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Água, saneamento e resíduos: preços díspares, acesso desigual

A DECO PROteste voltou a analisar os tarifários na fatura da água, e, tal como em anos anteriores, viu diferenças abissais entre concelhos. Mas há esperança. Os poderes da ERSAR foram reforçados, pelo que se aguarda uma harmonização tarifária a partir de 2026.

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26 novembro 2024
Encher o copo com água da torneira

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A água é um dos grandes temas do nosso tempo. Com as alterações climáticas, este bem essencial escapa de latitudes onde era habitual para se concentrar ferozmente em pontos mais ou menos aleatórios do planeta, dando origem a catástrofes que a todos afetam.

Em países como Portugal, que veem a água desaparecer de certas regiões, é imperativo conservar e, ao mesmo tempo, garantir um acesso equitativo. E o acesso depende, desde logo, de redes de distribuição que cubram o País e se mantenham em bom estado, para evitar perdas de um bem precioso. Outros dois serviços públicos essenciais que entram na equação são o saneamento de águas residuais e o tratamento de resíduos.

O acesso a este tríplice serviço depende ainda de um preço que os cidadãos possam pagar. Ou seja, o preço tem de ser socialmente justo, ainda que deva compensar os gastos das entidades que os fornecem, desde que em situação de eficiência.

Saber quanto custa a fatura da água no meu município

No nosso país, as tarifas são, historicamente, muito díspares entre municípios, e as diferenças entre as faturas mais altas e mais baixas agravaram-se em 2024. Eis a principal conclusão do novo estudo da DECO PROteste a todos os tarifários de água, saneamento e resíduos dos 308 municípios portugueses, em vigor em junho de 2024, sem considerar IVA, taxa de recursos hídricos (TRH) e taxa de gestão de resíduos (TGR). Veja os rankings dos municípios do Norte, do Centro, do Ribatejo e Alentejo, da Grande Lisboa, do Algarve, da Madeira e dos Açores, organizados em função da fatura total para um consumo anual de 120 metros cúbicos de água.

Mas a organização de consumidores tem esperança. O recente reforço dos poderes da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) irá expectavelmente conduzir, a partir de 2026, à harmonização tarifária por que tanto se tem batido.

Acesso desigual aos serviços

Sejam quais forem as razões para a dispersão tarifária, não podemos falar de justiça no acesso, quando, por exemplo, em Vila Nova de Foz Côa, se paga um total de 125,92 euros – ou abaixo dos 170 euros, nos restantes municípios do top dos mais baratos para 180 metros cúbicos. Veja o top 5 dos concelhos com tarifas mais e menos elevadas.

Qual é o segredo destes municípios? Em Foz Côa e Vila Flor, o saneamento é gratuito, enquanto o serviço de resíduos tem preços muito baixos, nunca ultrapassando os 36 euros anuais. Atentando nos dados da cobertura de gastos em 2022, os preços cobrados, que pouco ou nada mudaram desde então, ficam muito aquém do equilíbrio. Há municípios com valores entre 15 e 20 por cento.

Conclusão: nos casos em que há gestão eficiente de gastos e a parcela cobrada é baixa, os serviços não são financeiramente sustentáveis, o que também não é um cenário desejável.

ERSAR com poderes reforçados

A liberdade para fixar preços, concedida às entidades gestoras, tem levado a uma falta de equidade no acesso a serviços essenciais: os cidadãos são diferenciados consoante o concelho onde vivem, mesmo que a poucos quilómetros de distância.

A DECO PROteste aplaude o reforço dos poderes da ERSAR, que passará a regulamentar, avaliar e auditar a fixação e aplicação de tarifas, com efeitos a partir de 2026. A harmonização tarifária tem, portanto, condições para ocorrer num futuro não muito distante.

Outra novidade, que entrou em vigor em 2024, é o regulamento que fixa a qualidade mínima do serviço. Não cumprindo, as entidades gestoras têm de compensar os cidadãos, desde que estes reclamem por escrito. Quanto mais o fizerem, mais o sistema melhora. Um exemplo? As entidades gestoras são obrigadas a publicar as tarifas atualizadas nos seus sites. A análise da DECO PROteste, em junho de 2024, identificou melhorias face a anos anteriores. Mas ainda há muitas entidades que falham na transparência da informação tarifária perante os cidadãos.

