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Perda total no seguro automóvel: o que é e como calcular

A “perda total” é declarada quando, em caso de acidente, o custo da reparação ultrapassa o valor de mercado do veículo antes do sinistro. A expressão é familiar, mas nem sempre é bem compreendida. O que significa? Como é calculada? E que pode o segurado esperar receber?

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27 novembro 2025
Mulher com colete fluorescente a obervar danos de acidente automóvel

iStock

A avaliação de uma perda total de um veículo após um sinistro, no âmbito no seguro automóvel, não se baseia apenas no montante apurado dos danos provocados pelo acidente. Se a seguradora considerar que a reparação é economicamente inviável, ou seja, se o valor do conserto ultrapassar o valor do carro antes do acidente (valor de mercado, portanto), o mais certo é ser declarada a perda total.

Nestes casos, a seguradora indemniza o cliente em vez de reparar o veículo, mas o valor pago nem sempre corresponde ao que o proprietário esperava receber. Daí que seja importante conhecer o regime legal que regula os contratos de seguro. 

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O que significa “perda total”

Na prática, a seguradora conclui que não compensa reparar o carro, por ser economicamente desvantajoso. Esta situação pode ocorrer tanto em acidentes como em casos de furto, incêndio ou fenómenos naturais.

A lei estipula que a indemnização a pagar ao segurado nunca pode exceder o valor do bem no momento anterior ao sinistro. Assim, mesmo que o carro seja novo ou de grande valor estimativo, o pagamento baseia-se no valor de mercado e não no preço de compra.

Algumas apólices de seguro automóvel incluem a cobertura (contratada adicionalmente) “substituição por valor em novo”. Esta cobertura, comum em seguros de danos próprios, e válida durante um prazo muito limitado (12 a 24 meses), garante que, se o veículo for declarado perda total nesse período, o segurado recebe o valor de aquisição do carro, e não o valor de mercado no momento do sinistro. Mas, atenção, requer leitura cuidadosa das condições contratuais.

Como é determinada a perda total?

A lei estipula uma fórmula para determinar a perda total de um automóvel, após um sinistro, que é a seguinte:

Valor de reparação + Valor do salvado é igual ou superior ao valor venal do veículo antes do sinistro

  • Valor da Reparação: o custo estimado para a reparação de todos os danos no veículo. A seguradora solicita uma peritagem para determinar o montante necessário à reparação.
  • Valor do Salvado: o valor que o veículo danificado ainda tem no mercado. Este valor pode ser apurado através de leilões especializados ou através de uma avaliação técnica.
  • Valor Venal: o valor de mercado do veículo antes do sinistro, também conhecido como valor de substituição. Este é o preço que o segurado teria de pagar para comprar um veículo semelhante em idade, estado e características.

Se o custo de reparar o veículo, somado ao valor do salvado for igual ou superior ao valor do veículo antes do sinistro, então a seguradora declara a perda total. E opta por pagar uma indemnização em dinheiro ao segurado em vez de financiar uma reparação que considera economicamente desfavorável.

As seguradoras usam a regra estrita "igual ou superior", ou há alguma margem?

Sim, aplicam uma margem, que depende da idade do automóvel e segue as diretrizes da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF).

  • Veículos com menos de 2 anos: a seguradora considera a perda total quando a soma do custo de reparação mais o valor do salvado ultrapassa 100% do valor venal do veículo antes do sinistro.
  • Veículos com mais de 2 anos: a perda total é declarada quando a soma do custo de reparação mais o valor do salvado ultrapassa 120% do valor venal.

Veja os exemplos em baixo.

Como é calculada a indemnização a pagar ao segurado

A forma como a indemnização é apurada e paga depende da decisão do proprietário relativamente ao veículo danificado (o salvado). Há duas opções.

O segurado fica com o salvado 

Neste cenário, o segurado opta por ficar com o veículo danificado. A indemnização a ser paga pela seguradora será o valor venal do veículo menos o valor do salvado. O veículo danificado continua a pertencer ao segurado, que pode vendê-lo, repará-lo ou dar-lhe outro destino. 

A seguradora fica com o salvado 

Neste caso, o segurado entrega o salvado à seguradora ou a uma entidade por ela indicada. Se a viatura for para abate, a seguradora procede ao cancelamento da matrícula junto do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), e a indemnização a ser paga ao segurado é o valor total do valor venal do veículo.

