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Pedofilia: formas de prevenção

A pedofilia e o abuso sexual de menores são mais frequentes na (suposta) segurança do lar, em família. É o que atestam os dados sobre segurança interna. O que diz a lei? Como pode prevenir-se?

14 agosto 2023
Pedofilia

iStock

A linguagem fria de um acórdão de tribunal ilumina melhor o leitor para a gravidade de um caso de abuso sexual e de pedofilia: “No dia 3 de Julho de 2013, cerca das 21h00, a ofendida C... dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado K... , situado em (...) , Cernache do Bonjardim, acompanhada dos seus filhos B... e E... , com o intuito de aí confraternizar e tomar um café com o seu namorado F..., tendo permanecido nesse local até cerca das 23h30 do mesmo dia.” O leitor está devidamente situado logo no início deste acórdão, elaborado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, a 13 de janeiro de 2016.

A decisão segue no mesmo tom descritivo e emocionalmente distante dos factos: “Depois de sair do mencionado estabelecimento comercial, a ofendida C... , acompanhada dos seus dois filhos, dirigiu-se a pé para a sua residência (...). A dada altura do percurso, a ofendida e os seus filhos cruzaram-se, por várias vezes, com o arguido, que circulava na via pública, fazendo-se transportar num velocípede.” A brutalidade da descrição aumenta até ao desenlace. O arguido aproximouse então das vítimas, “abordou a ofendida C... , agarrou-a pelas costas, prendeu-lhe ambos os braços junto do tronco, impedindo-a assim de se mover”. Tentou beijá-la à força, prossegue o texto. Perante o cenário, a dada altura, como a vítima ofereceu resistência, a filha de dez anos tentou defender a mãe. Foi então que o arguido abordou a segunda vítima, a criança: “Agarrou-a e colocou a mão direita entre as pernas da mesma, apalpando-a, por cima da roupa que trazia vestida, no seu órgão genital.” Acabaria condenado por aquele tribunal por, entre outros crimes, abuso sexual de crianças. As vítimas, neste caso, eram duas, mãe e filha. O prevaricador abusou das duas, com a agravante de uma das ofendidas ser menor de idade. E foi condenado a pena de prisão (suspensa) de dois anos e dois meses e a uma multa de 850 euros.

Abuso sexual de crianças é crime público

Como a vítima tinha dez anos de idade na altura destes acontecimentos, o arguido foi acusado de crime de abuso sexual de crianças. A lei distingue este e outro tipo de crimes sob o chapéu genérico dos crimes contra a autodeterminação sexual. Além dos cometidos contra crianças, existem outros, como o abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável, e atos sexuais com adolescentes, por exemplo. O primeiro tem natureza pública, ou seja, não depende da queixa da vítima para que se avance com o processo. Qualquer um que presencie um ato desta natureza pode denunciá-lo às autoridades. E até a simples tentativa é punível.

Há muitas formas de abuso neste universo obscuro e que pode ser altamente traumatizante – basta recordar toda a questão, amplamente mediatizada, da grande investigação de abusos sexuais cometidos em estabelecimentos de ensino ou em instituições ligadas à Igreja. Estes crimes podem ir desde o aliciamento através da internet a práticas sexuais com menores de idade. O abuso sexual de crianças leva a designação genérica de “pedofilia”. E que tipos de atos são estes? Praticar “ato sexual de relevo” (considera-se desde a carícia ou toque no corpo) com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa. A pena é prisão de um a oito anos

Se esse ato for levado a outros patamares, como cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos, a pena de prisão é de três a dez anos. Há que considerar, ainda, o exibicionismo, as propostas de teor sexual ou o constrangimento a um contacto: pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias para quem os praticar. É punido com pena de prisão até três anos quem aliciar menores a assistir a abusos ou a atividades sexuais.

Lei contempla um registo de condenados

A lei determina também que exista um registo de identificação criminal de condenados por crimes contra a autodeterminação sexual e a liberdade sexual de menor. O sistema constitui uma base de recolha, tratamento e conservação de elementos de identificação destas pessoas, e abrange decisões que apliquem penas e medidas de segurança (como o internamento de inimputáveis, aqueles que não têm controlo sobre os seus atos) ou decisões que impliquem, por exemplo, o seu reexame. E ainda acórdãos de revisão e de confirmação de decisões condenatórias estrangeiras e decisões de inibição de exercício de responsabilidades parentais, da tutela ou da curatela (tratar de alguém incapaz de o fazer).

O sistema integra também quem está proibido de exercer uma profissão ou atividade que impliquem ter menores sob a sua responsabilidade. O registo, porém, não é de acesso público. Só podem aceder determinadas pessoas, como os magistrados judiciais e do Ministério Público, e apenas em determinados casos:

  • investigação criminal;
  • instrução de processos criminais;
  • execução de penas;
  • decisão sobre adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores ou regulação do exercício das responsabilidades parentais. 

