"Haverá compensação total para as vítimas de discriminação e correções à discriminação"
Helena Dalli, comissária para a Igualdade, explica a proposta legislativa sobre transparência salarial, da Comissão Europeia, que visa implementar o direito à igualdade remunerativa entre homens e mulheres, melhorando o acesso dos trabalhadores à justiça.
- Editor
- Deonilde Lourenço

Como pretende a proposta legislativa sobre transparência salarial, da Comissão Europeia, reduzir o fosso entre homens e mulheres?
Apesar do quadro jurídico para a igualdade de género, mulheres e homens não são remunerados de igual forma na União Europeia (UE). Muitas mulheres trabalham a vida inteira alheadas do facto de receberem menos do que os seus colegas homens. Muitas vezes, são incapazes de lidar com essa discriminação, devido ao sigilo sobre o salário. A falta de transparência torna difícil detetar e reconhecer a discriminação salarial, quanto mais abordá-la. A nossa proposta legislativa sobre transparência salarial visa a implementação efetiva do direito à igualdade remunerativa, proporcionando aos trabalhadores novos instrumentos antidiscriminação. Visa conferir-lhes poderes, melhorando o acesso à justiça e dando-lhes o direito à informação sobre a remuneração, em conformidade com as regras da UE em matéria de proteção de dados pessoais. Os trabalhadores poderão avaliar se estão a ser discriminados face a colegas do sexo oposto que fazem o mesmo trabalho ou de igual valor. Os organismos nacionais defensores da igualdade e os representantes dos trabalhadores poderão agir em nome de quem sofre discriminação salarial. A proposta também permite ações coletivas em nome de vários trabalhadores. Haverá compensação total para as vítimas de discriminação e correções à discriminação estrutural ou ao preconceito nas organizações. A diretiva desencadeará ações para resolver a subvalorização sistémica dos empregos dominados pelas mulheres ao nível da entidade patronal. A legislação pode combater o preconceito de género na estrutura salarial e a subvalorização do trabalho das mulheres.
Prevê entraves no que se refere, por exemplo, à divulgação, a pedido, da remuneração média paga por género, a colegas com a mesma função?
Desde o início da pandemia, a percentagem de mulheres a perder o emprego foi superior à dos homens. Algumas mulheres estão até a retirar-se totalmente do mercado de trabalho. A médio prazo, há o risco de a falta de emprego aumentar. Espero que as empresas compreendam que a proposta é proporcional aos seus objetivos e que, além da igualdade e do cumprimento do regulamento, beneficiará o negócio. É um instrumento para estimular o diálogo social e estabelecer a confiança entre entidades patronais e trabalhadores. Melhora a satisfação e a motivação no trabalho, o que, por sua vez, aumenta a produtividade. Isto porque a transparência salarial ajuda a atrair e a reter os melhores talentos. As empresas terão de cumprir as disposições da diretiva assim que tiver sido transposta para o direito nacional. Caso contrário, serão penalizadas. Os Estados-membros terão o poder de fixar o nível das sanções, incluindo coimas, tendo em conta a gravidade e a duração da infração, e a existência de dolo ou negligência grave do empregador, ou outra circunstância. A pedido do trabalhador, a entidade patronal terá de fornecer as informações sobre os salários. As empresas com mais de 250 funcionários devem apresentar relatórios anuais sobre as diferenças salariais médias entre homens e mulheres. Se houver discrepâncias injustificadas, será necessária uma avaliação salarial conjunta, para explicar e remediar as disparidades entre homens e mulheres. A proposta reconhece a situação difícil das empresas, em particular no setor privado. É uma abordagem adequada, com medidas destinadas a minimizar os custos para os empregadores. As pequenas e as médias empresas ficarão isentas da obrigação de declarar os salários e da avaliação conjunta. Analisámos cuidadosamente o possível impacto da proposta e garantimos que é equilibrada. É por isso que, por exemplo, o pedido de relatórios existe apenas para empresas maiores, limitando os encargos excessivos para as mais pequenas.
