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É verdade que não há aumentos desproporcionais das comissões bancárias?

Associação Portuguesa de Bancos nega que haja uma subida abusiva. Comissões estão alinhadas com o “real custo dos serviços”, diz a associação que representa a banca. A DECO PROTESTE foi verificar.

17 fevereiro 2023
Comissões bancárias

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Instada a pronunciar-se sobre as novas limitações nas comissões bancárias em discussão no Parlamento, perto de serem aprovadas, a Associação Portuguesa de Bancos (APB), defende-se, recusando que “as comissões bancárias, atualmente cobradas, serão excessivas, tendo sofrido um aumento desproporcional nos últimos anos”.

A APB admite que é “por todos reconhecido, desde logo pelo setor, que o nível de comissionamento bancário aumentou na última década”, mas nega que o aumento das comissões seja “desproporcional” ou “abusivo”, ou que os valores praticados se diferencem dos outros estados europeus. Os preçários dos bancos, sublinha a APB, estão alinhados com o “real custo dos serviços”.

Num comentário enviado à Comissão de Orçamento e Finanças (COF), que prepara os novos travões à comissões bancárias, a APB considera que os projetos de lei do PS e do PAN, que preveem o fim de algumas comissões relacionadas com o crédito à habitação e outros produtos, “carecem de sustentação nos factos ou no Direito”.

Será verdade? Vamos primeiro aos factos.

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Justifica-se pagar cada vez mais comissões à banca?

O ambiente de taxas de juro negativas que, desde 2015, pairou sobre a banca (a Euribor esteve abaixo de zero durante sete anos) serviu como principal argumento para justificar o aumento de comissões bancárias cobradas aos clientes.

Mas desde abril do ano passado que o indexante que está associado a mais de 90% dos créditos hipotecários em Portugal (dado que são de taxa variável), nas suas diversas maturidades, sobretudo, 3, 6 e 12 meses, vem subindo a uma velocidade por poucos prevista. Em média, o encargo atual das famílias com as prestações dos créditos à habitação é 167 milhões de euros superior ao registado há um ano, precisamente, devido à escalada dos juros. “Juros estes que revertem diretamente para as receitas da banca”, salienta Nuno Rico, economista, especialista da DECO PROTESTE em produtos bancários.

Em média, nos cinco maiores bancos nacionais – Banco BPI, Caixa Geral de Depósitos, Millennium bcp, Novo Banco e Santander –, cobram-se 6,4 milhões de euros por dia em comissões. O peso deste valor nos lucros destas instituições é de cerca de 91 por cento.

E desde o início do ano que há anúncios de mais aumentos. Por exemplo, o Novo Banco vai aumentar em 17% a mensalidade da sua conta serviço principal a partir de abril.

Por outro lado, ao contrário do que se passa na zona euro, a subida acentuada das taxas de juro em Portugal está a refletir-se apenas nos créditos e não do lado dos juros pagos nos depósitos a prazo. Segundo o Banco de Portugal, em dezembro de 2022, a taxa média dos novos contratos de crédito à habitação situou-se nos 3,24%. Já a remuneração depósitos a prazo fixou-se, em média, nos 0,3 por cento. De acordo com o regulador, estes valores são de 2,88% e de 1,34%, respetivamente, na zona euro. O diferencial entre os dois tipos de taxas é de 2,94 pontos percentuais em Portugal e de 1,54 na zona euro, ou seja, quase o dobro.

No relatório Os Desafios dos Bancos Centrais, de fevereiro deste ano, o Banco de Portugal diz mesmo que “o longo período de lucros sustentados [da banca] permitiu criar ‘almofadas financeiras’ significativas que poderão ser usadas para fazer face a eventuais perdas que vierem a ocorrer.”

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Aumento das comissões bancárias é proporcional?

O crescimento das comissões bancárias em muito tem excedido os valores da inflação, indicador normalmente utilizado para quantificar a evolução dos preços na economia. Há menos de um ano, a DECO PROTESTE concluiu que o custo médio de uma conta à ordem nos cinco maiores bancos nacionais – Banco BPI, Caixa Geral de Depósitos, Millennium bcp, Novo Banco e Santander – subiu 47% numa década, sendo a inflação acumulada nesse período de apenas 8,4 por cento.

