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Mais exames e tratamentos não trazem mais saúde

Muitos exames e tratamentos são desnecessários, além de poderem envolver risco para os doentes, causar ansiedade e pesar nas contas do sistema de saúde.

21 junho 2023
caixas de medicamentos com comprimidos

iStock

Medicamentos, testes, análises, exames, cirurgias e outros: o entusiasmo de diagnosticar e tratar, por vezes, vai demasiado longe. Nem todas as intervenções beneficiam a generalidade dos indivíduos da mesma forma, e muitas delas, excessivas ou desnecessárias, constituem até um fator de risco de doença, provocam ansiedade nos pacientes e sobrecarregam os sistemas de saúde em termos financeiros. Por outras palavras, a medicina também tem o potencial de prejudicar.

Origem do excesso de medicina

Este excesso tem várias explicações, que podem começar no paciente, cada vez mais preocupado com sofrer de “alguma coisa”, um medo até alimentado pela publicidade e pelas interações nas redes sociais. Não raras vezes, a publicidade contribui para a crença em resultados irrealistas. Num cenário sempre otimista, os riscos nunca são uma possibilidade.

do lado dos médicos observa-se, por vezes, o receio de falhar um diagnóstico e de suscitar queixas do doente e da família. Assim, tendem a prescrever mais meios de diagnóstico do que os desejáveis: trata-se da chamada “medicina defensiva”, criticada pela Organização Mundial da Saúde. Ou, imbuídos de uma vontade de curar a todo o custo, incluindo em situações terminais, fenómeno designado por “obstinação terapêutica”, podem ser levados a sujeitar o doente a tratamentos desnecessários e causadores de sofrimento, uma prática condenada pela Ordem dos Médicos.

A indústria farmacêutica, indispensável no desenvolvimento de novos testes e medicamentos, não deixa de ter o lucro como objetivo. E parte da inovação que apresenta nem sempre traz reais benefícios. Um estudo publicado no British Medical Journal indica que 57% dos novos fármacos para o cancro autorizados pela Agência Europeia do Medicamento de 2009 a 2013 não melhoraram a qualidade nem a esperança de vida dos doentes.

Os governos são mais um vértice do problema. Definir as políticas de saúde pode também resultar em excessos, sobretudo se os governantes forem pressionados pela opinião pública no sentido de despenderem recursos em terapêuticas que não se justificam.

Portugueses preferem exames a mudar o estilo de vida

No nosso país, o uso excessivo de recursos na área da saúde é amplamente reconhecido. Um estudo português publicado em 2013 na revista científica americana PLOS One, que inquiriu cerca de mil nossos concidadãos, apresentou resultados claros quanto ao que pensam dever ser a sua relação com a medicina: cerca de 99% consideravam que deveriam sujeitar-se a análises de rotina anualmente e 70% que deveriam ser submetidos a radiografias ao tórax a cada 15 meses. Um estudo posterior, dos mesmos investigadores, avaliou a importância atribuída pelos portugueses aos exames médicos, e concluiu que tendem a dar-lhes relevância excessiva. Atribuem até mais importância aos meios de diagnóstico do que à adoção de um estilo de vida saudável, por exemplo, a uma dieta equilibrada e ao controlo do peso e dos níveis de colesterol.

Estas crenças repercutem-se na relação com o médico. Desconhecendo os exames que se justificam e os que são desnecessários, ou mesmo arriscados em certos contextos, os doentes tendem a pressionar o profissional de saúde para que os prescreva. Em abril de 2019, foi enviado um inquérito eletrónico a todos os profissionais inscritos na Ordem dos Médicos, para avaliar o que pensavam e como procediam nestas situações. Foram obtidas 2684 respostas, que revelaram que a esmagadora maioria dos médicos consideram os exames complementares de diagnóstico excessivos e os procedimentos desnecessários, um problema (95 por cento). Cerca de metade referiu mesmo que, na prática clínica, recebia pedidos de prescrição de exames desnecessários, pelo menos, uma vez por semana. Mais: apenas 65% indicaram que quase sempre, ou frequentemente, os doentes seguiam os seus conselhos e evitavam procedimentos desnecessários.

Os excessos mais cometidos entre nós

Análises ao sangue, com destaque para o hemograma, os níveis de glicose, triglicéridos, creatinina e colesterol, bem como à urina, são os exames mais requisitados em Portugal, de acordo com um estudo do British Medical Journal conduzido por investigadores da Faculdade de Medicina do Porto. Representam, no seu conjunto, 40% dos 20 pedidos mais frequentes.

O avanço do conhecimento mostra, contudo, que os procedimentos médicos devem ser usados de forma rigorosa. Criado em 2012 nos EUA sob o nome Choosing Wisely, e transposto para Portugal como Escolhas Criteriosas em Saúde, existe um programa que visa sensibilizar médicos e doentes para a importância de decisões baseadas na evidência científica. No seu site, são elencadas várias situações frequentes e, a partir de artigos científicos, justifica-se porque nem sempre se justificam. Destacam-se cinco de seguida.

