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Volta a Portugal de carro 100% elétrico

Conduzimos 800 quilómetros de Caminha a Vila Real de Santo António. Descobrimos boas surpresas, mas tivemos alguns contratempos.

07 janeiro 2021 Exclusivo
carro elétrico kia e-niro em Elvas

Victor Machado

Meta cortada com sucesso. Pelo caminho, descobrimos postos indisponíveis e em fase de instalação. Posto ocupado, inexistente ou avariado são cenários por que não quer passar durante uma viagem de carro elétrico, mas nós vivemos a experiência em pleno. Desenhámos a volta com duas etapas: de Caminha até ao Alto Alentejo, e de Elvas até Vila Real de Santo António.

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Já existem automóveis elétricos com autonomias capazes de satisfazer a maioria dos condutores nos trajetos diários. Mas o que acontece se tiver de fazer uma viagem mais longa, a depender apenas da rede pública de carregadores? Aceitámos o desafio e percorremos o País ao volante de um automóvel 100% elétrico, o Kia e-Niro, com uma bateria de 64 kWh e uma autonomia de 400 quilómetros. Combinámos autoestradas junto ao litoral Norte com uma boa dose de estradas nacionais pelo Alentejo interior, até ao Algarve. Objetivo: saber que soluções de carregamento existem, dentro e fora das cidades portuguesas.

Conquistámos o Algarve ao volante do Kia e-Niro. Pagámos 25 euros de eletricidade e 8 euros de custos com o carregamento. 
Conquistámos o Algarve ao volante do Kia e-Niro. Pagámos 25 euros de eletricidade e 8 euros de custos com o carregamento.

Carregamento elétrico: Portugal a duas velocidades

Primeiro truque: começar com a bateria totalmente carregada. Planear o percurso é essencial: é preciso antecipar os pontos onde carregar, estimar o tempo que demora e contemplar imprevistos. Analise os mapas online.

Na guerra dos consumos, os papéis invertem-se. O automóvel com motor a combustão apresenta maiores consumos em ambiente urbano, mas, em circuitos com uma velocidade estável (abaixo dos 120 km/h), conseguimos níveis de consumo mais baixos. Pelo contrário, no carro elétrico, registamos consumos mais elevados em autoestrada. Neste cenário, com grande atrito e resistência ao ar, o consumo é mais elevado. A solução é adotar uma velocidade moderada e aproveitar ao máximo a regeneração de energia. Já em ambiente urbano o carro elétrico consegue os seus consumos mais reduzidos. Com boa regeneração e parado, não gasta.

Na área de Antuã, região de Aveiro, primeira surpresa: posto ocupado. Um único posto de carregamento nas vias principais já não chega. Mas seguimos caminho com bateria suficiente. Afinal, estávamos na principal autoestrada do País a 40 quilómetros da próxima área. Na Mealhada, segunda surpresa: só existia carregador no sentido contrário. Cortámos para Alvaiázere, na zona de Leiria, e o cenário piorou. Já só tínhamos 26% de bateria e estávamos a entrar no interior do País, onde o número de carregadores é inferior.

Área de serviço de Alvaiázere: o carregador era tão novo e fresco que estava “fora de serviço”. 
Área de serviço de Alvaiázere: o carregador era tão novo e fresco que estava “fora de serviço”.

Felizmente, conduzimos mais quatro quilómetros e invertemos, para fazermos um supercarregamento no lado oposto, aí sim, operacional, e voltámos à estrada.

Alentejo à vista com carregadores elétricos

Às portas de Portalegre, não facilitámos, e insistimos na procura de eletricidade. Apesar de contar com um número considerável de carregadores, não tivemos sucesso. Vimos um supermercado com quatro lugares exclusivos para elétricos, mas a obra não tinha sido inaugurada.

Supermercado três-em-um: carrega o carro, lava a roupa e faz compras. Cheiro a tinta fresca, mas sem eletricidade. 
Supermercado três-em-um, Portalegre: carrega o carro, lava a roupa e faz compras. Mas o posto estava em construção.

A combinação com carregamento, lavagem de roupa e compras é agradável e visionária. É o cenário ideal para seguir um cuidado essencial dos utilizadores de carros elétricos: aproveitar o tempo do carregamento para descansar, comer ou outras atividades. Mas nós só queríamos eletrões. Dado que ainda tínhamos autonomia para viajar com segurança, terminámos a busca e seguimos para Elvas. Aqui, procurámos um hotel com carregador ou tomada disponível. Pode sempre escolher um local para dormir junto a uma zona de carregadores. Leve adaptadores e fichas para utilizar em qualquer posto ou tomada de hotel. 

