João Oliveira: “Este ano, esperamos ter um recorde de chamadas na linha SNS 24”

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Publicado a 04 abril 2025

A linha SNS 24 quer afirmar-se como porta de entrada no Serviço Nacional de Saúde para doenças agudas e libertar os serviços de urgência. Ainda não o conseguiu na totalidade, mas João Oliveira acredita na pedagogia como caminho para mudar a sociedade.

Luís Sousa/4See Entrevista João Oliveira

Caracterização dos serviços

“A linha não se destina a diagnósticos clínicos, mas a triagem de sintomas não urgentes e encaminhamento para o melhor nível de cuidados.”
Entrevista João Oliveira
“Se o serviço administrativo não tiver a notificação [da linha SNS 24], existe ali uma conversa didática com o doente, na qual se lhe vai dizer que deve ligar para o SNS 24.”

Quantas linhas temos? Que serviços podem ser usados pelo consumidor?

A linha SNS 24 é uma só. Tem sido nossa estratégia não colocar novos números de acesso, para que as pessoas decorem. Dentro desse número, existem derivações dos vários serviços. A opção zero é uma linha de atendimento dedicada a grávidas. Depois, temos uma linha de triagem de sintomas gerais. Individualizamos alguns sintomas respiratórios. A opção 2 é para todos os outros sintomas agudos não emergentes. Depois, ainda na área clínica, temos utentes que nos ligam porque têm uma dúvida sobre algum sintoma ou doença. Temos um conjunto de conteúdos informativos, que permite que os enfermeiros e os psicólogos, os dois grupos profissionais que dão estas informações, tenham uma base de conhecimento sólida para transmitir aos utentes. A nossa quarta opção é a linha de aconselhamento psicológico, que nasceu em abril de 2020, na altura da pandemia. Foi num contexto de alguma violência sobre os profissionais de saúde. Por último, a nossa linha de serviço administrativo, que dá todo o apoio necessário, desde a autenticação na aplicação do SNS 24 a problemas de navegação em qualquer outro portal do SNS 24. Posso dar outro exemplo: as pessoas que não consigam retirar e fazer um pedido de autodeclaração de doença podem contactar a linha e, devidamente autenticadas, conseguem fazer esse serviço.

Se transpuséssemos o serviço para uma realidade física, seria um sistema de triagem em que se encaminharia para as especialidades respetivas.

Sim, de uma forma resumida e simplista. Existe uma grande porta de entrada, que é o 808 24 24 24, e, depois, um conjunto de serviços, todos interligados. Assim, se há uma pessoa que esteja na triagem e, no final, necessita uma informação administrativa, transferimos a chamada. Não obrigamos a desligar e a ligar novamente.

Os profissionais envolvidos são enfermeiros, farmacêuticos, psicólogos… E têm médicos?

Temos médicos para o novo serviço, teleconsulta médica, que surgiu no final do ano passado. Neste momento, ainda em fase piloto, está dirigida para sintomas respiratórios agudos.

No caso de haver dúvidas no diagnóstico da situação, os enfermeiros têm backup clínico?

A linha não se destina a diagnósticos clínicos, mas a triagem de sintomas não urgentes e encaminhamento para o melhor nível de cuidados, seja a transferência para o INEM, para o serviço de urgência ou para cuidados primários, com ou sem consulta agendada. Ou, então, [a pessoas] que fiquem em autocuidados, com seguimento após algumas horas.

E se for urgente?

Em qualquer triagem, fazemos de imediato o despiste de sintomas emergentes. Se houver, o utente é transferido diretamente para o CODU [Centro de Orientação de Doentes Urgentes], que ativa os meios necessários.

Quantos profissionais trabalham nestes serviços?

O recrutamento é uma dinâmica que temos durante todo o ano. Em algumas fases, intensificamos, nomeadamente no pré-inverno, para preparar a afluência dessa época. O projeto “Ligue Antes, Salve Vidas”, que se resume à referenciação prévia, antes da entrada do serviço de urgência, ou nos cuidados primários, para doença aguda, leva a um volume de procura diário muito acima do passado. No ano passado, terminámos com mais de três milhões e meio de chamadas atendidas e, no pré-covid, tínhamos um milhão e meio. Por isso, neste momento, temos uma bolsa de cerca de três mil profissionais, que são ativados consoante a sua disponibilidade e a procura de serviços. Este número tem tendência para crescer.

