Notícias

Chef Paulo Morais: "Queremos ensinar que comer é divertido"

"De pequenino se torce o pepino" é o projeto que põe jovens universitários a ensinarem crianças e adolescentes a comerem de forma saudável e sustentável. Paulo Morais explica a importância para quem ensina e para quem aprende.

Paulo Morais

João Ribeiro

Mestre na arte do sushi e do sashimi, o chef Paulo Morais é também professor de cozinha, na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril e um dos responsáveis pelo projeto "De pequenino se torce o pepino".

Na cozinha, serve-se, sobretudo, de ingredientes locais e da época. Prega a diversificação alimentar, a sustentabilidade e o combate ao desperdício. E esforça-se por transmitir estes valores aos seus alunos.

Leciona uma disciplina prática, de Cozinha, mas quer ver aplicados todos os conceitos aprendidos nas disciplinas mais teóricas, como a de Dietética e a de Higiene e Segurança Alimentar. Acompanha, juntamente com outros professores, os estudantes finalistas em projetos que os põem em contacto com a realidade exterior à escola, incluindo populações específicas, como idosos e crianças.

Que projetos são estes, que levam os alunos para o exterior da escola?

Eles estão no 3.º ano. Já aprenderam as bases da cozinha internacional, no geral, da cozinha portuguesa, europeia… Depois, no último semestre [do curso], trabalhamos em conjunto com a professora de Dietética, e fazemos com que tudo aquilo que estão a aprender seja aplicável. Porque uma coisa é dizermos que só devemos usar 1,5 gramas de sal na comida, por refeição, outra é termos noção do que isso significa. Faz todo o sentido aplicar isso nas aulas.

Há uns anos, a professora [de Dietética, na altura] Cláudia Viegas e a chef Ana Lins começaram a trabalhar mais em conjunto, no sentido de pôr as duas cadeiras em sintonia. Foi aí que começámos a desenvolver os projetos. Temos sempre dois temas para os alunos escolherem. Este ano foi a alimentação saudável para crianças, a que chamámos "De pequenino se torce o pepino".

O outro era a alimentação para idosos, o "Criar afetos". Este é giro, porque mandamos os alunos para um centro de dia falar com os idosos, de forma a perceberem as dificuldades que têm, as memórias… A partir daí, criam ementas equilibradas. Por exemplo, notam muito que pessoas que vivem sozinhas não têm paciência para cozinhar ou que se esquecem do fogão ligado. Então, têm de pensar em receitas práticas para várias refeições. Por exemplo, se comprar um peixe, posso grelhá-lo e, depois, desfiá-lo e fazer uma salada ou usar numa sopa, e por aí adiante.

Please fill the source and the alt text 
"Os produtos nacionais e da época são mais fáceis de encontrar e ficam mais em conta", lembra Paulo Morais.

E o das crianças, quando começou e como tem corrido?

Começou há cinco ou seis anos, com crianças partir dos dois, três anos, até aos 15 ou 16, mais ou menos. Pedimos [aos alunos] para perceberem quais os problemas das crianças em termos alimentares e a forma de puxá-las para a cozinha. Fazemos workshops interativos com elas, para perceberem que cozinhar é divertido. A ideia é levá-las a juntarem-se aos pais, quando estão a cozinhar, e sugerirem coisas.

Os workshops são realizados nas escolas?

Depende da disponibilidade das escolas para receberem um workshop. Podem também vir à escola do Estoril. Corre sempre muito bem. Os miúdos ficam supermotivados. Tentamos que os workshops sejam o mais interativos possível. Não lhes ponho facas na mão, mas calçam umas luvas e montam qualquer coisa, como um pedaço de carne, um pedaço de legumes, enrolar... Coisas muito simples, que eles possam perceber e pôr as mãos na massa.

O que pretendem passar nesses workshops?

Acima de tudo, que comer é divertido e que se pode comer de forma saudável, porque temos muitos ingredientes que são saudáveis. Este ano, estamos muito focados na dieta mediterrânica, porque é considerada uma das mais saudáveis do mundo. São os nossos alunos que criam as receitas. Pedimos que pensem sempre primeiro nos legumes, em vez de pensarem na proteína.

A redução da proteína tem cada vez mais importância. E diversificar ao máximo, ou seja, não ficarem focados só no pepino ou no tomate, por exemplo, mas pensarem noutros ingredientes que podem utilizar. E também perceber outras maneiras de fazer, de apresentar, para que tanto os nossos alunos como quem eles vão ensinar sintam curiosidade em aprender mais sobre os ingredientes.

Então, por exemplo, como se pode preparar o tomate de outra forma?

Pode fazer-se uma espécie de gomas, sem usar açúcar, em que só utiliza a gelatina. Fica um snack. A cozinha é uma alquimia. Muita física e muita química. Procurarmos outras maneiras de fazer torna-a mais interessante. Toda a gente pensa em não desperdiçar alimentos. Quando fazemos um tomate concassé – usado para a polpa – o que podemos fazer com a pele e com as sementes? A pele pode-se fritar e fazer um snack, ou desidratar no forno.