No dia seguinte, partimos cedo pelo Alentejo, depois de revermos o trajeto e confirmarmos que há carregadores. Em estradas nacionais ou até municipais, não podíamos ter pressa. Aqui, o consumo baixa com a redução da velocidade e as hipóteses de regeneração aumentam: maiores declives, mais momentos de travagem. Até pode dar-se ao luxo de ligar a climatização. No carro clássico, não estamos habituados a pagar o aquecimento. Já no carro elétrico, tudo muda. Ao ligar e desligar a climatização, percebe de imediato o que perde em autonomia.

Alentejo profundo impressionou. Tudo disponível e a funcionar em Moura. 
Alentejo profundo impressiona. Tudo a funcionar em Moura.

Juntámos o apetite do carro com a hora de almoço. A conjugação é essencial para reduzir a perda de tempo. Nas estradas nacionais, as soluções moram nas localidades mais relevantes. Os carregadores são soluções mais lentas com 3,6 kW a 11 kW. São raros os carregadores de 22 kW. Ou seja, no melhor cenário, metade da capacidade dos postos de autoestrada e o dobro do tempo para atingir a mesma autonomia. Mas, com um carro elétrico, outra dica de ouro é fazer mais carregamentos curtos, em vez de um único ou alguns mais longos. Quanto mais longe tentar ir no carregamento, mais tempo vai demorar. O ideal é recarregar antes que a carga fique abaixo de 20 por cento. Ao usar um ponto de carga rápido, a melhor opção é fazê-lo até 80 por cento. Carregar os 20% finais exige mais tempo, porque a carga é obtida mais lentamente à medida que a bateria se aproxima do máximo. Nas estradas de serra, a agilidade e as recuperações do motor são importantes para o desempenho e o prazer da condução.

Quase 800 quilómetros e 24 horas de condução depois, chegámos ao Algarve. Descobrimos um país a velocidades diferentes. Mas conseguimos.

Condutores de carros elétricos exigem

Encontrar um carregador operacional pode ser um desafio. E calcular a despesa final é um quebra-cabeças. O custo pode incluir uma taxa fixa de ativação e um custo por minuto de utilização ou por kWh. Todos os montantes são cobrados no cartão, mas só na emissão da fatura descobre o total. O cenário agrava-se se não tiver cartão: sem hipótese de carregar. Falta um sistema de pagamento mais universal na rede pública de carregamento. Se perder o cartão ou viajar em turismo, não pode utilizar a rede pública de carregamento.

Vestimos a pele de um consumidor. Conduzimos focados na disponibilidade da rede nacional. O País acusa desigualdades e há pontos a melhorar. A rede de carregamento rápido das autoestradas não abrange a totalidade das áreas de serviço. Mais grave, um só posto por estação é insuficiente e cria lacunas ao nível da disponibilidade e do tempo de espera, além de comprometer a utilização prática do carro elétrico. Pior ainda: a oferta de carregadores no Interior continua desigual e escassa. Em várias zonas, existe um único carregador a mais de 50 quilómetros entre cada localidade com carregador. No nosso percurso, fizemos mais de 120 quilómetros sem um único carregador. Se não encontrar um carregador disponível, a distância duplica e torna-se fatal para o carro elétrico. É preciso eliminar estas zonas negras sem carregadores, aumentando a oferta.

Já as aplicações precisam de melhorar as funcionalidades. Podem ser uma grande ajuda. Mas têm um caminho a percorrer ao nível do tipo e da fiabilidade da informação. É impossível perceber, ao cêntimo, quanto pagamos para carregar. A informação é indecifrável e obriga a cálculos.

Em Portugal, só precisamos de um cartão para usar em qualquer posto. 
Em Portugal, só precisamos de um cartão para usar em qualquer posto.

A rede MOBI.e agrupa os comercializadores para a mobilidade. Esta garante que é possível pagar com um só cartão e utilizar qualquer carregador da rede pública, independentemente do operador comercial do carregador. Em vários países da Europa, para ter acesso a um carregador qualquer tem de rechear a carteira de cartões para garantir que, no posto seguinte, consegue pagar. Por cá, faz falta uma alternativa de pagamento para utilizadores esporádicos e turistas.

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