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Medicamentos: como equilibrar o preço e os custos para os consumidores

Aumentar a comparticipação do medicamento mais barato do grupo homogéneo e tornar o preço de referência mais dinâmico: as propostas da DECO PROteste foram discutidas no debate “Preço dos medicamentos: o que mudou e para quem?”, integrado no evento “Medicamentos: se estão mais baratos, porque gastamos mais?” 

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25 janeiro 2024
Preço de medicamentos

As posições estão longe de ser unânimes, é a conclusão da mesa redonda que se seguiu à apresentação do estudo “Medicamentos: Se estão mais baratos porque gastamos mais?”, organizado pela DECO PROteste e pela Nova School of Business & Economics (Nova SBE)

Veja o vídeo completo com o debate.

Joana Gomes da Costa e Susana Santos


Joana Gomes da Costa, da Nova SBE – Health Economics & Management Knowledge Center, e Susana Santos, da DECO PROteste, apresentam o estudo durante o evento.
Inês Teixeira, diretora de Assuntos Económicos da Apifarma, começou por partilhar alguns números que contextualizam a situação de Portugal. “O investimento em saúde, em Portugal, é de cerca de 70% do que é a média europeia, em termos de despesa per capita, mas também em termos de percentagem do PIB.” A representante da Apifarma referiu ainda que a questão da prevenção não pode ser descurada. “De acordo com dados muito recentes, Portugal gasta abaixo do que são as médias internacionais nesta área.”

Eduardo Costa, presidente da Associação Portuguesa de Economia da Saúde (APES), defendeu que “o Estado poupa, na medida em que o sistema de preços de referência induz a uma escolha pelo medicamento mais barato, mas, se essa escolha não for feita, o utente gasta mais”. Mas esta não é uma questão óbvia, porque para que “o utente possa escolher o medicamento mais barato, isto implica que o mesmo esteja sempre disponível na farmácia específica onde o utente se dirige, e isso nem sempre acontece”. 

Dentro desta realidade, não é desprezível o facto de, em Portugal, “o sistema estar montado neste momento na tentativa de induzir uma escolha mais eficiente possível para garantir que controla a despesa pública com medicamentos, e isso é positivo”. Mas o grande ponto de discussão, na opinião do presidente da APES, é perceber até quando é garantido o acesso aos doentes que precisam de medicamentos. 

Farmácias têm defendido genéricos

Ema Paulino, presidente da Associação Nacional de Farmácias (ANF), afirmou que as farmácias e as suas equipas têm sido, desde a primeira hora, grandes defensoras do mercado dos genéricos e do aumento da sua quota em Portugal. “Temos esse contacto direto com a população e sabemos da maior acessibilidade que os genéricos produzem quando entram no mercado. Mas nós também sabemos que temos um mercado muito dinâmico, e o sistema de preços de referência não faz apenas com que a população procure os medicamentos mais baratos, mas também leva a que a indústria farmacêutica – nomeadamente dos genéricos – tente posicionar o preço nesses medicamentos mais baratos.” Ema Paulino concluiu que “cabe às equipas das farmácias explicar às pessoas porque é que não têm acesso a um determinado medicamento que supostamente seria o mais barato e que estaria disponível”.

A presidente da ANF chamou a atenção para o facto de algumas prescrições terem a validade de 12 meses e, durante esse período, vão existir, pelo menos, “quatro alterações em termos de preços de referência”, o que significa que o que consta na receita pode estar completamente desatualizado ao final de três meses. “Tudo isto gera alguma confusão no setor.”

Majoração da comparticipação do medicamento mais barato

Na opinião de Inês Teixeira, a pandemia “veio evidenciar bastante aquilo que é a dependência do mercado europeu e asiático”. Devido ao contexto de guerra e de inflação, a questão da debilidade das cadeias de abastecimento, este tema ainda ficou mais evidenciado neste período. Apesar de a rutura de stock ser mais premente em medicamentos mais baratos, o problema é transversal e atinge também “medicamentos com um custo maior do que 15 euros”. Há que pensar em estratégias para dar resposta a este problema.

