Suplementos alimentares para o cérebro funcionam mesmo?
O que diz a ciência sobre alguns ingredientes tipicamente presentes em suplementos que alegam melhorar o desempenho intelectual? A DECO PROteste pesquisou e indica o que está (ou não) demonstrado sobre os ómega-3 EPA e DHA, ginseng e ginkgo biloba.

O consumo de suplementos alimentares mais do que duplicou em Portugal entre 2013 e 2023. Segundo dados de 2023, estima-se que quase dois milhões de portugueses, mais concretamente, cerca de 27% da população entre 15 e 74 anos, tomam estes produtos, quando eram apenas 13% em 2013.
Não surpreende, por isso, que, em março de 2025, 6% da faturação total das farmácias tenha sido com estes produtos, onde se incluem os suplementos para o cérebro.
À venda em farmácias, parafarmácias, supermercados e lojas de produtos naturais, estes suplementos alimentares são promovidos como benéficos para o desempenho intelectual. Para responder a dúvidas frequentes, a DECO PROteste analisou a evidência disponível sobre alguns ingredientes que incluem. Confrontou as alegações de saúde que apresentam com os efeitos comprovados (ou não) pela ciência.
De que são feitos e o que alegam os suplementos para o cérebro?
Em maio de 2025, a DECO PROteste fez uma ronda por algumas farmácias, parafarmácias e outras lojas de bem-estar-estar e saúde. Recolheu oito suplementos para o cérebro que estavam à venda, cujos preços variam entre cerca de 23 e 33 euros por caixa de 30 a 60 cápsulas.
Eis os suplementos usados para este estudo:
- Absorvit Smart Plus (inclui ómega-3 EPA e DHA)
- Acutil (inclui ómega-3 EPA e DHA e Ginkgo biloba)
- Cerebrum + Ginkgo biloba (inclui Ginkgo biloba e Ginseng)
- Ergyfosforyl (inclui ómega-3 EPA e DHA)
- Mental Action Estudantes (inclui ómega-3 EPA e DHA, Ginkgo biloba e Ginseng)
- Primus Função Cerebral (inclui ómega-3 EPA e DHA)
- Proxon Função Cerebral (inclui ómega-3 EPA e DHA)
- Win-Fit MC Função Cerebral (inclui ómega-3 EPA e DHA, Ginkgo biloba e Ginseng)
Estes suplementos incluem, frequentemente, dois ácidos gordos essenciais – os ómega-3 EPA e DHA –, mas também Ginseng (Panax ginseng) e Ginkgo biloba, dois ingredientes botânicos. Vejamos qual a evidência científica acerca destes elementos.
DHA e EPA: dois tipos de ómega-3
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Exclusivo
Para continuar, deve entrar no site ou criar uma conta .O DHA (ácido docosahexaenoico) e o EPA (ácido eicosapentaenoico) são ácidos gordos ómega-3 de cadeia longa importantes para várias funções do organismo. Participam na produção de eicosanoides – como as prostaglandinas, tromboxanos e leucotrienos –, substâncias que desempenham um papel fundamental em processos fisiológicos, como a resposta inflamatória, a coagulação sanguínea, os mecanismos de vasodilatação e vasoconstrição, bem como na modulação da resposta imunitária.
Além disso, são componentes estruturais fundamentais das membranas celulares. Por essa razão, tem sido levantada a hipótese de que possam proteger também a função cognitiva, ajudando a preservar a estrutura e a função das células.
Vários estudos observacionais sugerem, de resto, que o consumo regular de peixe (rico em ómega-3) está associado a um menor risco de desenvolver demência, declínio cognitivo ou doença de Alzheimer. Contudo, este tipo de estudos apenas demonstra associações, sem conseguir estabelecer uma relação de causa e efeito.
Importa ainda referir que alguns ensaios clínicos realizados com suplementos de DHA e EPA para avaliar esta hipótese não mostraram, na verdade, benefícios na função cognitiva, quer em adultos mais velhos saudáveis, quer em pessoas com doença de Alzheimer, quando comparados com um placebo (substância ou intervenção que não contém um efeito terapêutico específico para a condição em estudo).
Ginkgo biloba: tradição sem provas
Muito usado na medicina tradicional chinesa, o extrato de folhas de Ginkgo biloba é utilizado para várias condições, como ansiedade, declínio da função cognitiva, demência, esquizofrenia, entre outras. Este ingrediente também tem sido promovido com a alegação de que contribui para melhorar o desempenho cognitivo.
No entanto, apesar de numerosos estudos sobre os possíveis efeitos do Ginkgo biloba, não existe evidência conclusiva de que seja eficaz no tratamento de qualquer condição de saúde, segundo uma revisão recente do National Center for Complementary and Integrative Health (NCCIH), a agência norte-americana que explora abordagens de saúde complementares e integrativas.
