Notícias

Aumentos nas telecomunicações: reduzir prazos de fidelização não é suficiente

Diminuir o prazo máximo de fidelização nas telecomunicações pode promover a redução dos preços, a entrada de novos operadores no mercado e a mobilidade dos clientes. Mas é preciso mais para agitar um setor em que nada acontece há mais de dez anos, a favor do consumidor.

08 março 2023
Conceito de rede de telecomunicações

iStock

A DECO PROTESTE fez as contas ao impacto dos aumentos de até 7,8% anunciados pelos três principais operadores de telecomunicações no início desde ano, e que causa indignação nos consumidores, sobretudo entre quem está fidelizado, e aponta para que um cliente com um plano de fidelização a decorrer possa pagar entre 2,8 e 4,8 euros por mês a mais pelos pacotes com três e quatro serviços. Estas ofertas representam mais de 80% do mercado.

Os preços dos novos contratos podem mesmo superar esta variação do indexante. Os preços atuais dos planos com três e quatro serviços (os chamados 3P e 4P) dos três principais operadores estão até 12,9% mais caros comparando com novembro de 2022.

A maioria dos contratos, contudo, prevê estas alterações nos preços.

A percentagem de aumento nas telecomunicações comunicada pelos operadores corresponde ao valor do índice de preços no consumidor para 2022 definido pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Este indexante é usado em muitos dos contratos de telecomunicações desde 2017.

A Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) considerou este aumento "injustificado" e propôs ao Governo a redução do prazo máximo das fidelizações de 24 meses – o máximo legal permitido pela União Europeia e o prazo mais comum nos contratos em Portugal – para seis meses, bem como a limitação dos casos em que podem existir novas fidelizações.

A DECO PROTESTE entende que a medida é benéfica, desde que não haja acréscimos desproporcionais de custos face aos planos de 24 meses para o consumidor.

Reduzir os períodos máximos de fidelização nas telecomunicações pode abrir a porta a um mercado tendencialmente mais concorrencial. Idealmente, a consequência seria a diminuição dos preços. Mas esta não pode, contudo, ser vista como uma simples relação de causa e efeito. Há outros fatores cruciais para baixar os custos das telecomunicações: aumentar a mobilidade dos consumidores e a concorrência – efetiva – entre operadores.

Períodos mais curtos de fidelização, consumidores mais livres

O impacto da redução do prazo máximo de fidelização pode fazer “abanar” a base de clientes dos operadores, atualmente muito estável (fruto das muitas vinculações de dois anos e sucessivas refidelizações), obrigando o setor a criar novas estratégias, mais dinâmicas e concorrenciais, para conquistar e reter clientes.

Segundo dados da Associação dos Operadores de Comunicações Eletrónicas (Apritel), 94% dos clientes de telecomunicações estão vinculados a um período de fidelização, que é, na esmagadora maioria dos casos (85%), de 24 meses.

A retenção, porém, deverá, cada vez mais, ser originada pela satisfação dos clientes com o serviço e menos por uma imposição decorrente de um prazo de fidelização.

Apesar de o problema de fundo das telecomunicações persistir há largos anos – falta de concorrência efetiva no setor, há muito dominado pelos três operadores, com pacotes e serviços de características e preços muito alinhados –, estas medidas poderiam facilitar a entrada de novos operadores no mercado português.

Os potenciais novos players, atualmente confrontados com uma carteira de clientes muito reduzida, devido ao elevado número de clientes fidelizados aos três grandes operadores, encontrariam consumidores mais livres das amarras das longas fidelizações e refidelizações.

Atualmente, os portugueses continuam a dispor de poucas alternativas reais na altura de contratar um serviço de telecomunicações. Por outro lado, chegada a hora, o desejo ou a necessidade de desistir do contrato, as dificuldades e os entraves são grandes.

A recém-criada plataforma de cessação de contratos de telecomunicações veio aliviar o processo. Mas a ferramenta só resolve parte do problema, visto que os custos de rescisão antecipada dos contratos mantêm-se elevados em muitas situações.

Aliar esta diminuição do teto máximo de vinculação à possibilidade de estabelecimento de novo período de fidelização contratual (refidelização) apenas em situações em que haja lugar à subsidiação de equipamentos ou do valor da instalação dos serviços, como propõe a Anacom ao Governo, contribuiria, de igual modo, para reduzir o número de pessoas eternamente fidelizadas a um operador.