Devemos reduzir a proteína animal. Quando se consome, o que se deve privilegiar?

Carnes mais magras e peixe diversificado. Diversificar significa também fugir das espécies mais ameaçadas e recorrer às menos usadas, como é o caso da cavala, do carapau e do sargo.

Diz que o salmão não entra na sua cozinha. Porquê? Sendo cozinha japonesa...

Tradicionalmente, os japoneses não utilizam salmão no sushi, nem no sashimi. Têm imenso e comem imenso salmão, mas é cozinhado. Razão número dois: não é da nossa costa. Com a nossa variedade de peixe, porque havemos de ter salmão no sushi? Não faz sentido.

A sustentabilidade também é, para si, uma preocupação.

Sem dúvida. É muito importante perceber que é preciso diversificar. Não vamos comer só tomate e pepino, quando podemos comer pimento, alfaces, rúculas... A sazonalidade também é muito importante. Vamos ao supermercado e temos beringelas e curgetes o ano inteiro. Não estou a dizer que, às vezes, não sejam bons. Mas era preferível consumirmos os produtos nas alturas certas, não só por uma questão de preço, mas também para aproveitar o que os nossos agricultores produziram.

Os alunos aceitam bem as ideias?

Sim, e percebem. Agora, para este trabalho, pediram-me pêssegos. Mas não estamos na altura deles. Então, disse-lhes que pêssegos, nesta altura, só de lata. É a alternativa.

Nas receitas, também têm em conta o preço?

Dizemos para usarem os produtos mediterrânicos e da época. Como é lógico, acabam por ser mais baratos do que a quinoa ou os abacates, que vêm não sei de onde. Usarmos esses produtos locais, sazonais, fica muito mais em conta. Depois, também são mais fáceis de encontrar, para que as crianças e os pais façam as receitas.

O projeto toca também nas questões da obesidade?

Quando falamos em comer de forma saudável, esse tema está inerente. Não estivemos, como em outros anos, a desenvolver receitas mesmo para crianças obesas. Aqui, dirigimo-nos às crianças em geral. Estamos focados no "De pequenino se torce o pepino", no sentido de, desde cedo, se habituarem a comer o mais saudável possível.

Sabemos que as crianças gostam de doces. Que lugar têm nas ementas que prepararam?

Não têm. Temos entradas, sopas, pratos principais e snacks. Estes têm um pouco de pastelaria. A ementa contempla as várias refeições, porque os alunos têm de aprender a equilibrar. Se derem toda a parte do sal ou da proteína [numa refeição], na outra refeição não vai haver. Têm de dividir da melhor forma, com o valor nutricional adequado. Quando vão cozinhar, têm de seguir a receita. Estou lá a fiscalizar.

Parece-lhe uma mais-valia serem os jovens a fazer os workshops?

Para os nossos alunos, são desenvolvimentos. Para dar um workshop, tem de se estudar imenso. E saber explicar. Daí ter-lhes pedido, também, um guião. Para perceberem que não é só cortar. Têm de perceber se as crianças estão a apanhar a mensagem. Na altura da pandemia, fazíamos os workshops via Skype ou Zoom. Eles criavam maneiras de comunicar e havia muita interação.

É um projeto para continuar? Parece-lhe que pode melhorar a qualidade alimentar?

Sim, sim. Sendo uma escola prática, como é a Escola de Hotelaria, não faz sentido os alunos terem aulas de Dietética e não poderem aplicar na cozinha. Terem aulas de Microbiologia e não poderem aplicar. A interação entre as cadeiras é muito importante. No semestre passado, nas aulas de pastelaria, fizeram muitos trabalhos em parceria com as aulas de Tecnologia Alimentar e Desenvolvimento de Produtos. Com o chef de pastelaria aprenderam a substituir o açúcar, as claras e por aí adiante. Os nossos alunos aprendem e transmitem conhecimento. Trabalhar com escolas fora da nossa é uma mais-valia para todos.

Se gostou deste conteúdo, apoie a nossa missão

Somos a DECO PROTESTE, a maior organização de consumidores portuguesa, consigo há 30 anos. A nossa independência só é possível através da sustentabilidade económica da atividade que desenvolvemos. Para mantermos esta estrutura a funcionar e levarmos até si um serviço de qualidade, precisamos do seu apoio.

Conheça a nossa oferta e faça parte da comunidade de Simpatizantes. Basta registar-se gratuitamente no site. Se preferir, pode subscrever a qualquer momento.

 

JUNTE-SE A NÓS

 

O conteúdo deste artigo pode ser reproduzido para fins não-comerciais com o consentimento expresso da DECO PROTeste, com indicação da fonte e ligação para esta página. Ver Termos e Condições.