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Fraudes digitais: conheça o plano de proteção para não cair na armadilha

A DECO PROteste juntou-se à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, que regula o mercado de capitais, para traçar um plano de prevenção. Contam-se em dezenas ou centenas de milhares de euros as poupanças perdidas pelos consumidores em burlas online.

Editor:
29 outubro 2025
Fraudes digitais

iStock

"Precisamos de ter a humildade de percebermos que qualquer um pode cair." As palavras são de Marisa Coelho, especialista na área financeira, que ouve as queixas dos consumidores endereçadas ao Serviço de Informação da DECO PROteste. Pessoas desesperadas, que perderam dezenas ou centenas de milhares de euros de poupanças em esquemas financeiros online, esperam obter conselhos para recuperarem ou, pelo menos, pararem de perder dinheiro.

As plataformas digitais trouxeram oportunidades de conhecimento, mas são também terreno fértil para burlas. As ferramentas de inteligência artificial generativa vieram agravar o fenómeno. Vídeos falsificados, com o rosto e a voz de ilustres conhecidos, como o primeiro-ministro ou o presidente da Caixa Geral de Depósitos, a aconselharem certos "investimentos", têm suscitado interrogações junto do Serviço de Informação da DECO PROteste.

E esta é a postura certeira. Interrogar, duvidar e desconfiar são os verbos a conjugar, quando surgem promessas de superlucros, em pouco tempo e, o melhor, tudo garantido, sem sombra de risco. A prevenção é a melhor forma de reduzir a probabilidade de ser vítima de um esquema, e aquela nasce da literacia financeira. Esta é a convicção de Maria João Teixeira, diretora do Departamento de Supervisão Comportamental e do Investidor, da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), a entidade que regula o mercado de capitais.

Lucros elevados, sem risco, é algo que não existe. Depois de cair na armadilha, é quase impossível recuperar o dinheiro, observa Florbela Razina, diretora do Departamento de Supervisão Presencial e de Investigação, também da CMVM. Muitas destas plataformas estão alojadas em jurisdições não cooperantes, fora da União Europeia. Mas, mesmo que o regulador ordene o bloqueio do acesso em Portugal, as mesmas podem reaparecer com outro nome.

A DECO PROteste cerrou fileiras com a CMVM, e cruzou as queixas que tem recebido com informações recolhidas junto do regulador, para preparar um plano de prevenção contra as fraudes financeiras online.

Mais informação? Ouça o episódio do podcast POD Investir com Marisa Coelho e aceda ao e-book sobre Cibersegurança, com dicas para manter um comportamento seguro online.

Consumidores perdem milhares de euros em poupanças

A mente a saltitar entre postagens e vídeos de redes sociais, e o polegar a deslizar para cima e para baixo – pouca atenção resta para análise crítica. Aumenta a probabilidade de clicar num link malicioso ou de fazer fé em fotos e vídeos falsificados, sobretudo se promovidos por influencers que exibem uma vida de luxo e sucesso.

As imagens geradas por inteligência artificial podem ainda mostrar falhas, mas são sobretudo visualizadas em smartphones, com pequenos ecrãs, que tendem a mascarar os defeitos.

Neste ecossistema, os seniores, a quem sobra mais tempo, e os jovens, que procuram soluções rápidas, são dois grupos vulneráveis, reconhece Maria João Teixeira.

Não agir por impulso é o antídoto proposto por Marisa Coelho. Naquele momento em que a pressão e a tentação perturbam o discernimento, aconselha, "o melhor é parar, e ligar para alguém" que preste um esclarecimento sério. Estão em causa as suas poupanças, por vezes, reunidas ao longo da vida.

As queixas que têm chegado à DECO PROteste mostram perdas, por vezes, avultadas. Exemplos? Um subscritor revela ter sido contactado por alguém que se dizia consultor de uma plataforma de criptomoedas, através da qual, em tempos, até tinha investido. A voz do outro lado da linha garantia haver um lucro de 15 mil euros por receber. Para ser levantado, só era preciso depositar 200 euros. Após muita pressão, acabou por transferir o dinheiro. Ato contínuo, a pessoa desligou. A vítima ainda pediu de volta os 200 euros, dizendo abdicar do pretenso lucro. Responderam-lhe que, para isso, teria de transferir mais 15 mil euros...

Um segundo caso relatado envolveu o depósito de 30 mil euros numa alegada corretora. Uma vez concretizado, surgiu a pressão para que fossem transferidos mais 50 mil euros. De contrário, não seria possível aceder aos 30 mil iniciais nem aos lucros entretanto gerados.

