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Cessão de créditos a fundos: DECO PROteste exige lei que proteja os consumidores

A diretiva europeia que protege os consumidores em caso de cessão de créditos a fundos de investimento ainda não foi transposta para a legislação nacional, embora o prazo tenha terminado no final de 2023. Regras comunitárias garantem aos consumidores o direito de renegociarem os créditos.

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24 abril 2024
Grande plano de umas mãos com documentos a passar a outra pessoa; maquete de pequena casa à frente, sobre uma mesa

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A cessão de crédito malparado a fundos de investimento tem deixado muitas famílias desprotegidas, nos últimos anos. Mas a diretiva europeia que reforça a proteção dos consumidores, dando-lhes margem para renegociarem os contratos, tarda em ser transposta para a legislação nacional. Portugal já foi advertido pela Comissão Europeia, uma vez que o prazo para a transposição terminou no final de 2023, mas não há sinais de que o vazio legal que vigora atualmente esteja próximo do fim.

A DECO PROteste, que tinha já denunciado este problema em 2020, sublinha a urgência da adoção das regras comunitárias e reivindica medidas adicionais para a proteção dos consumidores cujos créditos – incluindo os hipotecários – são vendidos a sociedades gestoras e fundos internacionais. 

Consumidores desprotegidos

Quando famílias em dificuldades deixam de conseguir pagar atempadamente as prestações dos créditos, estes são frequentemente agrupados em carteiras de “créditos não produtivos” (em inglês, “non-performing loans” ou NPL) e vendidos pelos bancos a entidades terceiras. Nestas situações, os consumidores passam a prestar contas a empresas com as quais não assinaram qualquer contrato, empresas essas que se tornam detentoras dos direitos e garantias associados aos empréstimos, assegurando a gestão e a cobrança das dívidas. Muitas vezes, à primeira falha no pagamento da prestação, exigem o pagamento imediato e integral das dívidas, o que, no caso do crédito hipotecário, pode culminar na perda da habitação dada como garantia.

A cessão dos empréstimos a fundos ou sociedades gestoras não depende do consentimento dos consumidores, embora estes possam apresentar uma reclamação à instituição de crédito quando tal ocorre. Uma vez concretizada a transferência, mesmo que aqueles voltem a ter condições para pagar as prestações, estão impedidos de retomar o cumprimento normal dos seus créditos. Isto porque, se o contrato for cedido a uma entidade não supervisionada pelo Banco de Portugal, os consumidores deixam de estar protegidos pelos mecanismos que os bancos são obrigados a acionar em casos de sobre-endividamento, como o PARI e o PERSI.

Além disso, embora a lei obrigue a que o devedor seja notificado pelo banco sobre a cessão do seu crédito a terceiros, em muitos casos, o dever de informação não é inteiramente cumprido. A lei apenas refere que a notificação deve ser feita “por qualquer meio”, sendo o mais comum o correio normal. Basta que a correspondência se extravie para que os consumidores não sejam informados atempadamente sobre a cedência do crédito.

Quem for notificado sobre a cedência do seu crédito a terceiros, deve contactar por escrito a entidade em causa, através dos contactos indicados na notificação, de modo a saber qual o valor em dívida e quais os meios de pagamento aceites. Os comprovativos de quaisquer pagamentos que sejam efetuados, bem como o registo escrito de eventuais negociações, devem ser sempre conservados.

Diretiva europeia: transposição em suspenso

A Diretiva 2021/2167 reforça a proteção dos consumidores nesta matéria, mas Portugal tarda em transpor as novas regras. A legislação comunitária estabelece, por exemplo, que “as regras nacionais e da União em matéria de defesa dos consumidores continuem a vigorar e que os direitos dos devedores continuem a ser os mesmos que decorriam do contrato de crédito inicial”. Ou seja, no caso português, os consumidores poderão acionar os mecanismos previstos em caso de incumprimento, algo que não é possível neste momento. Poderão ainda, por exemplo, manter o crédito na instituição bancária através de uma eventual renegociação. 

Além disso, a diretiva impõe que os consumidores sejam informados de forma clara sobre as alterações em causa, os prazos e os meios de reclamação, entre outras exigências.

No que toca às entidades que adquirem os créditos e que passam a gerir as dívidas, a diretiva exige que os respetivos reguladores supervisionem as reclamações dos consumidores e proíbe “o recurso à coação e ao assédio” para o pagamento das dívidas. Como a DECO PROteste deu conta em 2020, de modo a reaverem rapidamente o investimento, os grandes fundos internacionais que adquirem estes créditos contratam, por sua vez, empresas nacionais de recuperação de dívidas. Estas, escudando-se na falta de regulação deste setor de atividade, recorrem, muitas vezes, a métodos intimidatórios para cumprirem o objetivo.  

DECO PROteste exige reforço dos direitos dos consumidores

Além de exigir a adoção da diretiva comunitária, a DECO PROteste considera que a legislação nacional deve ser ainda mais exigente no que respeita à possibilidade de renegociação das dívidas, salvaguardando os interesses dos consumidores que, entretanto, tenham passado a reunir condições para retomar o pagamento pontual dos seus créditos.

Deve ainda ser mais específica quanto aos meios admissíveis para informar os clientes sobre a cessão do crédito, garantindo que estes tenham conhecimento atempado sobre a cessão do crédito e possam impedi-la em determinadas condições. 

Porque cedem os bancos créditos a terceiros?

A cessão de crédito malparado a sociedades financeiras ou fundos de investimento é uma forma de os bancos tentarem manter os seus balanços financeiros limpos e cumprirem os rácios de solvabilidade impostos pelos reguladores. Além disso, ficam isentos dos custos associados às cobranças e à execução das dívidas.

O negócio é particularmente lucrativo para os grandes fundos internacionais que adquirem estes créditos a preço baixos, recuperando rapidamente o investimento ao exigirem aos devedores o pagamento da totalidade das dívidas. 

 

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