Entidade reclamada:
Coverflex, Lda.
Emissão e gestão do cartão: Pecunpay – Pecunia Cards E.D.E., S.L.U.
Empresa empregadora: InnoWave Technologies
Consumidor: João Palma
Exmos. Senhores,
Apresento reclamação formal contra a Coverflex e a Pecunpay pela retenção indevida do saldo de €2.762,24 existente no meu cartão refeição Coverflex, após a cessação da minha relação laboral com a empresa InnoWave Technologies, em fevereiro de 2025.
🔹 1. Natureza do saldo – retribuição em espécie
O saldo em causa resulta de remuneração em espécie (benefício social) atribuída pela minha entidade empregadora, integrando portanto retribuição nos termos dos artigos 258.º e 273.º do Código do Trabalho.
Assim, o valor creditado constitui património do trabalhador, não podendo ser retido, apropriado ou revertido por terceiros (Coverflex ou Pecunpay) sem base legal ou consentimento expresso.
O facto de o cartão ser emitido pela Pecunpay e gerido pela Coverflex não altera a titularidade material dos valores.
A distinção entre “titular formal” (entidade que emite o cartão) e “beneficiário material” (trabalhador que recebe o benefício) é reconhecida na lei e jurisprudência nacional e europeia — tal como ocorre em cartões multibenefício, vales sociais ou outros instrumentos de pagamento de benefícios.
🔹 2. Falta de fundamento legal e enriquecimento sem causa
A Coverflex alega que, após 180 dias da cessação da conta, o saldo “é utilizado para cobrir os custos do período sem encargos para a empresa e o colaborador”.
Tal alegação carece de qualquer base legal, contratual ou documental que legitime essa compensação unilateral..
Nenhum Termo e Condição público ou cláusula contratual prevê que, após 180 dias, os valores creditados deixem de pertencer ao trabalhador.
O que está previsto é apenas que o saldo “poderá ser usado durante 180 dias”, não que a propriedade do valor cessa ou se transfere.
Tal prática configura enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 473.º do Código Civil, e violação dos deveres de boa-fé e lealdade contratual (artigos 227.º e 762.º do Código Civil).
Para além disso, a coverflex alega que o saldo “corresponde a moeda eletrónica de aceitação restrita, emitida pela Pecunpay nos termos do Decreto-Lei n.º 91/2018”.
Contudo, este diploma não autoriza a apropriação do saldo por parte do emissor ou do intermediário.
O artigo 8.º do DL 91/2018 impõe obrigações de salvaguarda de fundos de clientes, e não a possibilidade de retenção ou absorção dos mesmos após o termo de um contrato.
Mesmo após cessar a relação com a entidade empregadora, o saldo representa moeda eletrónica já emitida, ou seja, fundos detidos em nome e por conta do beneficiário — e deve permanecer disponível ou reembolsável, salvo perda do direito por lei (o que não é o caso).
Conclusão:
A apropriação do saldo constitui enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 473.º do Código Civil, dado que a Coverflex e/ou a Pecunpay retêm fundos de titularidade alheia sem contraprestação nem base normativa.
Esta retenção viola ainda o princípio da boa-fé contratual (art. 227.º do Código Civil).
🔹 3. Responsabilidade e omissão de notificação válida
A Coverflex afirma que a obrigação de notificar o trabalhador quanto ao prazo de 180 dias caberia à entidade empregadora (InnoWave).
Contudo, sendo a Coverflex o prestador de serviços responsável pela gestão e interface direta com o utilizador, e dispondo dos meus dados pessoais (incluindo email pessoal), tinha o dever de diligência e transparência previsto nos artigos 312.º e 314.º do Código Civil, bem como no Decreto-Lei n.º 91/2018 (PSD2) que regula prestadores de serviços de pagamento.
Não recebi qualquer notificação válida.
A comunicação foi enviada para o email corporativo da InnoWave após o término da relação laboral, endereço ao qual já não tinha acesso, pelo que não houve notificação efetiva ao destinatário.
🔹 4. Situação atual – retenção injustificada de fundos
A Coverflex e a Pecunpay admitem que o montante foi bloqueado (“solicitado o cancelamento do cartão”), o que significa que o dinheiro existe, apenas está retido administrativamente.
Logo, não há perda técnica ou destruição de fundos, mas sim impossibilidade de acesso pelo verdadeiro titular, configurando retenção indevida de património.
Além disso, o meu cartão Coverflex tem validade até 2026, pelo que não existe qualquer impossibilidade técnica que justifique o bloqueio do saldo.
🔹 5. Pedido
Solicito à DECO que:
Analise juridicamente a prática da Coverflex e da Pecunpay, que configura retenção e apropriação indevida de valores pertencentes a ex-trabalhadores;
Promova a restituição integral do montante de €2.762,24, em dinheiro ou outro meio equivalente, reconhecendo o meu direito de propriedade sobre o saldo;
Avalie a legalidade e transparência desta prática que poderá estar a afetar diversos consumidores/trabalhadores, violando princípios fundamentais do Código do Trabalho e do Código Civil.
Fundamentação legal principal:
Art. 258.º e 273.º do Código do Trabalho — retribuição em espécie
Art. 227.º e 473.º do Código Civil — boa-fé contratual e enriquecimento sem causa
Art. 312.º e 314.º do Código Civil — dever de informação e diligência
Decreto-Lei n.º 91/2018 — prestadores de serviços de pagamento (PSD2)
Com os melhores cumprimentos,
João Palma