Com 145 mil euros retidos numa plataforma sediada no Reino Unido, outro subscritor foi ameaçado com um reporte à Autoridade Tributária portuguesa, que taxaria os ganhos a 28%, caso quisesse aceder aos fundos. Neste momento, pretende apenas fechar a conta, sem nada receber.

Um crescendo, que começou em 250 euros e se prolongou por transferências de 500, 1000 e 10 mil euros, redundou em perda total para mais um subscritor. As tentativas de recuperar o dinheiro foram ignoradas pela entidade ou contempladas com evasivas.

Interessante, por revelar o nível de sofisticação das burlas, é o caso de uma subscritora que afirma ter perdido 58 mil euros, mais ativos no valor de 320 mil euros, em mais um esquema relacionado com plataformas de investimento. O caso passou-se em 2024 e foi reportado às autoridades. Mas, recentemente, o marido da subscritora foi contactado por uma segunda entidade, que tinha conhecimento do montante em causa e que dizia que os fundos estavam apenas "pendentes", pelo que poderiam ser recuperados.

Tudo aponta, segundo Marisa Coelho, para que casos idênticos sejam uma fraude em cima da fraude inicial. Não é de descartar que estas entidades estejam associadas às plataformas que executam primeiramente os esquemas, pois estão na posse dos contactos das vítimas e conhecem o volume das perdas. Pelos seus "serviços" de recuperação de fundos, pedem uma comissão à cabeça. O mais provável é que, sendo paga, desapareçam de novo, e o consumidor seja burlado segunda vez.

Como investir as suas poupanças com segurança

Os esquemas reportados à DECO PROteste podem ser agrupados em função de duas lógicas. Por um lado, existem situações de burla (crimes). Por outro, pode ser exercida uma forte pressão sobre as vítimas, para investirem em produtos que pensam ser seguros, mas que envolvem um risco muito elevado.

É o caso dos chamados contratos por diferença, conhecidos pela sigla CFD. Tomemos como exemplo uma ação cotada em bolsa, que até pode encontrar-se numa fase de valorização. Ao aderir a um CFD, o investidor não está a comprar a ação, mas a apostar no preço que aquela vai atingir, um exercício arriscado, que se salda em perdas elevadas para a larga maioria.

Vivemos, neste sentido, um paradoxo: nunca a regulação foi tão apertada, com mecanismos para tornar os investimentos legalmente seguros, mas também nunca os esquemas atingiram este grau de sofisticação. Mesmo produtos legais, como os CFD ou as criptomoedas, podem ser usados como chamariz.

Informação fiável e verificada é, pois, imprescindível. O site e as revistas da DECO PROteste, mas também o Portal do Investidor, desenvolvido pela CMVM, são da maior utilidade para quem pretende aplicar as suas poupanças. Aqui, pode encontrar, entre muitas informações, a lista das entidades autorizadas a operarem em Portugal e alertas sobre as que o não são, além de recomendações, um espaço para reclamações e denúncias e explicações sobre o Sistema de Indemnização aos Investidores (SII). Tudo em linguagem descomplicada.

Não perca, tão-pouco, o Guia do Investidor e as dicas dos vídeos no YouTube da CMVM. A melhor estratégia, claro está, é a prevenção.

Vale também o contacto direto. "Podem contactar-nos para tirar dúvidas, pedir esclarecimentos ou até para saber qual é a melhor forma de reclamar do modo como foram prestados serviços por certo intermediário [habilitado]", lembra Maria João Teixeira.

5 tipos de burlas que chegam à CMVM

No Portal do Investidor, pode também encontrar a tipologia dos esquemas que chegam ao regulador e as dicas para lhes escapar. Eis cinco dos mais relevantes.

1. Plataformas de investimento falsas

  • O esquema. Cópias de sites de investimento reais, muito bem construídas, com contactos e testemunhos falsos e selos de "supervisores", são o chamariz para esta fraude. As vítimas são induzidas a criar conta, introduzir dados bancários e pessoais, que podem ser usados para novos esquemas, e, claro, a transferir dinheiro. No princípio, tudo corre bem. Semanalmente, chegam os relatórios que comprovam os lucros. O problema surge na hora de levantar o dinheiro. A plataforma deixa de responder.
  • Sinais de alerta. Preste atenção a domínios um pouco alterados, como ".co", em vez de ".com". Depois, siga a regra do bom senso, e desconfie de promessas de ganhos irrealistas, que visem espoletar a urgência de depositar fundos. Idem para pedidos insistentes de transferências cada vez mais avultadas. Aliás, não deve enviar mais dinheiro para desbloquear o acesso ao que já entregou. Saiba ainda que os selos de certificação ou logótipos devem ser clicáveis e remeter para entidades legítimas. Se tal não suceder, não é bom sinal.