Há escalões, a carreira progride dentro do sistema?

Toda a parte de gestão e dimensionamento e de pagamentos profissionais é feita junto com o operador que temos, que acompanhamos de muito perto. Têm um sistema de incentivos. O operador até o intensificou no final do ano passado, para este período de inverno, aumentou a remuneração horária, que varia: obviamente, o valor do período noturno não pode ser igual a um valor diurno, o valor de fim de semana não é igual a um valor dia de semana, ou de dias específicos do ano, festivos, que também têm de ser pagos de uma maneira diferente.

Mas é uma prestação de serviços?

Exatamente. Temos uma pool [bolsa], e alguns supervisores e coordenadores estão no serviço já há muitos anos e, obviamente, têm um contrato de trabalho habitual também. Mas a maior parte dos nossos profissionais estão em prestação de serviço.

Quem é João Oliveira?

É atualmente diretor da linha SNS 24. Integra os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde desde 2018, tendo sido distinguido pelo próprio ministério por serviços prestados durante a pandemia.

Evitar recurso desnecessário às urgências

“Através da triagem de sintomas, conseguimos identificar as pessoas que efetivamente necessitam de ir às urgências. E está a aumentar o número das que ficam noutros níveis de cuidados.”
Entrevista João Oliveira
“Enviámos 50% dos utentes triados para os cuidados de saúde primários e apenas 38% para o serviço de urgência.”

É possível extrapolar o número de idas inúteis às urgências que se evitam neste circuito?

É mais difícil, teríamos de analisar situação a situação. Este ano, vamos seguramente bater outro recorde de chamadas. Desde 1 de janeiro até 24 de fevereiro, atendemos mais de um milhão. Se pensarmos que, antigamente, muitas pessoas não conseguiam uma resposta tão rápida no sistema e procuravam um serviço de urgência de forma desregulada, podemos dizer que foram evitados 400 mil episódios de urgência espalhados pelo País, porque conseguimos uma resposta alternativa. Todos os utentes que deixamos, por exemplo, em autocuidados – mais de 360 mil, no ano passado –, se não tivessem essa resposta, possivelmente, também procurariam serviços de urgência. … Garantidamente, deixamos mais de 50% da nossa população fora dos serviços de urgência. Ontem, por exemplo, enviámos 50% dos utentes triados para os cuidados primários e apenas 38% para o serviço de urgência. Através da triagem de sintomas, conseguimos identificar as pessoas que efetivamente necessitam de ir às urgências. E está a aumentar o número das que ficam noutros níveis de cuidados. Há uma mudança do tipo de utente que nos liga. Antigamente, eram muito mais pessoas que ficavam em casa, com autocuidados, ou que iam para os cuidados de saúde primários. Uma vantagem deste sistema é diminuir a imprevisibilidade, tanto de chamadas para o SNS 24, como de episódios no serviço de urgência. Quando tivermos este projeto ["Ligue antes, salve vidas"] implementado ao nível nacional, cada hospital passa a saber que, em média, vai receber X utentes no seu serviço de urgência. Isso traz vantagens ao nível de gestão, ao nível do utente... E traz outro tipo de vantagens, que é evitarmos, nos serviços de urgência, utentes que não precisam. Também gostaria de realçar que o agendamento nos cuidados de saúde primários pelo SNS 24 já ultrapassou 400 mil consultas.

No seguimento da triagem?

Sim. Sempre que o utente tem condições para ir para o centro de saúde e este já pertencer a uma ULS [Unidade Local de Saúde] que esteja no projeto “Ligue antes, salve vidas”, vamos ver em sistema se há vaga em 24 horas. Se houver, o utente sai da chamada do SNS 24 com uma data e uma hora agendadas. Sabe que, naquele dia ou no seguinte, tem consulta. Nos casos em que não existe o projeto, enviamos uma notificação para a unidade de saúde a dizer que o utente foi referenciado e que deve ser marcada uma consulta. Obviamente, coloca ao utente alguma obrigatoriedade de ir buscar aquela resposta.