EXEMPLOS PRÁTICOS DO CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO

Salvado com baixo valor
Dados do veículo
Valor venal (valor de mercado antes do sinistro): 10 000€
Valor do salvado: 1000€
Custo de reparação: 12 500€
Decisão da seguradora = Perda Total
Justificação: 12 500 € + 1000 € = 13 500 € >10 000 €
Opção 1 do segurado
O segurado fica com o salvado
Quanto recebe de indemnização?
Valor venal – Valor do salvado = 9000 € e o veículo danificado permanece na posse do segurado
Opção 2 do segurado
A seguradora fica com o salvado
Quanto recebe de indemnização?
Valor venal total = 10 000 €
Salvado com valor elevado
Dados do veículo
Valor venal (valor de mercado antes do sinistro):15 000 €
Valor do salvado: 6000 €
Custo de reparação: 14 500 €
Decisão da seguradora = Perda Total
Justificação: 14 500€ + 6000€ = 20 500€ > 15 000€
Opção 1 do segurado
O segurado fica com o salvado
Quanto recebe de indemnização?
Valor venal – Valor do salvado = 9000€ e o veículo danificado permanece na posse do segurado
Opção 2 do segurado
A seguradora fica com o salvado
Quanto recebe de indemnização?
Valor venal total = 15 000€
Veículo com menos de 2 anos
Dados do veículo
Valor venal (valor de mercado antes do sinistro): 22 000 €
Valor do salvado: 5000 €
Custo de reparação: 21 800 €
Decisão da seguradora = Perda Total
Justificação: 21 800 € + 5000 € = 26 800 € > 22 000 €
A seguradora considera que há perda total quando o custo da
reparação, somado ao valor do salvado, é superior ao valor venal
do veículo antes do sinistro.
Opção 1 do segurado
O segurado fica com o salvado
Quanto recebe de indemnização?
Valor venal – Valor do salvado = 17 000 € e o veículo danificado permanece na posse do segurado
Opção 2 do segurado
A seguradora fica com o salvado
Quanto recebe de indemnização?
Valor venal total = 22 000 €
Veículo com mais de 2 anos
Dados do veículo
Valor venal (valor de mercado antes do sinistro): 10 000 €
Valor do salvado: 2000 €
Custo de reparação: 9000 €
Decisão da seguradora = Não declara perda total
Soma da reparação e salvado: 11 000 €
Limite para considerar perda total (120% do valor venal): 12 000 €
Como 11 000 € é inferior a 12 000 €, a seguradora não declara perda
total, considerando a reparação economicamente viável.

Salvado com pouco valor comercial ou de valor elevado: o que compensa mais?

A resposta depende sobretudo de três fatores principais: o estado real do veículo, o valor atribuído ao salvado e as intenções futuras do proprietário (reparar, vender, ou simplesmente encerrar o processo).

O que compensa mais? Entregar o salvado à seguradora (o mais comum) Ficar com o salvado (pode valer a pena)
A diferença entre o valor venal e o valor com salvado (que corresponde ao montante que a seguradora deduz da indemnização quando o segurado decide ficar com o carro sinistrado) é pequena, o que significa que o ganho de ficar com o carro não compensa o trabalho e os custos associados. O valor do salvado é baixo, mas o veículo mantém um valor potencialmente interessante se for reparado ou vendido em peças. O carro tem danos reparáveis e o segurado dispõe de meios próprios para o reparar a baixo custo.
Evitar encargos burocráticos com o seguro auto e custos adicionais, como o transporte do carro sinistrado e ter um lugar seguro para o guardar, ou descobrir potenciais problemas mecânicos não detetados. O carro tem valor sentimental ou histórico (veículo clássico, por exemplo). O valor do salvado é baixo, mas o veículo mantém um valor potencialmente interessante se for reparado ou vendido em peças.
O segurado quer encerrar o assunto rapidamente. Quer revender o carro em segunda mão, após reparação, obtendo um valor superior ao deduzido pela seguradora. O carro tem valor sentimental ou histórico (veículo clássico, por exemplo).
 

Em regra, especialmente quando os danos são severos ou o valor de reparação é elevado, entregar o salvado à seguradora é a opção mais segura e prática.

Contudo, ficar com o salvado pode compensar em situações específicas, sobretudo, se o proprietário conseguir reparar o veículo por sua conta ou considerar que o carro tem um valor comercial residual superior ao estimado pela seguradora.

O segredo está em avaliar bem o orçamento para a reparação do veículo antes de decidir. Em alguns casos, essa informação permite negociar com a seguradora ou ajudar a comprovar que o carro ainda tem utilidade real.

E depois de declarada a perda total?

O segurado tem três opções.

  • Aceitar a proposta da seguradora: concordando com a avaliação do valor venal e do salvado, o proprietário aceita a proposta de indemnização da seguradora, escolhendo entre as duas opções de cálculo mencionadas acima.
  • Negociar os valores: o segurado pode discordar da avaliação da seguradora, tanto em relação ao valor venal como ao do salvado. Nestes casos, tem o direito de contestar os valores apresentados e apresentar provas do que considera ser o valor de mercado justo do veículo, tentando assim negociar uma indemnização mais justa. Ter guardado faturas e registos de manutenção do carro pode ajudar.
  • Contestar a decisão: se o segurado não concordar com a decisão de perda total, pode argumentar que a reparação é viável e segura. Mas, novamente, terá de ter argumentos fundamentados e provas que atestem que a decisão da seguradora não é a mais correta. Pode, por exemplo, pedir uma segunda peritagem com um perito independente. Em baixo, nas Perguntas Frequentes, estão elencadas as possíveis formas de contestação da decisão da seguradora.