2. Aplicações fraudulentas

  • O esquema. Um perfil no Instagram, com milhares de seguidores, anuncia-se como "analista certificado" e apresenta provas de lucros em tempo real numa app de investimentos, que diz permitir ganhos diários. Convencida deste sucesso, a vítima cria conta, indica dados bancários e transfere dinheiro. O saldo sobe nos dias seguintes, mas, de repente, a conta é bloqueada. Para piorar a situação, os dados pessoais e bancários foram capturados.
  • Sinais de alerta. Apps que não estejam em lojas oficiais, como a Google Play e App Store, são de rejeitar. Tão-pouco deve aceder a pedidos para aceder à sua lista de contactos e a passwords bancárias, ou para transferir dinheiro fora de apps oficiais. A compra de ativos e os saldos de conta devem ser acompanhados de um comprovativo oficial: não chega aparecerem na app. Não se deixe enganar por perfis recentes, mas com muitos seguidores e poucos comentários, sobretudo se houver erros ortográficos nas publicações. E, em fotos geradas por inteligência artificial, procure inconsistências nas proporções, na anatomia, na iluminação, etc.

3. Contacto da parte de uma instituição falsa

  • O esquema. Mensagens no WhatsApp, no Telegram ou nas redes sociais, que recorrem a logótipos de bancos e informam de que o destinatário acaba de ser selecionado para um "investimento seguro e lucrativo", são a armadilha para capturar os incautos. O remetente, que se diz consultor financeiro, envia um link para o "contemplado" começar a investir. O objetivo é levar a vítima a fornecer dados ou a fazer transferências rápidas.
  • Sinais de alerta. Mensagens com erros de português ou de formatação do texto, ainda que subtis, devem merecer toda a sua desconfiança. O mesmo vale para a urgência em clicar num link, pagar ou enviar dinheiro. Se não lhe derem tempo para ponderar todos os fatores envolvidos, não avance. Mais: compare os links que recebeu com os endereços oficiais do banco. E verifique a informação na mensagem junto da instituição, pelos contactos oficiais, antes de partilhar quaisquer dados ou autorizar pagamentos. Lembre-se: os burlões apostam na pouca atenção das vítimas.

4. Esquemas em pirâmide

  • O esquema. O conselho pode vir de um familiar ou amigo, que não é impossível estar a ser burlado também. Uma plataforma de investimentos promete ganhos avultados (por exemplo, 10% por semana). A vítima investe, e os pagamentos são até regulares. Confiante, convida mais conhecidos. Ao fim de algum tempo, a plataforma fecha, e todo o dinheiro desaparece. Os primeiros investidores são pagos com o dinheiro dos que chegam a seguir, para criar uma ilusão de lucros constantes e angariar mais vítimas.
  • Sinais de alerta. Rendimentos elevados, constantes, em pouco tempo e sem risco? Já sabe, é coisa que não existe. Se não lhe explicarem a origem dos ganhos (no presente caso, é o dinheiro das vítimas que se seguem), abstenha-se de investir. A pressão para recrutar investidores, com o argumento de que, desta forma, subirá de nível e ganhará mais dinheiro, pode criar uma falsa sensação de exclusividade, e deve fazer soar todas as campainhas. Os pagamentos deixam de chegar quando as vítimas falham em angariar novos participantes.

5. Publicidade enganosa

  • O esquema. Anúncios nas redes sociais promovem "oportunidades únicas de investimento" em empresas conhecidas, de forma segura e com capital garantido. Preenchido o formulário de adesão, a vítima é contactada por alegados consultores financeiros, que a convencem a fazer depósitos. São modestos de início (por exemplo, 250 euros), mas, pouco depois, os telefonemas tornam-se diários, com pressão para investir mais. Ao fim de algum tempo, são já milhares de euros. Contudo, os produtos em causa são arriscados e complexos, não acessíveis a investidores inexperientes. Ao tentar reaver o dinheiro, a vítima é ameaçada com taxas.
  • Sinais de alerta. Anúncios que usem logótipos e nomes de empresas conhecidas podem ser enganosos. Confirme pelos canais oficiais da entidade se está a promover tais investimentos. Não preencha formulários com dados pessoais ou bancários, sem garantir a sua legitimidade. Não ceda à pressão para investir. E, antes de aplicar o seu dinheiro, confirme se a entidade está habilitada a prestar serviços financeiros em Portugal.