Apesar disso, temos tido notícias de algumas disfunções, como a referenciação para uma urgência fechada, um homem em situação urgente, à porta de um hospital, que teve de ligar...

São situações distintas. O sistema de triagem é de apoio à decisão e de fluxo de encaminhamento. Quando é determinado o nível de cuidados que o utente deve seguir, tenho de perguntar qual o concelho onde está naquele momento. Nessa área, existe um conjunto de hospitais abertos. Esta informação, de estar aberto ou fechado, é carregada no outro sistema de informação [pelos hospitais] a que todos os hospitais e centros de saúde têm acesso. Esse caso, muito falado na altura do Natal, foi uma falha de comunicação da ULS. Isso foi aferido. Mas o mais importante é que o sistema consiga identificar e resolver essas falhas. Mas, tirando um caso ou outro, não tem havido problemas. Numa linha que atende praticamente 20 a 26 mil chamadas por dia, se isso fosse um problema, o sistema já teria colapsado. O serviço não tem interrupção, nem ao fim de semana. O outro caso [do homem caído à porta da urgência], não me cabe a mim comentar. É uma situação que tem de ser gerida pelo próprio hospital. O projeto "Ligue antes, salve vidas", não impede que as pessoas sejam atendidas no serviço de urgência. O que apela é a uma mudança de comportamento da sociedade. Obviamente que, situações de emergência têm de ser atendidas no local adequado, seja por via do INEM, seja por via do serviço de urgência. Essas situações devem estar acauteladas, e estão. Não é um caso pontual que faz toda a verdade.

Existe uma tipificação dos casos que chegam diretamente ao hospital?

O serviço administrativo do hospital tem acesso a todas as referenciações que o SNS24 emite para aquele hospital. Portanto, se o serviço administrativo não tiver a notificação, existe ali uma conversa didática com o doente, na qual se lhe vai dizer que deve ligar para o SNS 24. Essa articulação é feita também presencialmente, e obviamente que há aqui uma fase de adaptação.

Como funciona a linha SNS 24

“Todos os utentes que ficam em autocuidado têm uma chamada de seguimento do SNS 24.”

Se o utente ficar em casa, em autocuidado, o SNS 24 volta a contactá-lo?

Exatamente. Todos os utentes que ficam em autocuidado têm uma chamada de seguimento do SNS 24. E, além de ficar agendado logo no final da primeira chamada, enviamos um SMS a dizer que o SNS 24 o vai contactar no espaço de X minutos, através daquele contacto telefónico, para fazer o seguimento da sua situação.

E os outros reencaminhamentos para os cuidados de saúde primários? Têm informação se as consultas se realizam?

Sim, o sistema de monitorização permite-nos saber que as pessoas que são referenciadas ou agendadas nos cuidados de saúde primários efetivamente cumpriram a nossa orientação. O agendamento de consulta nos cuidados de saúde primários tem uma grande adesão, porque a pessoa sai da chamada telefónica e sabe a data e a hora que vai ter a resposta. Para o serviço de urgência também temos a confirmação, no sistema de monitorização, de quem se dirige ao serviço de urgência depois da nossa referenciação.

Em relação à linha psicológica, se detetarem algum problema que precise de acompanhamento também é referenciado?

O serviço de aconselhamento psicológico identifica qualquer situação crítica que tenha necessidade de ser encaminhada. A chamada é transferida para o serviço de triagem com prioridade, e a pessoa é referenciada para o serviço de urgência, enviada imediatamente para o INEM, ou para os cuidados de saúde primários.

Há também uma linha para medicamentos.

É o aconselhamento de medicação não sujeita a receita médica. Existe um conjunto grande de medicamentos que podemos comprar livremente na farmácia. As pessoas podem ter dúvidas em dosagem, sobredosagem… Esse serviço não está disponível logo no front office [linha da frente] do SNS 24, porque queremos garantir que a pessoa não tem qualquer sintoma grave. Se não tiver, fazemos interação com esse serviço, onde existem farmacêuticos que prestam esse aconselhamento.

Falou-se de uma linha dirigida ao suicídio...

