lhe tiver sido confiada anteriormente. A diferença de idades entre adotante e adotado, fora destas circunstâncias, só excecionalmente pode ser superior a 50 anos.
Para iniciar o processo de adoção, o casal deve contactar os centros distritais da Segurança Social da sua área de residência ou, se morar em alguns concelhos do distrito de Lisboa (Amadora, Cascais, Lisboa, Loures, Mafra, Odivelas, Oeiras, Sintra e Vila Franca de Xira), a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Nas regiões autónomas, a competência é do Instituto de Segurança Social. Aí, comunicará a intenção de adotar e será convocado para uma sessão informativa.
Nessa sessão, são comunicados os passos seguintes. Terá de entregar um formulário de candidatura, acompanhado de cópias da seguinte documentação:
- certidão de nascimento;
- fotocópia do documento de identificação válido (cartão de cidadão, bilhete de identidade ou passaporte);
- atestado da junta de freguesia comprovativo da existência da união de facto;
- registo criminal (pedido especificamente para efeitos de adoção);
- atestado de residência;
- atestado médico, específico para os processos de adoção, que comprove o estado de saúde dos candidatos a adotantes (o modelo é disponibilizado pela Segurança Social);
- fotocópia do recibo do último vencimento, ou declaração da entidade patronal, ou fotocópia da última declaração de IRS;
- fotografia;
- número de identificação da Segurança Social (NISS);
- certidão de nascimento dos filhos dos candidatos, se o casal em questão já tiver filhos.
Depois de entregar a documentação, o casal recebe um certificado de candidatura. O processo é analisado e o casal avaliado, para confirmar que tem condições para adotar uma criança. Avalia-se a sua capacidade para criar e educar: condições psíquicas e de saúde, características da habitação (espaço disponível, higiene e privacidade), rendimentos da família, etc. Estas avaliações incluem entrevistas, uma delas em casa do casal.
Durante o período de avaliação, o casal comparecerá a sessões informativas. Na primeira, ser-lhe-ão explicados os objetivos da adoção, os requisitos para adotar, o processo de adoção e as necessidades das crianças que aguardam adoção. Em regra, haverá também uma segunda ação do Plano de Formação para a Adoção. A avaliação não costuma demorar mais de seis meses. Neste prazo, é informado se a candidatura foi aprovada ou rejeitada.
Se não for considerado qualificado, pode consultar o processo e recorrer. Se foi selecionado, ficará na lista nacional de adoção. Pode ser chamado, enquanto espera, para formações complementares.
Depois de ser encontrada uma criança ou jovem para adoção, há um período de contactos para se conhecerem e ver se há aceitação mútua. Se tal acontecer, o menor é entregue ao adotante para um período de pré-adoção de seis meses, durante o qual é acompanhado e avaliado. Segue-se a entrega de um relatório final e de um pedido formal de adoção ao tribunal competente. Este confirmará ou não a adoção.
Ao contrário dos casados, os unidos de facto não são herdeiros um do outro. Quando uma pessoa casada morre, o cônjuge que lhe sobrevive tem direito automático a uma parte da herança. Já um unido de facto não, embora possua alguns direitos.
Por exemplo, se perder o seu companheiro e este for o proprietário da casa onde vive, pode continuar na casa e usar o respetivo recheio durante cinco anos. Se a união tiver durado mais de cinco anos, esse direito mantém-se por tempo igual a essa duração.
Quando os unidos de facto são coproprietários, passa a exercer o direito de utilização da casa e respetivo recheio em exclusivo, mesmo que não seja herdeiro do falecido. Se estiverem a pagar empréstimo hipotecário ao banco, é possível que o seguro de vida do falecido cubra a totalidade do montante em dívida. Fica, assim, liquidado o empréstimo, nada mais havendo a pagar. Sendo a casa arrendada, o cônjuge sobrevivo tem direito à transmissão do contrato de arrendamento.
Quem quiser deixar os seus bens ao companheiro deve expressá-lo em testamento. No entanto, uma parte deles é obrigatoriamente destinada aos chamados herdeiros legitimários, se os tiver: descendentes (filhos, netos) e ascendentes (pais, avós). A parte de que não pode dispor depende do número e tipo de herdeiros. Os filhos únicos têm direito a metade da herança. Caso o falecido tivesse dois ou mais filhos, cabem-lhes dois terços da herança. Se os herdeiros forem ascendentes, têm direito a metade caso sejam pais do falecido, ou um terço, se forem avós ou bisavós.
Continuar na casa da família tem regras
O companheiro que sobrevive não pode exigir manter-se na casa de família se tiver casa própria no mesmo concelho (as áreas de Lisboa e Porto englobam os concelhos limítrofes).
O direito de ficar na casa comum pode ser alargado em caso de carência económica ou tendo em conta o cuidado dispensado ao falecido ou seus familiares. A decisão cabe aos tribunais.
Se não habitar a casa por mais de um ano, perde todos os direitos a ela referentes, a menos que seja por um motivo de força maior (por exemplo, um internamento hospitalar ou um destacamento profissional temporário).
Esgotado o prazo que confere o benefício do direito de habitação, o companheiro pode permanecer no imóvel na qualidade de arrendatário. Beneficia também do direito de preferência caso este seja vendido.
Reclamar pensão na Segurança Social
Quem vivia em união de facto tem direito às prestações por morte, como o subsídio por morte e a pensão de sobrevivência, ainda que aquela ocorra na sequência de um acidente de trabalho ou doença profissional. A entidade responsável pelo pagamento destas prestações, em caso de dúvida, pode exigir a prova da união.A união de facto termina por vontade de um dos membros, caso um faleça ou ainda se se casarem.
É possível obter uma declaração na junta de freguesia que prove o fim da relação. Deve ser-lhe anexada uma declaração, sob compromisso de honra, assinada pelos dois membros, que indique a data do fim da união. Se um dos membros não quiser subscrever a declaração, o outro deve apresentar uma declaração assinada só por si.
Em caso de separação de facto, é necessário regular as responsabilidades parentais, tal como acontece em caso de divórcio num casamento. Se não houver acordo, poderá ser necessário recorrer aos tribunais ou à mediação familiar.
Mesmo que os filhos fiquem apenas sob a guarda de um dos progenitores, as questões mais importantes, como a escola ou os cuidados de saúde excecionais, são decididas pelos dois. É também possível acordar o pagamento de uma pensão de alimentos por parte daquele que não fica com os filhos.