Como apurar se foi vítima de esquema

Se, mesmo assim, cair num esquema, é importante perceber o que, de facto, aconteceu, para determinar os passos a seguir. Como esta avaliação nem sempre é acessível à vítima, o mais simples é recorrer ao regulador, que pode funcionar enquanto porta de entrada no circuito da denúncia.

A CMVM, explica Florbela Razina, analisa o caso e identifica o tipo de conduta em causa, para saber se esta cai no âmbito das suas competências. Se estiver envolvida uma entidade sem autorização para prestar serviços em Portugal, o regulador "tem competências diretas de atuação, ou seja, de investigação e sanção". Pode, por exemplo, determinar a remoção de conteúdos online ou o bloqueio de determinada plataforma em Portugal.

Mas, muitas vezes, surgem esquemas fraudulentos associados a uma aparente prestação de um serviço de investimento. "A CMVM não tem capacidade para investigar esse tipo de situações, que são do foro criminal", esclarece. Os lesados devem, por isso, fazer a denúncia também junto da Polícia Judiciária e do Ministério Público.

Não obsta a que, em situações desta natureza, a CMVM reúna a informação entregue pelo denunciante e/ou resultante das suas investigações, e também comunique o sucedido às autoridades, tal como realça Florbela Razina. Pode fazê-lo revelando a identidade do lesado, se tiver autorização deste. Mas, ainda que a não obtenha, pode fazê-lo de forma anonimizada, se, por exemplo, concluir que o esquema está a lesar várias pessoas e que há interesse em dar conhecimento às autoridades.

Pode até acontecer que estas estejam já ao corrente de tal esquema, por via de outras fontes, e que a informação agregada pela CMVM acabe por contribuir para as investigações. Florbela Razina destaca, de resto, o reforço da cooperação com as autoridades, o que tem permitido perceber tendências dos esquemas e definir linhas de atuação.

Veja os conselhos das especialistas

Maria João Teixeira reforça a importância da literacia financeira. "A primeira linha de defesa é o investidor fazer o seu trabalho e desconfiar quando alguma coisa lhe parece demasiado boa." Ainda assim, reconhece, "mesmo que desconfiem, por vezes, as pessoas deixam-se tentar, ou dizem 'vou pôr só 100 euros'". Depois de entrarem, é-lhes pedido mais dinheiro, e torna-se difícil reaverem o que investiram. "Se perceberem que estão numa situação de fraude e lhes pedirem para transferirem mais dinheiro, não o façam. Contactem a CMVM e as autoridades judiciárias, e protejam-se o mais possível: bloqueiem contactos e contas, não deixem os dados que indicaram permanecerem ativos."

Florbela Razina põe o acento também na prevenção: "Quanto mais e melhor informados estiverem os potenciais investidores, menor será a probabilidade de caírem num esquema fraudulento."

Marisa Coelho, por sua vez, alerta para contactos não solicitados e para contextos em que é transmitido um sentimento de oportunidade, que pode escapar pelos dedos a qualquer momento. E lembra: nem mesmo a recomendação de um familiar ou amigo deve servir de garantia. Muitas vezes, essa pessoa desconhece que está também a ser vítima de fraude.

O que fazer se for vítima de uma burla financeira

Siga os passos para garantir que a sua queixa chega a bom porto.

  • Reúna toda a informação sobre o caso: transferências, e-mails, printscreens, mensagens de WhatsApp, Telegram ou redes sociais, enfim, todos os elementos que possam fazer prova.
  • Peça informações à DECO PROteste. Pode telefonar, enviar e-mail ou recorrer à plataforma Reclamar.
  • Contacte a CMVM. Meios acessíveis não faltam: pode fazer chegar o seu caso pela linha verde (800 205 339, das 9h00 às 18h00), por e-mail, pelo canal de denúncias do Portal do Investidor ou até pelo Instagram ou pelo LinkedIn.
  • Analisada a situação, se cair na área de atuação da CMVM (por exemplo, um serviço fornecido por uma entidade não habilitada), o regulador pode investigar e sancionar. Tratando-se de um crime, faça chegar a denúncia também à Polícia Judiciária, que tem uma unidade de combate ao cibercrime, e ao Ministério Público.

 

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