A anuidade do cartão de débito subiu 163% em igual período.

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Comissões estão alinhadas com o “real custo dos serviços”?

A lei diz que a uma comissão deve corresponder um serviço efetivamente prestado. Ora, e só porque os bancos foram obrigados pelo legislador, apenas aos contratos de crédito à habitação a partir de 2021 não podem ser cobradas comissões de processamento da prestação. “Até hoje, ninguém, nem a própria banca, conseguiu justificar qual o serviço associado a esta comissão que justifique a sua cobrança”, critica Nuno Rico.

Este custo continua, assim, a ser cobrado a pelo menos 1,7 milhões de contratos anteriores a 2021, rendendo aos bancos mais de 72 milhões de euros anuais. “Criou-se uma desigualdade incompreensível entre consumidores que, se não tiver travão, vai arrastar-se durante anos e traduzir-se num custo adicional de milhares de euros no final dos contratos”, aponta Nuno Rico, economista, especialista da DECO PROTESTE em produtos bancários.

A Associação Portuguesa de Bancos (APB) mantém que este custo deve ser imputado aos créditos anteriores a 2021, uma vez que foi incluído na taxa anual de encargos efetiva global (TAEG) – que reflete todos os custos do crédito, incluindo juros e comissões – definida no momento da celebração do contrato de crédito. “Tendo as comissões, aqui em causa, composto o preço global do crédito, e tendo o cliente sido devidamente informado da existência e montante da comissão de prestação, ainda antes de celebrar o contrato, qualquer alteração legal que venha retirar a possibilidade de cobrança de tal comissão ao credor encerrará uma clara desconsideração do princípio do cumprimento pontual dos contratos (…)”, sustenta a associação que representa o setor da banca.

Nuno Rico salienta, contudo, que a APB “omite que a TAEG sofre alterações a cada atualização da comissão de processamento da prestação, em prejuízo do consumidor, adulterando os valores que contribuíram para a escolha da proposta de crédito mais vantajosa.”

O especialista da DECO PROTESTE devolve o argumento do “princípio do cumprimento pontual dos contratos” à APB: “Justificar que se continue a cobrar a comissão de processamento de prestação aos contratos anteriores a 2021 choca de frente com essa necessidade de estabilidade contratual, precisamente, por causa das atualizações periódicas desta comissão. Há ou não alteração dos pressupostos contratados?


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Limitar os bancos nas comissões compromete a sua função social?

“Para cumprir a sua função social e conseguir atrair o capital privado necessário para o desenvolvimento da atividade que sustenta essa função social, a banca tem que conseguir remunerar o seu capital em valor superior ao seu custo económico (…), sob pena de a desejada função social se tornar inviabilizada”, sustenta a Associação Portuguesa de Bancos (APB).

A APB defende-se assim do argumento de que, em nome da salvaguarda da função social da banca, e de um acesso adequado da população aos serviços financeiros, é necessário reduzir o comissionamento da banca.

No final do ano passado, a DECO PROTESTE concluiu, porém, que a banca, mesmo em contexto de aumento de comissões, está a deixar para trás os consumidores mais vulneráveis. Em dez anos, os cinco maiores bancos nacionais fecharam metade das agências. O número de balcões do Banco BPI, da Caixa Geral de Depósitos, do Millennium bcp, do Novo Banco e do Santander baixou de mais de quatro mil para 1900. O problema atinge com particular intensidade o interior e as zonas mais remotas do País. De acordo com a própria APB, no final de 2021, seis concelhos já só tinham uma agência bancária disponível. 

 “Isto obriga muitos consumidores a terem de percorrer, por exemplo, 140 quilómetros para irem à sucursal mais próxima do seu banco e voltar para casa”, critica Nuno Rico, economista, especialista da DECO PROTESTE em produtos bancários.

