Um país a pão e laranjas

Publicado a 24 janeiro 2024
cláudia maia
Cláudia Maia Diretora de Publicações

Com o fim da isenção do imposto, e em apenas sete dias, o custo do cabaz de 41 alimentos monitorizado pela DECO PROteste disparou 5,6 por cento. 

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Cláudia Maia Diretora de Publicações
iStock Mulher sénior no interior do supermercado olha com ar preocupado para a fatura

Não fossem o pão e a laranja dois dos alimentos que mais encareceram – um com o fim do IVA zero e o outro desde o início da guerra –, quase poderia dizer-se que o País corre o risco de ficar a "pão e laranjas". Ao novo Governo cabe a difícil, mas fulcral, tarefa de o evitar.

Quantos de nós não terão ouvido, dos seus avós, relatos de tempos idos em que uma sardinha e uma côdea de pão tinham de ser partilhados por duas ou três bocas da família? Talvez não se chegue a tanto (ou a tão pouco) hoje, mas ninguém duvida de que a situação atual do País obrigará muitos agregados a medidas de contenção drásticas.

Os cortes começam na alimentação, uma das rubricas mais relevantes para o (des)equilíbrio orçamental, segundo o Observatório Nacional de Luta contra a Pobreza. Em agosto de 2023, o índice de preços no consumidor na categoria de "produtos alimentares e bebidas não alcoólicas" – uma espécie de "inflação da alimentação" – quase duplicou face ao período homólogo, chegando a ultrapassar a "taxa de inflação global".

Sem surpresas, os agregados com mais dificuldades financeiras são os mais severamente prejudicados pelo impacto negativo do aumento. Se os alimentos pesam 11% nas famílias mais ricas, nas mais pobres este valor sobe para 19,2%, explica a economista Susana Peralta.

Para grandes males, grandes remédios. A agudização do aumento dos custos com a alimentação foi objeto de reconhecimento formal pelo Governo. Mas a medida mais emblemática – lançada em abril de 2023 para vigorar até ao final desse ano – ficou-se pela isenção temporária do IVA sobre um cabaz de 46 alimentos essenciais.

A isenção ajudou a reduzir a fatura do supermercado nos primeiros meses, mas foi sol de pouca dura. Em setembro, os preços voltaram a subir e, nas últimas semanas do ano, o impacto do IVA zero tornou-se quase impercetível, engolido pela subida de preço de alguns produtos.

Com o fim da isenção do imposto, e em apenas sete dias, o custo do cabaz de 41 alimentos monitorizado pela DECO PROteste disparou 5,6 por cento. Apesar de estar ainda abaixo dos 6% que incidem sobre a maioria dos produtos, é quase certo que o impacto real só começará a sentir-se no final de janeiro.

Não fossem o pão e a laranja dois dos alimentos que mais encareceram – um com o fim do IVA zero e o outro desde o início da guerra –, quase poderia dizer-se que o País corre o risco de ficar a "pão e laranjas". Ao novo Governo cabe a difícil, mas fulcral, tarefa de o evitar.


Sabia que...?

Os alimentos pesam 11% nas famílias mais ricas e 19,2% nas mais pobres.

 

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