Dados preocupantes no Relatório Anual de Segurança Interna

Os números do mais recente Relatório Anual de Segurança Interna revelam que, em 2022, o abuso sexual de menores foi a ocorrência mais frequente na criminalidade desta natureza. A violação e a pornografia de menores também fazem parte deste quadro, e a maioria dos crimes é perpetrada contra crianças entre os 8 e os 13 anos. O maior número de arguidos situa-se entre os 31 e os 40 anos, e entre os 41 e os 50. Preocupante é também a prevalência destas situações dentro das famílias: 54% dos inquéritos abertos pelas autoridades identificaram abusadores entre os parentes das vítimas. 

E há que contar, evidentemente, com a subida da partilha de conteúdos de pedofilia online. As autoridades identificam, no relatório, várias formas de aliciamento de menores e de divulgação de imagens à solta na internet. A partilha em redes fechadas (peer to peer) ou abertas, como redes sociais, são algumas das formas de fazer propagar este tipo de conteúdos. Por vezes, em redes internacionais... 

No mundo virtual são várias as formas de abordagem a crianças. Uma delas é o chamado grooming online, quando um adulto contacta um menor através da internet (em alguns casos fazendo-se passar por uma criança) para tentar estabelecer uma relação de confiança com ele e chantageá-lo mais tarde. 

Mas há também outro fenómeno: o de conteúdos criados pelos próprios menores, imagens de si próprios em poses comprometedoras. As imagens podem ser disseminadas pela internet e deixá-los vulneráveis, por exemplo, à coação. Podem tornar-se alvo de chantagem, para se obterem imagens (ou vídeos) de natureza sexual, bem como encontros ou obtenção de dinheiro. Por norma, o menor é chantageado pela ameaça de exposição pública de imagens íntimas

Crime sem prescrição até aos 23 anos

Os crimes contra a autodeterminação sexual de menores (em que se inclui o abuso sexual) não se extinguem, por prescrição, antes de a vítima perfazer 23 anos. 

Por outro lado, é de notar que alguns destes crimes são semipúblicos. É o caso de atos sexuais com adolescentes, os praticados com menores dos 14 aos 16 anos. Dizer que são de natureza semipública implica a apresentação da queixa da pessoa com legitimidade para a exercer – a vítima, se tiver mais de 16 anos, ou o seu representante legal. E é admissível, nestes casos, a desistência da queixa por parte da vítima. 

Apesar de os números serem preocupantes, de acordo com os dados que as autoridades apresentam, há formas de identificar pessoas em risco e de prevenir. Para que um trauma desta dimensão não fique marcado.

6 sinais de alerta

Pais e cuidadores devem estar atentos a alguns sinais.

  1. Utilização de videojogos com chat de voz e chamadas de vídeo.
  2. Excesso de horas na net: horas a mais passadas online possibilitam e facilitam o contacto de crianças com adultos desconhecidos.
  3. Acesso a redes sociais: a definição de controlo parental poderá ser uma forma eficaz de prevenção de alguns contactos suspeitos.
  4. Ingenuidade das crianças: a falta de experiência pode levá-las a não saberem ocultar informação privada e sensível a potenciais agressores que se apresentem anonimamente. E a não saberem como responder a abordagens potencialmente abusivas.
  5. Sexting: envio de imagens da natureza sexual em troca de presentes, com as quais mais tarde o menor pode ser chantageado.
  6. Decisões arriscadas: os menores têm dificuldade em antecipar as consequências das suas condutas, ficando mais expostos.

Conselhos úteis

Uma especial atenção a comportamentos em casa e online é importante:

  • configure os dispositivos: adote medidas de controlo parental no telemóvel, tablet ou computador. Isso implica saber algumas regras de cibersegurança, como a proteção de contas, palavras-passe seguras; regras de privacidade e ativar as opções de bem-estar digital;
  • promova a privacidade: ajude o menor a refletir sobre as consequências que a sua conduta poderá ter na vida adulta. A medida é aplicável aos adolescentes, no caso de divulgação de imagens íntimas;
  • crie um ambiente seguro: o apoio familiar é fundamental, em caso de abuso sexual. Também convém fomentar o desenvolvimento da autoestima da criança, sempre em clima de diálogo;
  • fomente o diálogo: aborde o tema da sexualidade de uma forma saudável. É fundamental abordar o tema com naturalidade e esclarecer quais os riscos associados;
  • consulte informação: veja dicas de segurança e de boas práticas na utilização da internet.

Linhas de apoio

Pode pedir ajuda junto das instituições seguintes.

APAV

A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima disponibiliza o número 116006 (chamada gratuita, dias úteis, das 8h00 às 22h00).

Linha Crianças em Perigo

Contacte o número 961 231 111. A linha foi criada pela Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção de Crianças e Jovens.

Quebrar o Silêncio

Dirigida a rapazes e homens vítimas de abuso sexual, esta linha de apoio pode ser contactada através do telemóvel 910 846 589 ou do e-mail apoio@quebrarosilencio.pt.

Associação de Mulheres Contra a Violência

A associação disponibiliza a linha de apoio 213 802 165 e o e-mail: ca@amcv.org.pt.

EIR UMAR

A associação Emancipação, Igualdade e Recuperação conta com uma linha de apoio (914 736 078) e a possibilidade de contacto por e-mail (eir.centro@gmail.com).

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