Mas os bancos não estão só mais longe de casa. Estão mais caros também. Uma transferência interbancária, por exemplo, custa mais 645% se for realizada, presencialmente, numa agência, do que via homebanking. 

 Levantar dinheiro ao balcão não pesa menos na carteira. “Qual é o serviço social prestado pela banca quando cobra mais de 15 euros por um levantamento de numerário ao balcão (caso do BBVA), quantas vezes a consumidores com baixos rendimentos e sem alternativa?”, questiona Nuno Rico.

E onde está o sentido social da banca, pergunta também Nuno Rico, “quando esta ameaça um consumidor de o colocar numa lista negra de historial de crédito só por ele querer renegociar as condições do seu empréstimo e evitar o incumprimento?”

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Proibir comissões bancárias pode violar a Constituição?

A Associação Portuguesa de Bancos diz que proibir a cobrança de comissões “a um vasto leque de clientes bancários (sem ficarem demonstradas quaisquer especiais necessidades de apoio a tais clientes)” revelar-se-á “uma verdadeira restrição à livre iniciativa económica dos Bancos, suscetível de violar normas estruturantes do quadro constitucional nacional”. 

 Nomeadamente, concretiza a APB, o direito à iniciativa económica privada e ao princípio da concorrência, o direito à propriedade privada, o direito à igualdade, liberdade de gestão, organização e funcionamento que rege a atividade exercida pelas instituições bancárias.

No entender da coordenadora do departamento jurídico e económico da DECO PROTESTE, Sónia Covita, o argumento da APB é, no mínimo, “rebuscado”. A jurista lembra as palavras inscritas na Constituição: “Os direitos, as liberdades e as garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas, só podendo ser restringidos nos casos expressamente previstos na lei fundamental do País".

Também o Tratado da União Europeia salvaguarda a necessidade de realização de um desenvolvimento equilibrado e sustentável, acrescenta.

“Ora, este equilíbrio não se atinge, se o Estado insistir em reforçar a iniciativa económica das entidades bancárias, dando-lhes carta branca para agravarem os preços e criarem novas comissões, com prejuízo sério dos consumidores bancários. Estes representam inevitavelmente a parte mais fraca da equação, por isso, têm de ser especialmente protegidos. Sem consumidores, não há iniciativa privada que vingue”, vinca a responsável.

"Sem contestar a importância que a solidez financeira do sistema bancário nacional tem para as contas do País", acrescenta Sónia Covita, certo é que o direito à livre iniciativa económica dos bancos, o princípio da concorrência, o direito à propriedade privada, a liberdade de gestão, organização e funcionamento e o primado do direito Europeu não devem jamais pôr em causa os direitos, as liberdades e as garantias dos cidadãos”.

É certo que a atividade bancária está cada vez mais regulada, reconhece a responsável, e que as exigências são cada vez maiores, "mas os lucros publicados revelam que a banca tem conseguido ultrapassar esses obstáculos com sucesso. Bastante até! Muito à custa das comissões e da diminuição dos custos com mão-de-obra, é certo, mas a salvaguarda do interesse comum impõe que agora se dê primazia à proteção dos consumidores", sublinha Sónia Covita. "A solvabilidade dos bancos está maioritariamente assegurada, já a da generalidade dos particulares está notoriamente posta em causa.”

A DECO PROTESTE não está contra a cobrança de comissões bancárias em geral, faz questão de sublinhar Sónia Covita. “Mas há comissões que continuam a ser cobradas injustificadamente, e outras cujos valores estão completamente desajustados face aos reais custos dos serviços”, afirma.

Voltando à Constituição, “os consumidores têm direito à proteção dos seus interesses económicos”, observa a jurista. Cita mesmo a lei fundamental: “As relações jurídicas de consumo requerem a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa-fé.”

E insiste em recordar os artigos plasmados na Constituição: a lei fundamental determina “a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social” por parte do Estado. Ora, “para garantir a formação e a captação de poupanças, é necessário não espremer ao máximo a carteira dos depositantes, sob pena de estes não terem o que depositar…”, nota Sónia Covita.

