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Eutanásia: o que prevê a lei em Portugal e como é o procedimento

Lei da eutanásia foi aprovada em maio de 2023, mas ainda se aguarda a publicação da regulamentação em Diário da República. Três das normas da versão mais recente da lei voltaram a ser declaradas inconstitucionais. Conheça em que casos a morte medicamente assistida não é punível.

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05 junho 2025
Médico a segurar a mão do paciente

iStock

A Assembleia da República confirmou, a 12 de maio de 2023, a nova versão do diploma sobre a morte medicamente assistida, mas ainda se aguarda a regulamentação da lei. A lei da eutanásia só irá entrar em vigor 30 dias depois da publicação da regulamentação. Após o Tribunal Constitucional ter declarado inconstitucionais três normas da versão mais recente da lei, esta deverá voltar a votação na Assembleia da República, assim que entre novamente em funções, após o último ato eleitoral.  

O Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade da lei na parte relativa ao modo de intervenção do médico especialista na patologia que afeta o doente – ao não exigir que este seja examinado. Além disso, não vê a necessidade de justificar a objeção de consciência, caso um médico se recuse a realizar o procedimento da morte medicamente assistida. O terceiro ponto de discórdia diz respeito ao método utilizado: segundo o Tribunal Constitucional, não se pode deixar ao doente a decisão de a sua morte ser por suicídio ou eutanásia.  

Na Europa, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Suíça também já permitiam a prática de eutanásia. Assim como os estados de Oregon, Vermont, Califórnia e Washington, nos Estados Unidos, o Canadá, o Uruguai e a Colômbia.

Em qualquer um dos países onde a eutanásia já é praticada, o processo de autorização é complexo e implica um longo caminho burocrático. Nele, são analisados várias vezes os exames médicos, e o caso clínico é devidamente tratado por uma comissão, não apenas por um médico.

O que prevê a lei em Portugal?

A morte medicamente assistida (não punível) ocorre por decisão da própria pessoa, maior de idade, de nacionalidade portuguesa ou a residir legalmente em território nacional. Essa pessoa deve estar em situação do sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável. E pode praticá-la ou ser ajudada por profissionais de saúde.

Lei da eutanásia esclarece e clarifica conceitos

A lei esclarece estes conceitos: 

  • sofrimento de grande intensidade – aquele que decorre de doença grave e incurável ou de lesão definitiva de gravidade extrema (com grande intensidade, persistente, continuado ou permanente e considerado intolerável pela própria pessoa);
  • lesão definitiva de gravidade extrema – trata-se de uma lesão grave, definitiva e amplamente incapacitante que coloca a pessoa em situação de dependência de terceiro ou de apoio tecnológico para a realização das atividades elementares da vida diária, existindo certeza (ou elevada probabilidade) de que essas limitações venham a persistir no tempo sem possibilidade de cura ou de uma melhoria significativa;
  • doença grave e incurável – doença que ameaça a vida, em fase avançada e progressiva, incurável e irreversível, que provoca sofrimento de grande intensidade. 

A morte medicamente assistida só pode ocorrer por umas das seguintes formas:

  • suicídio medicamente assistido – quando o doente autoadministra fármacos letais, embora sob supervisão médica;
  • eutanásia – quando os fármacos letais são administrados pelo médico ou profissional de saúde habilitado para esse efeito.

Contudo, importa referir que a morte medicamente assistida só pode ocorrer através da eutanásia desde que o suicídio medicamente assistido não seja possível de realizar devido a incapacidade física do doente. Este não tem o direito de escolha entre o suicídio medicamente assistido ou a eutanásia, ao contrário do que resultava de uma proposta anterior, que, por via da interpretação, podia permitir essa possibilidade.  

Procedimento

O pedido é feito por escrito pelo doente e dirigido a um médico orientador escolhido pelo requerente. Esse médico tem a seu cargo coordenar toda a informação e assistência ao doente, ou seja, é o interlocutor principal. E emite, no prazo de 20 dias úteis, um parecer fundamentado relativo aos respetivos requisitos. O médico orientador presta também informação e esclarecimento sobre a situação clínica do doente, os tratamentos aplicáveis ao seu caso, nomeadamente na área dos cuidados paliativos e respetivo prognóstico. Se a decisão do doente se mantiver, deve ser registada por escrito.

Se o parecer do médico orientador não for favorável à morte medicamente assistida, o procedimento é cancelado e dado por encerrado. Mas poderá ser reiniciado mediante novo pedido de abertura. Por outro lado, se o parecer do médico orientador for favorável, este procede à consulta de outro médico (especialista na doença), que confirma (ou não), entre outras situações previstas na lei, o diagnóstico da situação clínica ou a natureza grave e incurável da doença. Refira-se que o parecer do médico especialista deve ser realizado no prazo de 15 dias úteis.

Se o parecer do médico especialista for favorável, o doente é informado de tal facto pelo médico orientador, que confirma novamente se a vontade do doente se mantém. 

Durante o processo, é obrigatório o parecer de um médico especialista em psiquiatria nas seguintes situações:

  • caso subsistam dúvidas sobre a capacidade do doente para solicitar a morte medicamente assistida;
  • face à possibilidade de perturbação psíquica ou condição médica que afete a sua tomada de decisões.

Se o médico especialista em psiquiatria confirmar algumas destas situações, o procedimento é cancelado.

Ainda assim, se os pareceres forem favoráveis, o médico orientador remete cópia do registo clínico especial para a Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Morte Medicamente Assistida, solicitando parecer sobre cumprimento do procedimento. Se for favorável, o médico orientador informa o doente, confirmando uma vez mais se é essa a sua vontade. 

Revogação do pedido de eutanásia

O pedido pode ser revogado a qualquer momento, o que implica o cancelamento do procedimento clínico.

Concretização do procedimento

O médico orientador combina o dia, a hora, o local (escolhido pelo doente; pode ser nos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde ou no setor privado devidamente licenciado) e o método a utilizar. Deve ainda informar e esclarecer o doente sobre os métodos disponíveis para realizar a morte medicamente assistida. Por exemplo, a autoadministração de fármacos letais pelo doente ou a administração pelo médico (ou profissional de saúde habilitado para o efeito, embora sob supervisão médica) quando o doente esteja impossibilitado de o fazer por a incapacidade física. Nesta matéria, a lei não esclarece a quem compete atestar a incapacidade física do doente ou quem assegura a supervisão médica durante o ato. Aguarda-se a regulamentação da lei para confirmar se estas questões são abrangidas.  

Se o doente ficar inconsciente antes da data marcada para a realização do procedimento, este é interrompido e não se realiza, exceto se recuperar a consciência e mantiver a decisão.

Seguro de vida

A morte medicamente assistida não é fator de exclusão no âmbito de um contrato de seguro. Contudo, depois de iniciado o procedimento clínico, não é possível proceder à alteração das cláusulas de designação dos beneficiários.

Informação na internet

A Direção-Geral da Saúde vai disponibilizar na internet uma área com informação sobre a morte medicamente assistida relativa à informação sobre procedimentos clínicos, formulários e documentos, e legislação aplicável. 

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