Dieselgate: 45% denunciam que o carro ficou pior após reparação da Volkswagen
Mais consumo, menos potência e aumento do ruído do motor são as alterações apontadas no inquérito a 10 584 consumidores. Os portugueses que tiveram de voltar à oficina pagaram € 957 para reparar os problemas causados pela atualização de software.

Depois de rebentar o escândalo Volkswagen, o gigante alemão comprometeu-se a corrigir o problema gratuitamente e iniciou um processo de reparação, obrigatório em Portugal, dos carros afetados. Para conhecermos a experiência com a atualização do software, enviámos, em novembro de 2017, um questionário a proprietários de carros do grupo Volkswagen afetados pelo problema das emissões. O mesmo foi feito pelas nossas associações congéneres de Espanha, Itália e Bélgica. Recebemos 10 584 respostas válidas, das quais 1859 de proprietários portugueses.
“É pior a emenda que o soneto.” O desabafo de Bocage ilustra na perfeição o que está a acontecer com a atualização do software do grupo Volkswagen na Europa. Quase dois anos depois, o problema continua. A intervenção deixa os carros com mais problemas. Já sabíamos da ineficácia da reparação da Volkswagen ao nível da redução dos níveis de óxido de azoto. Agora, 10 584 respostas ao inquérito confirmam este cenário negro: 45% dos consumidores que já submeteram o automóvel à intervenção registam uma alteração para pior no comportamento do veículo.


Entre as alterações notadas após a intervenção, as mais referidas são o maior consumo (55%), a perda de potência (52%) e o aumento do ruído do motor (37 por cento). Alguns consumidores também se queixam de problemas mecânicos ou erros no computador de bordo, entre outros. E não é preciso esperar muito para sentir os efeitos: a maioria dos problemas é detetada menos de um mês depois.
Volta à oficina
Dos proprietários inquiridos, 13% voltaram à oficina para reparar danos provocados pela atualização do software. Outros 10% ainda não o fizeram, apesar de terem sentido essa necessidade. As segundas intervenções incidem maioritariamente sobre a válvula do sistema de recirculação dos gases de escape (34%), os injetores (23%) e o filtro de partículas (22 por cento).O desespero é tal que 13% dos inquiridos portugueses confidenciaram terem reinstalado o software original para reporem o carro como era antes, algo que só pode ser feito recorrendo a canais não oficiais.
Consumidores pagam fatura que não é sua
Regressar à oficina para resolver o problema está a revelar-se custoso. Em média, os portugueses inquiridos que tiveram de voltar à oficina pagaram € 957 para reparar os problemas causados pela atualização.Quando detetam irregularidades, os consumidores procuram a marca para pedirem responsabilidades. Dos quatro países que participaram no inquérito, os portugueses são os que mais se queixam: 64% contactaram uma das marcas do grupo Volkswagen, o que pode ser explicado com o facto de, no nosso país, a atualização de software ser obrigatória. Ainda assim, apenas em 36% dos casos o concessionário pagou a totalidade das reparações. No inquérito, em 6% das ocasiões, o concessionário admitiu a culpa, mas recusou-se a pagar o respetivo conserto.
Se procura um carro novo, siga o nosso teste a mais de 260 automóveis.
E, quando receberem, estes consumidores ficarão a braços com uma escolha difícil: cumprir ou não cumprir? Será melhor obedecer ao que foi imposto pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes e arriscar ficar com o carro pior? E, caso o façam e o pior aconteça, quem garante que o ónus da reparação não recai sobre o consumidor, duplamente enganado?
A experiência destes consumidores aponta para que, por enquanto, o melhor seja mesmo estar quieto. Pela nossa parte, não o faremos, e temos já várias ações preparadas para ajudar os consumidores a navegarem através desta nuvem de fumo do grupo Volkswagen.
Já comunicámos os dados e as conclusões deste inquérito ao Governo, que tem de se pronunciar sobre a lógica da obrigatoriedade da intervenção. Os rumores e os depoimentos nas redes sociais sobre os resultados desastrosos da intervenção obrigatória não podem ser ignorados. Desenvolvemos este inquérito para perceber se estávamos perante um problema residual ou um falhanço total da garantida ausência de efeitos negativos da intervenção obrigatória, como afirmava a Volkswagen.
Questionámos o Governo sobre a racionalidade de obrigar os consumidores a submeterem os carros a uma intervenção da qual, com muita probabilidade, podem resultar problemas graves para os seus carros. O Ministério da Economia, que coordenou o grupo de trabalho sobre o problema, tem de dar explicações públicas.
Vamos reforçar, com outras organizações europeias de defesa dos consumidores, a necessidade de o regulador da indústria automóvel na Alemanha (a KBA) apresentar publicamente a fundamentação técnica que a levou a aprovar a intervenção proposta pela Volkswagen. Também vamos questionar o Instituto da Mobilidade e dos Transportes sobre a obrigatoriedade da intervenção sob pena de cancelamento de matrícula.
Para os consumidores portugueses, defendemos o estudo de uma solução, tal como foi aplicada nos Estados Unidos da América, podendo ver o automóvel retomado pelas marcas. Acreditamos numa retoma global dos carros afetados (e sem vínculo temporal). Se desta intervenção resultam tantos problemas, seria bom que os consumidores europeus, por uma vez, fossem tratados em plano de igualdade com os americanos.