É exatamente por ser incumbência do Estado aplicar “os meios financeiros necessários ao desenvolvimento”, reforça a jurista, que importa salvaguardar o equilíbrio entre as entidades e os consumidores bancários.

Em suma, “os argumentos invocados pela APB são uma hipérbole das reais consequências que a proibição de cobrança de determinadas comissões poderia ter para os bancos.”

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Mais legislação implica mais custos para a banca?

“Por via do enquadramento regulatório existente, os custos indiretos associados à prestação de serviços bancários, impostos por legisladores, reguladores e supervisores, são hoje consideravelmente superiores aos do início da década anterior”, critica a Associação Portuguesa de Bancos, responsabilizando diretamente o legislador pelo aumento das comissões bancárias.

Sempre que o legislador aumenta o nível dos deveres de informação a prestar aos clientes, sempre que obriga a que os trabalhadores bancários cumpram requisitos mais exigentes de conhecimento e competências, sempre que obriga a que os bancos tenham um papel mais preponderante no combate ao terrorismo e ao branqueamento de capitais, sempre que obriga a que os bancos cumpram requisitos mais exigentes ao nível da cibersegurança dos seus sistemas ou sempre que aumenta a responsabilidade objetiva dos bancos pela prestação de serviços bancários, o legislador está, clara e consequentemente, a determinar um incremento do custo, e, consequentemente, do preço dos serviços bancários e, concomitante e consequentemente, a determinar um aumento dos custos indiretos associado à respetiva prestação”, enumera a APB. 

É difícil entender este “desabafo” e justificação para o aumento das comissões, afirma Nuno Rico, economista, especialista da DECO PROTESTE em produtos bancários. “Olhando para as demonstrações de resultados dos bancos, verifica-se que, ano após ano, os custos com pessoal têm vindo a descer, fruto da crescente digitalização da banca e do encerramentos de balcões. Há hoje menos dezenas de milhar de funcionários nas instituições bancárias”, nota o responsável.

Além disso, como entender os argumentos apresentados pela banca de que a intervenção do Parlamento ao nível do comissionamento prejudica o setor, “quando a subida dos juros e das comissões permitiram apresentar lucros médios, em 2022, de sete milhões de euros diários, representando, em alguns casos uma quase duplicação de resultados em relação ao ano anterior”, questiona ainda Nuno Rico. 

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Deputados estão a “desconsiderar” o papel do Banco de Portugal?

As soluções legislativas propostas que visam limitar as comissões bancárias desconsideram “o entendimento e o papel do supervisor na aplicação das regras de comissionamento”, diz a Associação Portuguesa de Bancos (APB).

Seria desejável que a intervenção do legislador não fosse necessária e que o Banco de Portugal, em contrapartida, exercesse um papel mais interventivo no mercado, aponta Sónia Covita, coordenadora do departamento jurídico e económico da DECO PROTESTE. “Mas, precisamente, devido à inação do regulador, os consumidores com contratos de crédito à habitação celebrados após 2021 ainda hoje estariam a suportar as injustificáveis comissões de processamento de prestação, não tivesse o legislador intervindo. O mesmo é verdade quando, em 2018, os bancos foram obrigados pela lei – e não por iniciativa do Banco de Portugal – a refletirem, na totalidade, a descida da Euribor nas prestações dos empréstimos”, esclarece a jurista.

Recorde-se que, nos casos em que os valores negativos da Euribor superavam o valor do spread contratado (margem de lucro do banco), os bancos consideravam um valor final de zero por cento. Por exemplo, num contrato com uma Euribor de -0,5% e um spread de 0,3%, os bancos consideravam uma taxa de juro de 0% em vez de -0,2%, conta que verdadeiramente resulta da soma dos dois componentes.

“Se não tivessem sido obrigados pelo legislador a alterar a fórmula de cálculo, os bancos, ao fazerem as contas desta forma, estavam a modificar artificial e unilateralmente o spread, alterado unilateralmente milhares de contratos de crédito à habitação”, sublinha Sónia Covita.

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