E se a culpa…?

E se a culpa do acidente que levou à perda total do veículo for do proprietário, mas este tiver seguro de danos próprios?

A seguradora ou indemniza pelo valor venal total (o capital seguro), e fica com o veículo sinistrado, ou o segurado fica com o salvado, recebendo de indemnização o valor venal menos o salvado.

E se o culpado do acidente não tiver seguro automóvel válido?

O responsável é sempre obrigado a indemnizar. No entanto, não havendo seguro válido, o Fundo de Garantia Automóvel (FGA) pode ser chamado a intervir em nome lesado. E pode acontecer uma de duas situações:

Responsável Conhecido (sem seguro válido)

Se o responsável pelo acidente for identificado, mas não tiver seguro válido, o FGA cobre os danos materiais causados, independentemente de haver ou não danos corporais. Em caso de perda total, pode haver lugar a indemnização pelo valor venal do veículo, mas o processo será demorado e exigente, e dependerá do que for apurado.

Responsável Desconhecido (e fuga)

Se o responsável pelo acidente for desconhecido (não identificado), o FGA só cobre os danos materiais, incluindo perda total, se o acidente também tiver causado danos corporais significativos.

E se a culpa do acidente que danificou seriamente o veículo não for do seu proprietário, este é obrigado a contactar a própria seguradora?

É altamente recomendável que o faça sempre. O primeiro dever é sempre participar o sinistro. Até por causa do sistema de Convenção de Indemnização Direta (CID), um mecanismo acordado entre seguradoras, em Portugal, que permite acelerar o processo de indemnização nos acidentes automóveis sem feridos graves e em que a responsabilidade está claramente atribuída. Mesmo quando a seguradora do culpado assume o processo, a seguradora do lesado pode:

  • acompanhar o processo;
  • acionar a cobertura de danos próprios para acelerar a resolução;
  • exercer posteriormente o direito de regresso (acerto de contas entre seguradoras ou entre seguradoras e pessoas responsáveis por acidentes).

Seguro auto: questões frequentes sobre perda total

Como provam as seguradoras de a perda total que declararam é legítima?

As seguradoras têm de apresentar documentação que comprove o cumprimento da fórmula que determina a perda total de um automóvel prevista na lei.

A prova deve incluir:

  • relatório de peritagem com detalhe técnico dos danos;
  • cálculo do valor venal com indicação do método usado;
  • avaliação do salvado, normalmente, suportada por peritos ou plataformas de leilão;
  • evidência fotográfica e descritiva dos danos.
  • aplicação da margem legal/económica (100% para carros com menos de 2 anos; 120% para veículos com mais de 2 anos).

Se não for demonstrada esta fundamentação, o segurado pode legitimar contestação.

Posso contestar a decisão da seguradora? Como?

Sim, pode. Se o segurado não concordar com a declaração de perda total, com o valor venal ou com o valor do salvado atribuídos pela seguradora, pode:

  • solicitar uma reavaliação técnica fundamentada à seguradora;
  • apresentar provas documentais do valor real do veículo (por exemplo, relatórios e faturas de manutenção do veículo);
  • pedir uma segunda peritagem com um perito independente;
  • apresentar reclamação formal através dos canais internos da seguradora ou do livro de reclamações eletrónico;
  • recorrer à Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) ou a meios de resolução alternativa de litígios, como o Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros (CIMPAS), caso não haja acordo.

A seguradora deve sempre justificar e demonstrar os cálculos que sustentam a decisão, por escrito.

Se houver discordância entre a seguradora e o segurado quanto ao valor venal e ao do salvado: onde obter cotações independentes?

A seguradora solicita uma peritagem para determinar o montante necessário à reparação e compara-o com o valor venal do veículo. Este valor é calculado com base em tabelas de referência — como Eurotax ou Audatex — e pode variar conforme a marca, o modelo, o ano, a quilometragem e o estado geral do veículo.

Pode apurar o valor do salvado em:

  • leilões especializados (por exemplo, Copart Portugal);
  • avaliações técnicas independentes;
  • oficinas e comerciantes que compram veículos danificados.

Um conjunto de 3 a 5 cotações comparáveis reforça a negociação.

Onde apresentar queixa se não houver mesmo entendimento entre o segurado a seguradora?

Há várias hipóteses.

A ASF fiscaliza e pode intervir em aspetos contratuais e de supervisão, o CIMPAS tenta resolver o litígio sem recurso ao tribunal.

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