Governo diz que “vai analisar” proposta da Anacom

A proposta da Anacom seguiu para as mãos do Executivo, mais concretamente para o Ministério das Infraestruturas e da Habitação, no início de fevereiro, na semana em que os operadores de telecomunicações MEO e NOS aumentaram o preço dos seus serviços até 7,8%, cumprindo o anunciado escassas semanas antes. A Vodafone Portugal fará os mesmos aumentos em março.

O Governo já fez saber que “vai analisar” a proposta do regulador das telecomunicações.

A redução do prazo máximo das fidelizações implica, em princípio, fazer alterações à Lei das Comunicações Eletrónicas, em vigor desde novembro passado, após um autêntico sprint depois de uma maratona para a aprovar após a descida à especialidade, em agosto.

Apritel rejeita diminuir limite máximo de fidelização

A Apritel recusa a recomendação da Anacom para a redução do prazo máximo das fidelizações, evocando, precisamente, as alterações legislativas aprovadas há apenas seis meses.

A associação, que junta os principais operadores de telecomunicações, escuda-se também no Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, que prevê, “como regra”, diz a Apritel, o período de 24 meses de fidelização. No texto da diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas lê-se, contudo, que “os Estados-Membros podem adotar ou manter disposições que estipulem períodos máximos mais curtos para o compromisso contratual”.

Mas mais pode e deve ser feito para baixar os preços das telecomunicações

A redução dos prazos de fidelização de 24 para seis meses é um caminho para diminuir os preços dos serviços de telecomunicações. O fim dos prazos de fidelização poderia produzir um abalo ainda mais impactante. Mas não chega. Os longos períodos de fidelização não são a única razão para a escassez de opções à disposição do consumidor. 

Partilha de infraestruturas por imposição regulatória

A falta de mais ofertas e mais concorrência deve-se também à inexistência de uma regulação que incentive atuais e novas empresas a competirem no mercado português.

Uma solução possível seria a introdução de uma oferta regulada direcionada para o mercado grossista de telecomunicações, mercado este que, simplificando, vende os seus serviços (infraestruturas) por "atacado".

Um exemplo é o que já acontece com a rede móvel e os Operadores Móveis Virtuais (os MVNO, em inglês, ou seja, Mobile Virtual Network Operators). Mediante a negociação com um operador estabelecido e com infraestrutura própria, esses operadores podem obter a concessão de uma parcela desta infraestrutura. Isto permite que uma empresa que deseje oferecer um serviço diferente e queira liberdade para construir o seu pacote de serviços e preços possa fazê-lo, sem necessidade de montar toda uma nova infraestrutura completa e, claro, do respetivo investimento. O "casamento" entre a Lyca Mobile, que tem pacotes com maior quantidade de dados móveis e ligações internacionais, comparando com a concorrência, e a rede da Vodafone é a materialização deste mecanismo.

Porém, no caso das redes fixas (fibra, cabo e ADSL), a única possibilidade, e que é o que acontece atualmente, passa pela partilha de uma parte da infraestrutura gerida pela MEO. Esta infraestrutura consiste, sobretudo, num vasto conjunto de condutas e postes necessários para encaminhar as cablagens dos novos operadores. Só assim estes conseguem obter uma determinada cobertura para os seus serviços. Qual é o senão? Todas as cablagens e restantes equipamentos têm de ser assegurados pelo novo operador, o que implica um investimento considerável e pode desincentivar o potencial novo player de entrar no mercado português. 

Ora, uma forma de minorar o investimento inicial de um potencial novo operador pode passar por replicar o que já acontece com os Operadores Móveis Virtuais. Os operadores estabelecidos, com infraestrutura própria, teriam – por imposição regulatória – de reservar e direcionar parte de sua capacidade operativa para outras empresas que queiram oferecer serviços de telecomunicações, recebendo em troca uma "renda regulada" pelo serviço. A composição dos pacotes e os preços praticados por essas empresas seriam, igualmente, independentes do operador que fornecesse as infraestruturas.

Além do aumento da concorrência, que traria benefícios ao consumidor final, dado o aumento da quantidade de prestadores e opções de serviços, também os operadores poderiam rentabilizar a sua capacidade não utilizada. 