Sim, esse serviço também está a ser desenvolvido, junto da Comissão Nacional de Políticas de Saúde Mental. A seu tempo será divulgado. Mas também é uma linha que vai estar em estreita articulação com a de aconselhamento psicológico. Mas ainda não está em vigor.

A teleconsulta é um serviço recente. Como é que se marca?

Foi lançada no final do ano passado, é um projeto-piloto dedicado a infeções respiratórias agudas. Não se faz a pedido do doente. Trata-se de uma consulta feita devido a uma situação aguda, que não necessita de uma observação presencial por um profissional de saúde, e que pode ser feita remotamente. De forma muito resumida, é proposta ao doente uma consulta à distância com um médico especialista em medicina geral e familiar, que trabalha no SNS 24. Se o utente aceitar, a teleconsulta é agendada para o próprio dia ou para o seguinte de manhã, por exemplo. Há situações que não requerem ser vistas na próxima hora ou passadas duas horas, pode ser daí a oito horas. Em caso de dúvida, o doente também pode ligar-nos novamente, e podemos rastreá-lo de novo. O projeto-piloto agora vai arrancar 24 horas sobre 7 dias. Antigamente, era só durante o período diurno.

Como se processa?

A partir do momento em que é agendada, é enviado um link por SMS ao utente, com algumas instruções, e um formulário que deve preencher. O formulário é integrado no nosso sistema. O médico tem acesso e, além dos sintomas que vieram da triagem, já tem a história clínica antes de iniciar a teleconsulta. E isto faz com que tenham alguma otimização de tempo. O projeto começou em dezembro do ano passado e, até ontem [24 de fevereiro], já temos mais de 3400 teleconsultas realizadas. As pessoas têm vindo a acreditar no sistema, e até posso dizer que algumas ficam surpreendidas: como é que estão a ter uma triagem, conseguem ter uma teleconsulta após algumas horas, com possibilidade de o médico prescrever exames simples, medicação, exatamente como se se estivesse numa consulta presencial.

A teleconsulta justifica faltas ao trabalho, por exemplo? O médico pode passar uma baixa?

O médico pode passar um certificado de incapacidade temporária. Obviamente que isso é sempre muito bem gerido. Só é passado em situações em que não é mesmo possível a pessoa apresentar-se. Estamos a falar dos quadros clínicos que nós temos, obviamente que não são quadros clínicos graves. Esses casos são muito esporádicos.

O serviço de teleconsulta é um projeto-piloto dedicado a infeções respiratórias agudas. Trata-se de uma consulta feita devido a uma situação aguda, que não necessita de uma observação presencial por um profissional. É proposta durante a chamada telefónica e não se faz a pedido do doente.

Reclamações

“Brevemente, teremos também um formulário no portal do SNS 24 que permitirá à pessoa expor a sua situação, para que possamos tratar todas as reclamações, sugestões e pedidos de ajuda.”

Se algo correr mal, a quem é que as pessoas se podem dirigir?

As pessoas têm sempre os nossos canais. Podem dirigir essa reclamação através da linha telefónica e dos serviços administrativos. Também através da Entidade Reguladora da Saúde. Brevemente, teremos também um formulário no portal do SNS 24 que permitirá à pessoa expor a sua situação, para que possamos tratar todas as reclamações, sugestões e pedidos de ajuda.

E que reclamações têm normalmente?

Obviamente, em períodos de grande pressão no serviço, em que os tempos de espera são um pouco mais alargados, as pessoas reclamam. Outra reclamação é que a pessoa tinha a expectativa de ser encaminhada para um serviço de urgência, mas clinicamente não tinha essa necessidade, foi encaminhada para os cuidados de saúde primários. Gera-se ali algum desconforto. E algumas reclamações, muito poucas, de doentes encaminhados para uma unidade que estava fechada.

Há pessoas que não conseguem ligar...

Acho estranho. Acredito que algumas pessoas tenham alguma dificuldade em selecionar uma opção. Temos alguns tempos de espera, nomeadamente à segunda-feira – é o dia da semana que mais pessoas nos ligam. O período da manhã, das 7 às 10 da manhã, é o que tem mais procura, e depois, ao final do dia, a partir das 6 da tarde, talvez, até às oito da noite.

 

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