Ensaios clínicos realizados para avaliar a sua eficácia na prevenção e no tratamento de doenças, como a doença de Alzheimer e a demência vascular, também não demonstraram benefícios consistentes.
Apesar de alguns estudos com doentes de Alzheimer sugerirem um possível efeito na prevenção da deterioração cognitiva, investigações mais recentes e com melhor qualidade metodológica não identificaram benefícios relevantes ao nível da cognição, funcionalidade ou humor.
Por sua vez, uma revisão do UpToDate – uma plataforma digital que providencia informações clínicas atualizadas baseadas na evidência – concluiu que o Ginkgo biloba não parece ser eficaz na prevenção da progressão para demência. Também não demonstrou melhorar a memória em adultos com uma cognição normal.
Este ingrediente botânico pode, além disso, causar efeitos adversos como hemorragias, especialmente em pessoas que tomam anticoagulantes.
Ginseng: potencial promissor, mas ainda incerto
O Ginseng (Panax ginseng) também é tradicionalmente usado para melhorar a função cognitiva. Apesar do número crescente de investigações sobre Ginseng, a sua eficácia clínica continua controversa.
Segundo uma revisão recente da agência norte-americana NCCIH, a maioria dos ensaios clínicos realizados apresenta limitações metodológicas, nomeadamente amostras de pequena dimensão (menos de 200 participantes) e análises de curta duração (inferiores a três meses). São, por isso, necessários estudos mais amplos e de maior duração para avaliar de forma mais robusta os seus efeitos.
Outra revisão sistemática recentemente publicada na revista Phytotherapy Research analisou 15 estudos envolvendo um total de 671 participantes, incluindo indivíduos saudáveis, pessoas com défice cognitivo, esquizofrenia, doença de Alzheimer ou hospitalizadas. A maioria dos estudos utilizou preparações à base de Ginseng.
Os resultados indicaram alguns efeitos positivos na melhoria da cognição, sobretudo da memória. No entanto, os autores também concluíram que são necessários mais ensaios clínicos de elevada qualidade metodológica para determinar, de forma consistente, os efeitos deste ingrediente sobre a função cognitiva.
Falhas nos rótulos dos suplementos
A maioria dos requisitos legais exigidos para a rotulagem destes suplementos são respeitados.
Por exemplo, todos incluem advertências de precaução, como "devem ser guardados fora do alcance de crianças" e "a toma diária não deve ser excedida". Também referem que "os suplementos alimentares não substituem uma alimentação equilibrada e variada".
Contudo, a DECO PROteste considera que existem possíveis inconformidades e pontos a melhorar na rotulagem de seis dos oito produtos analisados (imagem a seguir).

A DECO PROteste comunicou as possíveis irregularidades e os pontos que considera importante melhorar às autoridades competentes, nomeadamente à Direção-Geral da Alimentação e Veterinária (DGAV) e à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE).
Quais as inconformidades e pontos a melhorar assinaladas?
- Em alguns suplementos, verificam-se diferenças entre a ordem dos componentes na lista de ingredientes e na tabela nutricional (Mental Action Estudantes, Acutil e Absorvit Smart Plus), o que pode gerar confusão. Tal pode explicar-se pelo facto de a lista apresentar os ingredientes por ordem decrescente do peso utilizado no fabrico, enquanto a tabela nutricional mostra a quantidade de cada nutriente fornecida por dose diária recomendada.
- A forma como as vitaminas e minerais são referidos na rotulagem não está conforme o estipulado na legislação em vigor (caso da biotina, no Mental Action Estudantes).
- A referência aos ingredientes nem sempre vem acompanhada da quantidade ou percentagem do valor de referência do nutriente (VNR), face à dose diária recomendada (caso do magnésio, no Cerebrum + Gingko biloba).
- A advertência obrigatória de edulcorantes, quando presentes na composição, deve constar junto da denominação de venda ("suplemento alimentar"). Mas está ausente em alguns suplementos (caso do sorbitol ou xarope de sorbitol nos produtos Acutil, Primus, Proxon e Absorvit Smart Plus). Ingredientes como o sorbitol desempenham múltiplas funções e, nestes casos, a legislação vigente prevê a indicação da sua função principal no género alimentício em questão. Não obstante, para uma informação mais completa e transparente para o consumidor, a DECO PROteste defende que a presença de edulcorantes deveria vir sempre assinalada na rotulagem, mesmo quando a sua função principal não é a edulcoração.
