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CTT não cumprem o serviço postal universal? Baixe-se a exigência

A DECO PROteste analisou as novas regras de qualidade para o serviço postal universal, que entram em vigor a 1 de janeiro de 2025, e chegou à conclusão de que não cumprir compensa. Quando os CTT desrespeitam as regras ano após ano, o Estado afrouxa a exigência, pondo em risco o acesso dos cidadãos a um serviço de elevada qualidade.

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07 novembro 2024
Carrinha e instalações dos CTT

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Portugal é dos Estados-membros da União Europeia onde os cidadãos mais reclamam do serviço postal universal, e as queixas têm vindo a avolumar-se nos últimos anos. Pior, no ano de 2022, só mesmo França. Problemas na distribuição postal, incluindo extravios e atrasos, têm suscitado a maioria das queixas, um estado de coisas que a ninguém escapa.

A Anacom, regulador das comunicações, setor que inclui o serviço postal, diz-se preocupada com esta tendência de degradação, bem patente nos resultados respeitantes ao desempenho dos CTT. A concessionária está sujeita a um conjunto de objetivos de qualidade do serviço, cujo cumprimento é medido, monitorizado e divulgado, mas a sua performance tem estado bastante longe das obrigações fixadas.

Reclamações contra os CTT são elevadas

Em 2016, os CTT não conseguiram cumprir todos os 11 indicadores de qualidade. A situação foi-se agravando e, mesmo descontando os anos da pandemia, em que surgiram constrangimentos alheios à sua vontade, não se têm vislumbrado indícios de inversão da tendência. Em 2019, os CTT apenas respeitaram os objetivos para um dos 24 indicadores de qualidade. Três anos depois, em 2022, ficaram a zeros: nenhum dos 22 indicadores foram cumpridos. Já em 2023, apenas um foi atingido.

Confrontados com os 24 indicadores de qualidade fixados pela Anacom, que vigoraram a partir de 2019, os CTT queixaram-se do elevado nível de exigência. Agora, o Governo e a Anacom baixam a fasquia. Em setembro, e após proposta do regulador, o ministro responsável pela área das comunicações estabeleceu, por portaria, os parâmetros de qualidade do serviço e os objetivos de desempenho que entrarão em vigor a 1 de janeiro de 2025, e se manterão até ao final do atual contrato de concessão.

Bem pode a Anacom dizer-se preocupada com o aumento de reclamações dos cidadãos e das queixas dos grupos parlamentares e de muitas autarquias. As novas regras são mais amigas dos interesses dos CTT do que do direito dos cidadãos a um serviço postal universal de elevada qualidade, independentemente da região onde habitem. Baixar a exigência facilita o cumprimento pelos CTT, mas não melhora a qualidade real do serviço.

Um serviço a que se exige cada vez menos

Fevereiro de 2022 foi um mês de novidades para o serviço postal universal. Não só a lei postal foi alterada, como surgiu um novo contrato de concessão. Os parâmetros de qualidade do serviço, com os seus indicadores, objetivos de desempenho e regras relativas à sua medição, monitorização e divulgação, passaram a ser fixados por portaria do membro do Governo responsável pelas comunicações, para um período mínimo de três anos, mediante proposta da Anacom, e após ouvir a entidade concessionária – os CTT – e as organizações representativas dos consumidores.

Até então, era a Anacom que tinha a competência de determinar as obrigações de qualidade do serviço a garantir pelos CTT. Era exigente o quadro de indicadores estabelecido pelo regulador, e que vigorava desde 2019. O objetivo era estancar a progressiva perda de qualidade do serviço, não só em termos médios nacionais, como também em zonas específicas do País, de modo a inverter a toada de insatisfação das populações. Os indicadores aumentaram em número, sendo que, para alguns, foram também fixadas metas mais exigentes, havendo, contudo, a preocupação de não pôr em risco a sustentabilidade nem a viabilidade económico-financeira do serviço postal universal.

Apesar das preocupações da Anacom, a DECO PROteste considerou que o regulador poderia ter ido mais longe em diversas ocasiões. A título de exemplo, em 2018, quando da fixação de parâmetros e objetivos para o triénio seguinte, a organização de consumidores saudou o estabelecimento de metas de velocidade e fiabilidade, de modo que os envios que não fossem entregues dentro do padrão de serviço previsto não derrapassem demasiado.

Mas lamentou que a Anacom previsse apenas indicadores globais. Ainda que estes aumentassem a exigência face ao anterior quadro de indicadores, não garantiam a todos os cidadãos o acesso a serviços postais de idêntica qualidade, qualquer que fosse o ponto do território nacional onde se encontrassem.

Anacom ignora preocupações da DECO PROteste

Agora, no processo de fixação de novos objetivos, que se iniciou em outubro de 2023 e culminou em setembro de 2024, com a publicação da portaria do ministro das Infraestruturas e Habitação, que tem a seu cargo o pelouro das comunicações, a fasquia caiu bastante. É certo que a Anacom submeteu o seu projeto de proposta aos CTT e aos representantes dos consumidores. Mas optou por não refletir as preocupações e posições da DECO PROteste no texto final que remeteu ao Executivo. E quais foram as principais novidades deste documento?

De forma resumida, o regulador optou por uma significativa simplificação dos indicadores que medem a qualidade do serviço: agregou num mesmo indicador os serviços associados ao correio prioritário e, noutro, os de velocidade normal.