A organização de consumidores sempre rejeitou aumentos de preços quando os sistemas se encontram em situação de ineficiência, ou que sejam justificados pela seca ou por inundações. Felizmente, os pequenos municípios não agregados também já podem aceder a fundos europeus para reabilitarem condutas, evitando onerar as famílias com aumentos. Mas a DECO PROteste também discorda de serviços insustentáveis do ponto de vista financeiro. A harmonização permitirá mais justiça no acesso a serviços essenciais.

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O top 5 dos concelhos com tarifas mais e menos elevadas

Pequeno país, diversas tarifas da água

A dispersão tarifária é um problema crónico, que põe em causa o acesso equitativo a serviços essenciais. Vamos a números? Para um consumo anual de 120 metros cúbicos, na região Norte, uma família de Amarante paga 494,47 euros por água, saneamento e resíduos, enquanto um agregado de Vila Nova de Foz Côa está sujeito a uma fatura global de 94,09 euros – 400,38 euros menos. Para um consumo anual de 180 metros cúbicos, as diferenças são ainda mais expressivas. A uma família do Fundão, é apresentado um total de 776,74 euros. Já em Foz Côa, é devido um valor de 125,92 euros, uma diferença superior a 650 euros.

caso do Fundão é paradigmático, porque, a partir de um consumo anual de 120 metros cúbicos, ou seja, de 10 metros cúbicos ao mês, o aumento na fatura global é exponencial. Até 10, uma família paga 406,06 euros. Se se alargar até aos 15, fica sujeita ao tal valor de 776,74 ao fim do ano. A justificação deste aumento superior a 370 euros é o fomento de um consumo responsável.

Todavia, o limite de 10 metros cúbicos é algo restritivo, pois a Organização Mundial da Saúde considera que 110 litros é o volume adequado para um indivíduo satisfazer as suas necessidades diárias. Para uma família de quatro, equivale a cerca de 15 metros cúbicos por mês. Uma família numerosa, que ultrapasse os 10 metros cúbicos, estará a desperdiçar ou a satisfazer as suas necessidades? A DECO PROteste é contra esta penalização excessiva, que não leva em conta as realidades sociais concretas.

O Fundão até aplica um tarifário para famílias numerosas, nos serviços de água, saneamento e resíduos, mas o agregado tem de incluir, pelo menos, três descendentes. A prática está, contudo, longe de ser a regra. São 59 os concelhos que não preveem esta tarifa para o abastecimento de água e 74 para o saneamento. A maioria dos municípios também não a praticam nos resíduos sólidos. Mais: dos 20 municípios com a fatura global mais elevada, apenas cinco aplicam tarifas para famílias numerosas aos três serviços. Já em três, não há descontos em nenhuma destas componentes.

Diferenças tarifárias sem explicação clara

A DECO PROteste não vê justificações válidas para as diferenças tarifárias. Um maior investimento na reabilitação das redes de abastecimento de água? A resposta não é direta.

O concelho com água mais cara para 180 metros cúbicos anuais em 2024, Santa Maria da Feira, registou uma reabilitação de condutas insatisfatória em 2022, mas apresentou uma elevadíssima cobertura de gastos: 180 por cento. O Fundão, segundo mais caro para o mesmo consumo, teve boa reabilitação e, em 2022, alcançou uma cobertura de gastos de 112 por cento.

Poderia outra das razões das assimetrias ser uma compensação das ineficiências das redes de muitos municípios, que perdem milhões de metros cúbicos de água por falta de manutenção? É uma possibilidade, mas talvez não explique tudo.

Mais um serviço a contribuir para a dispersão tarifária é o do saneamento. Os municípios com preços mais elevados revelam também reabilitação de coletores insatisfatória, apesar de a cobertura de gastos ser superior a 90% e, por vezes, chegar a 120 por cento. Dos nove municípios com cobertura de gastos acima de 120%, oito têm avaliação insatisfatória na reabilitação dos coletores.

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Fatura global nos 86 municípios do Norte

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Fatura global nos 100 municípios do Centro

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Fatura global nos 58 municípios do Ribatejo e do Alentejo

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Fatura global nos 18 municípios da Grande Lisboa

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Fatura global nos 16 municípios do Algarve

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Fatura global nos 11 municípios da Madeira

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Fatura global nos 19 municípios dos Açores

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