Em Portugal, a lei prevê, para trabalho igual, salário igual. É proibida a discriminação salarial por género. Mas existem disparidades.
As disparidades salariais entre mulheres e homens não se devem necessariamente a discriminação. A nova legislação tornará mais fácil identificar as disparidades salariais de género e contestá-las, se forem discriminatórias. Nos casos de discriminação salarial por género, em que a entidade patronal não cumpra as obrigações de transparência salarial, o trabalhador nem terá de apresentar provas de discriminação. O ónus da prova será do empregador. Os trabalhadores podem estar em situação precária e vulnerável, por receio de vitimização ou retaliação, se fizerem perguntas ou reclamarem. Os organismos nacionais para a igualdade serão, por conseguinte, competentes em matéria de direitos e obrigações na questão da transparência salarial, ao abrigo da diretiva proposta. Terão poderes reforçados na prestação de apoio e na representação das vítimas num procedimento judicial ou administrativo. A proposta prevê que esses organismos, bem como os representantes dos trabalhadores, possam juntar-se às reivindicações das vítimas, abordando assim, possivelmente, a discriminação estrutural nas estruturas salariais. Mais iniciativas para combater outras causas das disparidades salariais entre homens e mulheres, como os estereótipos de género, estão previstas na Estratégia para a Igualdade de Género 2020-2025.
A discriminação salarial deve ser enfrentada com a adoção de legislação que a proíba? Não deveria haver, antes de mais, uma forte componente educacional e cultural?
A proposta de transparência salarial é um primeiro passo necessário para lidar com a discriminação salarial de género. Mas, por si só, não eliminará as disparidades salariais. Os estereótipos e as crenças de género influenciam as causas mais profundas das disparidades salariais entre homens e mulheres, como a segregação horizontal e vertical e o equilíbrio entre vida profissional e familiar. Mas precisamos, ao mesmo tempo, de legislação e de uma forte componente educacional e cultural. A Comissão planeia uma campanha de sensibilização para combater os estereótipos de género. No âmbito do programa Direitos de Igualdade e Cidadania, a Comissão financia projetos que promovam a igualdade entre mulheres e homens e a questão do género.
A desigualdade salarial entre homens e mulheres é um problema mais prevalente nalguns países da UE?
Olhando apenas para o indicador das disparidades salariais entre homens e mulheres, os níveis mais elevados encontram-se, por esta ordem, na Estónia, na República Checa, na Alemanha e na Áustria. Os mais baixos estão na Roménia, no Luxemburgo, em Itália e na Bélgica. Em Portugal, as disparidades salariais são de 16,3%, estando um pouco acima da média europeia, de 14 por cento. Não há uma tendência percetível, mas é importante olhar para os vários componentes dos indicadores em relação a outros aspetos da participação feminina no mercado de trabalho, como nível de habilitação, interrupções na carreira e padrões de tempo de trabalho.
Para alcançar a igualdade entre homens e mulheres, não é essencial proteger as trabalhadoras na gravidez, amamentação e primeiros anos de vida dos filhos? E permitir que os pais ajudem?
A proposta não visa, por si só, a verdadeira igualdade entre homens e mulheres. Há um longo caminho a percorrer antes de alcançarmos uma União de Igualdade. É por isso que temos uma estratégia com várias medidas de igualdade de género associadas. Por exemplo, alcançar a paridade em casa através da responsabilidade de cuidar não é só uma questão legislativa. Embora a legislação sobre cuidados infantis e licença parental ajude a mudar mentalidades, os homens devem fazer a sua parte nas tarefas domésticas e nos cuidados com os filhos. A Diretiva de Equilíbrio entre Trabalho e Vida Útil já apresentou disposições que ajudam as mulheres a atingir o seu pleno potencial, com normas mínimas para a licença de maternidade, proporcionando acordos de trabalho flexíveis, promovendo a divisão igual das responsabilidades entre os pais e reconhecendo o papel dos cuidadores. Também é crucial promover creches acessíveis e de boa qualidade.
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