Por sua vez, os indicadores que avaliam a fiabilidade da entrega foram reunidos num único item, que fixa um limite máximo para os envios que podem ser entregues após oito dias úteis.

Idêntica compactação sucedeu aos indicadores relativos ao tempo em espera para atendimento presencial nos estabelecimentos postais, com um objetivo de desempenho intermédio entre os dois que atualmente se aplicam.

Quanto ao correio prioritário, a Anacom manteve as diferenças nas regras aplicadas no Continente e de e para as Ilhas. Na prática, continua a haver um dia útil adicional face ao Continente.

Feitas as contas, ficaram oito indicadores para medir a qualidade do serviço, em vez dos 22 em vigor até final de 2024.

Consumidores criticam afrouxamento das regras

A DECO PROteste manifestou-se contra esta simplificação, com o argumento de que o desempenho de serviços com menor peso, agregados num único indicador, pudesse ser negligenciado e, ainda assim, a concessionária conseguir cumprir o objetivo. A qualidade de cada serviço deve ser medida de modo individual, para que um mau desempenho num deles não seja compensado por um bom resultado noutro contexto.

A organização de consumidores também discordou da agregação dos indicadores respeitantes à fiabilidade da entrega. Misturava-se, no mesmo saco, os correios prioritário, normal (unitário e em quantidade) e registado, assim como os jornais e publicações periódicas e encomendas, e admitia-se que 0,2% de todos os envios postais (dois em cada mil) pudessem demorar mais de oito dias úteis a ser entregues. Sobretudo no caso de envios prioritários, a Anacom descia claramente o patamar da exigência. Por exemplo, segundo as regras ainda em vigor, para o correio azul no Continente, apenas um envio em cada mil pode demorar mais de três dias úteis (exige-se 99,9% de entregas até três dias úteis). O mesmo acontece com o correio registado e com os jornais e publicações de periodicidade igual ou inferior a semanal, ambos no Continente. Ainda afetadas seriam as entregas, que, ao dia de hoje, não podem ir além de um envio por mil em mais de quatro dias úteis.

Na consulta, a DECO PROteste rejeitou igualmente a fixação de um objetivo de 95% de entregas até três dias úteis para o envio de encomendas, abaixo do objetivo atual, que é de 96,3 por cento. Neste caso, cinco envios em cem poderiam desrespeitar o prazo de três dias úteis. Com a expansão das compras online, o serviço tem vindo a assumir cada vez maior relevância, pelo que não é aceitável transigir na exigência.

Tão-pouco a organização de consumidores concordou com as regras a aplicar ao correio normal, que inclui a correspondência e as publicações de periodicidade superior a semanal. Aqui, cinco em cem envios poderiam exceder o prazo de três dias úteis – mais um decréscimo de exigência, uma vez que, até final de 2024, o objetivo é de 96,3%, e não de 95 por cento.

A alteração da lei postal retirou competências à Anacom. O diploma passou ainda a determinar que os parâmetros e objetivos de qualidade devem estar alinhados com as melhores práticas vigentes na União Europeia. Contudo, não há uma definição concreta do que tal significa, o que deixa margem para interpretações.

Ao mesmo tempo, o novo contrato de concessão refere algo que não está na lei postal: os parâmetros e objetivos de desempenho devem ter em conta os valores médios dos Estados-membros. Se a ideia é garantir elevados níveis de qualidade do serviço, esta regra não é compatível com a consideração de valores médios.

CTT ficam com a vida facilitada

Na fase de consulta, os CTT alegaram que a simplificação de indicadores era mais aparente do que real, pois a exigência mantinha-se, encontrando-se desfasada das melhores práticas europeias e desrespeitando a lei e o contrato de concessão, uma argumentação que não deixa de estranhar. Primeiro, não existe nenhuma formulação daquilo que são as melhores práticas europeias. Que critérios concretos devem ser tidos em conta, ou o que se faz lá fora é automaticamente considerado de melhor qualidade? Segundo, são os CTT que desrespeitam as suas obrigações, ficando, ano após ano, aquém dos objetivos, degradando continuadamente a qualidade do serviço.

Ora, quando foi finalmente publicada a portaria do ministro responsável pelas comunicações, a reação de satisfação dos CTT não se fez esperar. Em comunicado, consideraram “que os indicadores agora publicados constituem uma evolução muito positiva quando comparados com o quadro anterior”. E qual seria o motivo de tanto regozijo? Não só o regulador, após a consulta que promoveu, enviou ao Governo uma proposta em que baixou os objetivos de qualidade para cinco dos oito indicadores de qualidade, como o próprio ministro, além de eliminar o indicador relativo à demora de encaminhamento da correspondência normal em quantidade, reduziu o nível de desempenho proposto pela Anacom para quatro indicadores.

Não foram avançadas pelo Estado justificações válidas para este afrouxamento. Certo é que contribui para que os CTT cumpram as suas obrigações e evitem penalizações financeiras, sem que, para isso, tenham de melhorar a qualidade do serviço de forma significativa.

A DECO PROteste é frontalmente contra a enorme redução do nível de qualidade do serviço postal universal exigido aos CTT a partir de 1 de janeiro de 2025. O Estado está a premiar o mau serviço prestado nos últimos anos. O sinal é claro: não cumprir compensa.

 

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