A criação de meios para que esta solução se torne realidade, bem como a sua regulação, devem ser responsabilidades da Anacom. É ao regulador que cabe assegurar que a partilha de infraestruturas é feita de forma justa, com preços máximos definidos. Deve garantir também que os operadores possam competir entre si pelas vendas grossistas a potenciais novos prestadores no mercado português.

Aumentar a oferta individualizada de serviços a preços mais baixos

Noutro plano, há que avançar também para uma oferta de serviços individualizada, que termine com o domínio dos pacotes, e vá ao encontro das reais, e tantas vezes mais diminutas, necessidades dos consumidores.

Esta mudança obriga a uma alteração das estratégias comerciais por parte dos operadores e aumenta a transparência e o escrutínio sobre como são fixados os preços dos pacotes e dos serviços individuais.

Imagine-se um consumidor adepto, sobretudo, dos serviços de streaming que só quer ter um serviço de internet em casa, fixa. Antes de mais, tem dificuldades em encontrar a oferta deste tipo de serviço através dos sites dos principais operadores. São necessários vários cliques para conseguir ver o preço da internet fixa. Na maior parte dos casos, esta informação está nos campos "outras ofertas" ou "veja mais".

E depois depara com ofertas menos atrativas, com velocidades inferiores às que compõem os pacotes de três serviços (TV, net e voz), até os mais básicos, e com pequena diferença de preços.

Exemplos (preços recolhidos a 3 de março de 2023):

MEO 

Oferece um serviço de intenet fixa, mas com uma velocidade de apenas 30 Mbps.

  • TV+Net+Voz (200 Mbps): 40,99 € (29,90 € nos primeiros quatro meses)
  • Net+Voz (100 Mbps): 31,99 €
  • Net (30 Mbps): 24,90 € (limite 500 GB de tráfego)

NOS

  • TV+Net+Voz (200 Mbps): 41,49 € (29,90 € nos primeiros quatro meses)
  • Net (100 Mbps): 29,90 €

Vodafone 

O preço da oferta de internet fixa individual não está acessível; o consumidor só tem acesso ao preço dos pacotes. O mais básico que existe é composto por dois serviços: Net + Voz.

  • TV+Net+Voz (500 Mbps): 41,50 € (33,50 € nos primeiros seis meses)
  • Net+Voz (400 Mbps): 35,50 €

NOWO 

Apenas com serviço móvel incluído.

  • TV+Net+Voz (500 Mbps): 27,50 € (12,50 € nos primeiros seis meses)
  • Net+Móvel (120 Mbps): 20 €

Medidas para enfrentar aumentos de 7,8% precisam-se. Já

A DECO PROTESTE defende que Governo e Anacom têm de concertar posições para negociar limites ao que os operadores podem cobrar nesta atualização de preços. E alerta que, mesmo em período de fidelização, o aumento de custos deve ser anunciado de forma clara aos clientes.

Já em 2017 que a defesa do consumidor denunciou os operadores por aumentarem os preços sem a devida comunicação legal. Esta comunicação teria ainda de mencionar a possibilidade de rescisão de contrato sem custos para o consumidor, uma vez que havia uma alteração das condições contratuais.

Foi a partir de então que a generalidade dos contratos passou a conter uma cláusula de indexação dos preços à taxa de inflação.

Para já, urgem medidas para enfrentar o problema mais premente: os até 7,8% de aumento que os portugueses já estão a suportar na fatura das telecomunicações. Tal como a energia e a água, também as telecomunicações são considerados serviços essenciais.

Se gostou deste conteúdo, apoie a nossa missão

Somos a DECO PROTESTE, a maior organização de consumidores portuguesa, consigo há 30 anos. A nossa independência só é possível através da sustentabilidade económica da atividade que desenvolvemos. Para mantermos esta estrutura a funcionar e levarmos até si um serviço de qualidade, precisamos do seu apoio.

Conheça a nossa oferta e faça parte da comunidade de Simpatizantes. Basta registar-se gratuitamente no site. Se preferir, pode subscrever a qualquer momento.

 

Junte-se a nós

 

O conteúdo deste artigo pode ser reproduzido para fins não-comerciais com o consentimento expresso da DECO PROTESTE, com indicação da fonte e ligação para esta página. Ver Termos e Condições.