Vitamina D

A Direção-Geral da Saúde considera que a prevenção da deficiência e da insuficiência de vitamina D deve preferir medidas não farmacológicas. Em vez da toma de suplementos, sugere a ingestão de mais ovos e peixes gordos (salmão, por exemplo), assim como a exposição moderada ao sol.

Não obstante, aponta casos em que está recomendada a suplementação, como os de crianças com raquitismo causado por deficiência alimentar ou de idosos em unidades de cuidados continuados.

O excesso de vitamina D provoca níveis elevados de cálcio no sangue, com consequências para os ossos, além de perda de apetite, náuseas e fraqueza.

"Proteção" do estômago

Os inibidores da bomba de protões, como o omeprazol, destinam-se a suprimir a acidez gástrica, como sublinha o Infarmed. Não são “protetores” do estômago, a tomar em cada refeição, com o objetivo de ajudar na digestão.

Alguns estudos mostram que, em excesso, aumentam o risco de infeções gastrointestinais, lesões cutâneas e pólipos benignos no estômago. Há ainda risco de fraturas ósseas e deficiência em magnésio e vitamina B12, devido a alterações na absorção dos nutrientes. Estes medicamentos podem também interferir nos resultados de testes para a pesquisa de alguns tipos de tumores, conduzindo a falsos positivos.

Ansiedade e insónias

Portugal é dos países com maior consumo de ansiolíticos, hipnóticos e sedativos, com números particularmente preocupantes no que diz respeito às benzodiazepinas. Um Relatório do Conselho Internacional de Controlo de Narcóticos das Nações Unidas apontou Portugal como um dos três países mais consumidores deste tipo de medicamentos.

A Direção-Geral da Saúde encara o excesso como um risco para a saúde pública e, assim, aconselha que estes medicamentos sejam usados de forma criteriosa, apenas nas situações que o justifiquem, na dose mínima eficaz e durante um período limitado. As farmácias também só devem vendê-los com receita médica.
O abuso de benzodiazepinas causa, entre outros, dependência, perturbações psicomotoras, apatia, confusão e irritabilidade.

Cesariana

Portugal é dos países europeus onde mais cesarianas se executam. Do total dos partos em 2021, cerca de 38% concretizaram-se por cesariana. Comparando os estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) com os privados e sociais, resulta que aproximadamente 66% dos partos realizados por estes últimos corresponderam a cesarianas, enquanto, nos primeiros, apenas cerca de 31% recorreram à mesma técnica.

A cesariana é uma opção terapêutica válida, um avanço civilizacional até. Mas, muitas vezes, é efetuada sem razões clínicas.

Como qualquer cirurgia, envolve riscos para a mãe (por exemplo, perturbações da placenta e rotura uterina). Já o feto corre, entre outros, mais risco de problemas respiratórios nos primeiros dias de vida. A cesariana está ainda associada a maior probabilidade de diabetes e asma brônquica na infância.

Cancro da mama

Na União Europeia, está indicado o rastreio de vários tipos de tumores a cada dois anos, incluindo o da mama. Mas o grupo preferencial com recomendação para este exame é o dos 50 aos 69 anos. Mulheres mais novas estão excluídas, exceto se houver indicações (historial na família, etc.).

O rastreio não tem apenas benefícios: os riscos incluem, entre outros, exposição à radiação, falsos positivos ou falsos negativos e deteção de pequenos tumores que nunca teriam uma evolução negativa, nem causariam morte, provocando ansiedade e sofrimento, devido a um tratamento desnecessário.

Análises e exames recomendados pelas autoridades de saúde

Autoridades como a Direção-Geral da Saúde recomendam uma lista de análises e exames a indivíduos sem sintomas, em função da idade e do género. Em algumas situações, são também recomendados exames específicos para o rastreio de cancro.

Pressão arterial

A hipertensão está na origem de complicações cardíacas, como angina de peito, enfartes, alterações do ritmo cardíaco e acidentes vasculares cerebrais. São considerados elevados os valores a partir de 140/90 milímetros de mercúrio (mmHg).

A periodicidade da medição da pressão arterial varia de acordo com o perfil dos pacientes. Segundo as recomendações conjuntas da Sociedade Europeia de Cardiologia e da Sociedade Europeia de Hipertensão, a pressão arterial deve ser medida:

  • pelo menos, de cinco em cinco anos (ou com maior frequência, se houver oportunidade), no caso de indivíduos saudáveis com valores inferiores a 120/80 mmHg;
  • no mínimo, a cada três anos, em quem tem pressão arterial normal (120-129/80-84 mmHg);
  • anualmente, em pacientes com pressão arterial alta (130-139/85-89 mmHg). 

Glicemia

Os valores de glicemia (açúcar no sangue) elevados podem indicar diabetes. A partir 126 miligramas de açúcar por decilitro de sangue (análise em jejum), a situação exige acompanhamento. Compete ao médico decidir, em função do paciente, com que periodicidade devem ser verificados os níveis de glicemia.

Colesterol

O colesterol elevado é um fator de risco para as doenças cardiovasculares. O valor de colesterol total pouco diz: é preciso verificar a relação entre o chamado bom (HDL) e o mau colesterol (LDL).

A periodicidade da verificação dos níveis de colesterol depende da idade e do perfil de risco cardiovascular. Cabe ao médico decidir.

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