Em representação da Ordem dos Médicos (OM), João Costa referiu que “o sistema de referenciação é dinâmico “e pode ser otimizado nas variáveis que interferem para encontrar o preço que o Estado português considere ser aceitável, daí existirem vários escalões de comparticipação”. Há ganhos que podem ser otimizados, defendeu. “Parece justo ter um sistema que se baseia num produto que depois não está disponível?”, questionou o médico, respondendo que não.

Relativamente à proposta da DECO PROteste relacionada com a majoração da comparticipação do medicamento mais barato do grupo homogéneo, Eduardo Costa explicou que existe a noção de que “os encargos do Sistema Nacional de Saúde não têm estado propriamente a diminuir, sobretudo por via do consumo”. O sistema de preços de referência induz “não apenas a escolha mais eficiente da parte do consumidor, mas também as empresas farmacêuticas a posicionarem-se estrategicamente sobre qual é o preço em que querem comprar o medicamento”. “Por si só, alterar a forma de cálculo do preço de referência não vai manter os preços da indústria farmacêutica constantes e não se traduz, de uma forma direta, numa redução de custos para o consumidor”. Eduardo Costa defendeu que isto até pode vir a acontecer, mas pode surgir também uma reação inesperada das empresas farmacêuticas de decidirem alterar o preço dos seus medicamentos. E sublinhou que algumas alterações feitas no passado já tiveram esses mesmos efeitos surpreendentes.

Promover a literacia em saúde

Inês Teixeira acrescentou, ainda, outro dado: “O preço unitário dispensado por embalagem no contexto do mercado do SNS é de 70% do preço médio que tínhamos em 2010, e o encargo do SNS é de 74%.” Pese embora os resultados do estudo da DECO PROteste, os números indicam que “o utente não está a pagar mais por embalagem dispensada”, quando se olha para este período temporal. 

A representante da Apifarma lembrou que os preços de referência já são, por si só, dinâmicos, uma vez que existe uma atualização trimestral e foi também introduzida a criação de novos grupos homogéneos mensais. O perfil de situação económica do regime especial – pensionistas – tem  uma comparticipação de 95% nos medicamentos mais baixos de cada grupo homogéneo. 

Por isso, para a diretora de Assuntos Económicos da Apifarma, a aposta deve incidir sobretudo em iniciativas relacionadas com a prevenção. “Há que pensar na literacia, não só financeira, mas relativa a comportamentos.” Para além das campanhas realizadas ao longo dos anos para promoção do mercado dos medicamentos genéricos, existe a interação direta das equipas das farmácias com as pessoas, no momento da dispensa. Existem muitas pessoas que, perante determinadas flutuações de preços, quando as mesmas não são significativas, “preferem continuar a tomar o mesmo medicamento ou da mesma marca de genéricos para não alterarem a sua embalagem”. 

Ema Paulino referiu que “estamos num mercado global de medicamentos, e o que nós pagamos hoje por um pão não é o mesmo que pagávamos há dez anos. Portanto, estarmos a pensar que vamos evoluir na sociedade, em que o pão, o leite, os custos com as casas, e tudo o resto, aumentam e que o medicamento vai perpetuamente reduzindo ao longo dos anos, é completamente insustentável”. 

Dentro do preço do medicamento, está a remuneração da investigação farmacêutica e da indústria farmacêutica de produção, o aumento de custos da distribuição e todos os requisitos de funcionamento das equipas farmacêuticas, com uma grande pressão para a elevada diferenciação e qualificação. “Queremos compatibilizar toda a excelência desta cadeia, pagando cada vez menos ao longo dos anos. Isto é pouco compatível dentro do mercado internacional, porque, ao dia de hoje, estamos a competir com outros países para ter acesso a medicamentos que são escassos.” 