- Dois suplementos com cafeína não incluem, de forma adequada, a advertência obrigatória de que contêm esta substância, pelo que não são recomendados a crianças e grávidas (Cerebrum + Gingko biloba e Mental Action Estudantes). A menção "contém cafeína" deve constar no mesmo campo visual do que a denominação de venda (“suplemento alimentar”) e indicar o teor de cafeína, expresso em função da dose diária recomendada na rotulagem.
Suplementos não são medicamentos
Não sendo medicamentos, os suplementos alimentares não podem alegar propriedades profiláticas ou curativas. Contudo, podem apresentar algumas alegações de saúde, desde que devidamente permitidas.
O processo de avaliação e aprovação das alegações de saúde envolve duas entidades distintas:
- a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) – responsável pela avaliação científica;
- e a Comissão Europeia, que toma a decisão final de aprovação ou rejeição com base no parecer da EFSA.
Entre todos os ingredientes analisados, só existe, até à data, uma alegação de saúde aprovada e diz respeito ao ómega 3 do tipo DHA (ácido docosahexaenoico), estando relacionada com a função cerebral: “Contribui para a manutenção de uma função cerebral normal.”
Para que esta alegação possa ser utilizada, o consumidor deve ser informado de que o efeito benéfico é obtido com uma ingestão diária de 250 miligramas. Todos os suplementos alimentares com DHA analisados pela DECO PROteste cumprem estes requisitos.
Revisão das alegações em lista de espera é urgente
Existem suplementos para o cérebro com alegações de saúde que ainda não foram devidamente avaliadas pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) nem aprovadaspela Comissão Europeia.
Estas alegações dizem especificamente respeito aos ingredientes botânicos, como o Gingko biloba e o Ginseng. Constam de uma “lista de espera” cuja avaliação está suspensa há mais de uma década. Enquanto se aguarda por uma decisão final sobre cada uma delas, os fabricantes podem usar essas alegações de saúde, desde que respeitem algumas condições, como, por exemplo, não fazerem referência à saúde ou ao desenvolvimento das crianças, nem à redução do risco de doenças.
Para a DECO PROteste, esta situação é inadmissível. A atual indefinição regulatória abre espaço à promoção de alegações potencialmente enganosas:
- a presença de alegações de saúde no rótulo confere credibilidade aparente ao produto.
- não há transparência sobre o estado da avaliação científica dessas alegações.
- os consumidores não têm uma forma prática de distinguir entre alegações aprovadas e alegações ainda em análise.
Por exemplo, é possível encontrar-se em alguns suplementos alimentares (como o Win-Fit MC) as alegações de que o Ginkgo biloba “contribui para a melhoria do desempenho cognitivo” e que o Ginseng “contribui para a promoção do estado de alerta”. No entanto, como já referido, estes benefícios ainda não foram devidamente ponderados pelas autoridades competentes.
É urgente fazer uma revisão célere das alegações "em lista de espera" para garantir que a rotulagem passe a incluir apenas alegações cientificamente validadas. Só assim se assegura a transparência no mercado dos suplementos alimentares e se protege os consumidores da exposição a informação potencialmente enganosa.
Precisa mesmo de suplementos? 5 alertas para decidir
1. Suplementos alimentares não são medicamentos
Não se destinam a prevenir, tratar ou curar doenças, incluindo patologias neurodegenerativas como a doença de Alzheimer.
2. Incluem ingredientes sem eficácia comprovada
Apesar da sua popularidade, há suplementos para o cérebro com ingredientes cuja eficácia não foi devidamente comprovada. De todos os ingredientes analisados, apenas o DHA tem uma alegação de saúde devidamente aprovada relacionada com a manutenção das funções cerebrais.
3. Não substituem uma alimentação equilibrada
Na maioria dos casos, uma dieta variada e equilibrada fornece todos os nutrientes essenciais de que o corpo e o cérebro precisam. Por exemplo, o consumo de peixes gordos (salmão, sardinha, cavala) é a forma mais eficaz de obter ácidos gordos ómega-3.
4. Recomendados para situações específicas
A suplementação pode ser recomendada — por exemplo, em pessoas com défices nutricionais identificados. A decisão deve ser tomada em conjunto com um profissional de saúde, tendo em conta a condição clínica e a medicação habitual, de forma a evitar interações indesejadas. Por exemplo, o Ginkgo biloba pode interagir com medicamentos anticoagulantes, como a varfarina, aumentando o risco de hemorragia.
5. Utilização cuidadosa
Quem toma suplementos alimentares deve ler atentamente as instruções, respeitar a dose diária recomendada e evitar tomas prolongadas sem aconselhamento médico.
Nenhum suplemento alimentar substitui hábitos de vida saudáveis. Uma alimentação equilibrada e variada, a prática regular de atividade física, o descanso adequado e a estimulação cognitiva continuam a ser as estratégias mais eficazes para proteger a sua saúde cerebral e funções cognitivas.