No que respeita aos comportamentos que devem ser previstos quando são introduzidas alterações a um sistema que é dinâmico, a presidente da ANF considera que é muito relevante “olhar para os exemplos de outros países e alguns casos em que foram promovidos concursos para uma determinada terapêutica, com base no preço, para um determinado período”. O que se observou foi que, em determinadas circunstâncias, “houve uma subvalorização por parte da indústria farmacêutica que ganhou o concurso relativamente ao nível de fornecimento que deveria garantir e que, a partir de determinado ponto, deixou de ter o medicamento disponível e, depois, não havia outros medicamentos imediatamente disponíveis para entrar no mercado para os substituir”. 

Como fazer mais pela promoção da saúde?

Para João Costa, “não se pode desinvestir nas pessoas que têm doença para recolocar essa mesma quantidade de investimento na parte da saúde”. Considerando que “o medicamento tem um valor enorme” e que o mesmo tem de ser reconhecido – não só o medicamento inovador, mas também os genéricos –, defendeu o facto de os pensionistas serem os que mais consomem e têm acesso a uma majoração da comparticipação. No entanto, mostrou alguma dúvida sobre “em que é que os valores poupados pelas pessoas – mesmo para aquelas em que um cêntimo pode fazer a diferença – poderão significar um comportamento de uma grande poupança”.

É preciso não esquecer a ideia de que os medicamentos disponíveis e vendidos nas farmácias portuguesas são concorrentes ao nível internacional. “É normal que exista esta concorrência e que a atratividade relativa dos mercados seja relevante na decisão da empresa farmacêutica”, afirmou Eduardo Costa. Quanto ao sistema dinâmico de preço, o presidente da APES defendeu que “cada farmácia não tem disponível, neste momento, a totalidade dos medicamentos que não estão em rutura de stock ao nível nacional. As ruturas de stock de cada farmácia são muito maiores dos que os medicamentos que estão em falta ao nível nacional”. Na prática, para o consumidor, determinado medicamento pode não estar em rutura ao nível nacional, mas não estar disponível na farmácia onde se dirigir. Nesse sentido, sublinhou que “o sistema dinâmico de preços de referência seria impossível e resultaria num comportamento estratégico, por parte quer das farmácias quer da indústria farmacêutica, que pode originar conclusões de que não estamos à espera”. 

Deve ser feito um esforço de literacia, no sentido de levar as pessoas a escolherem os medicamentos mais baratos, e o papel das farmácias tem vindo a ser feito, mas há um equilíbrio complexo relativamente aos medicamentos de ambulatório e hospitalares. “No que respeita à prevenção, confesso que sou um pouco alérgico à ideia de que tem se gastar nesta área só porque sim”, adiantou Eduardo Costa. É preciso ser criterioso, medir o retorno do que é feito e perceber “no que é que estamos a gastar, onde estamos a gastar e tentar medir a efetividade e a eficácia das intervenções que decidirmos financiar”.

Ema Paulino considera outro tema pertinente: “O medicamento é o melhor investimento que se pode fazer, se pensarmos no efeito que produz, por exemplo, na melhoria de qualidade de vida e da produtividade do País.” Apesar de termos aprendido isso no contexto pandémico – “de que não há economia sem saúde –, voltamos às mesmas discussões de sempre sobre o custo dos medicamentos quando, na realidade, deveríamos perceber o retorno do investimento que temos com o facto de as pessoas estarem saudáveis”.

Saber é poder. Foi com esta premissa que este debate foi realizado. Na sessão de encerramento, Rita Rodrigues, diretora de Comunicação e de Relações Institucionais da DECO PROteste, afirmou que este evento trouxe uma conclusão percetível para todos os presentes e que é a “necessidade de empoderamento e literacia para o consumidor”. E esta é uma responsabilidade de todos. “Com este estudo, damos um pontapé de saída, mostrámos alguns caminhos, mas não queremos nem temos a intenção de substituir nem o poder político, nem o regulador.” Enquanto representantes do consumidor, o objetivo da DECO PROteste passa por “pedir que o consumidor possa ter acesso ao medicamento mais disponível na farmácia”. E, concluiu: “Queremos participar na discussão e fazer parte da solução. Esta é a nossa visão, este é o nosso compromisso.”

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