Bem-estar animal: pagaria mais pelos alimentos que cumprem?
A quase totalidade dos inquiridos considera importante a criação de mais legislação sobre o bem-estar animal. A maioria aceita até pagar mais por alimentos que cumpram padrões mais elevados nesta matéria.

Os números fazem pensar: 96% dos consumidores portugueses consideram importante a criação de mais legislação sobre o bem-estar animal, sendo que 61% julgam ser muito importante. E 63% dizem-se dispostos a pagar mais por alimentos produzidos segundo padrões de bem-estar animal mais elevados do que os habitualmente praticados, ainda que a diferentes níveis. Mais de metade destes aceita apenas um acréscimo de 5 por cento.
Estas são algumas conclusões do inquérito feito pela DECO PROteste, que decorreu em paralelo noutros sete países da União Europeia. O objetivo foi investigar até que ponto os consumidores estão preocupados com o bem-estar dos animais de criação e se aceitam pagar mais por alimentos que cumpram padrões de produção mais exigentes.
Dieta omnívora domina
Comecemos pelo perfil dos inquiridos em Portugal ao nível de hábitos alimentares e de compra. A esmagadora maioria (92%) segue uma dieta omnívora, ou seja, comem todo o tipo de alimentos ou têm uma dieta que inclui carne e/ou peixe. Trata-se de uma percentagem incomparavelmente superior à dos flexitarianos (5%), pescetarianos (2%), vegetarianos (1%) e veganos (1 por cento).
Portugal é o país do grupo dos oito que lidera no consumo de carne e/ou peixe: 50% dos inquiridos comem carne e peixe todos os dias, mais 12% do que o conjunto dos oito países. Nesta matéria, a carne de aves fresca é a preferida (35% comem-na três a sete dias por semana), logo seguida do peixe fresco (14 por cento).
Contudo, 22% dos inquiridos assumem ter sérias dificuldades em comprar carne, só ultrapassados pelos húngaros, com 31 por cento. O cenário é idêntico em relação ao consumo de peixe fresco: 57% dizem ser difícil suportar esta despesa, a percentagem mais elevada entre os oito países.
Falta de informação sobre bem-estar animal
Um dado ressalta: para 55% dos portugueses, o bem-estar animal é muito importante. E é na compra de ovos que esta preocupação se revela mais determinante (para 33%, tem uma grande influência), logo seguida do leite e derivados (30%) e da carne de aves fresca (27 por cento).
Mas, afinal, em que consiste o bem-estar dos animais de criação? Considera-se que um animal se encontra em condições adequadas de bem-estar, se estiver saudável, confortável no ambiente, bem alimentado, em segurança, capaz de expressar o seu comportamento inato, não apresentando dor, medo ou ansiedade. Em suma, está em causa a forma como os animais são tratados pelo ser humano, além de uma série de fatores, como o espaço de que dispõem para viver e dormir, a densidade de indivíduos no mesmo espaço, as práticas adotadas na exploração pecuária, as condições de transporte e os métodos de abate.
Pergunta: até que ponto os portugueses estão informados sobre a legislação do País? A esmagadora maioria (72%) admite não estar informada ou estar mal informada, a percentagem mais elevada do grupo dos oito. Em todo o caso, 60% dos inquiridos julgam ser muito importante implementar novas leis para garantir o bem-estar dos animais de criação (providenciar mais espaço, eliminar gaiolas, banir mutilações, etc.).
Outra descoberta do inquérito: a maioria dos consumidores aceita uma mudança com impacto real no dia-a-dia. Como apontado no início, 63% dos portugueses estão dispostos a pagar mais por alimentos produzidos em função de padrões de bem-estar animal mais elevados (37% dos quais até 5% mais). Na média dos oito, esta percentagem chega aos 69%, sendo os suecos os mais recetivos (77%), seguidos dos italianos (76%) e dos alemães (75 por cento).
No entanto, uma fatia significativa não se mostra favorável a uma subida de preços: 37% dos portugueses rejeitam o cenário. E, no cômputo global, 31% dos consumidores destes oito países europeus estão contra, sendo os espanhóis (42%) e os belgas (38%) os mais resistentes.
Rótulos pouco legíveis
Outro ponto de interesse foi a rotulagem sobre o método de produção dos ovos, que é obrigatória na União Europeia. Questionados sobre se já repararam nestes códigos, impressos na embalagem e/ou na casca (0 = produção biológica, 1 = galinhas criadas ao ar livre, 2 = galinhas criadas no solo, 3 = galinhas criadas em gaiola), 31% dos portugueses admitem nunca terem reparado. E 36% dizem não os compreender bem, contra 33% que não têm nisso dificuldade.
Quatro em cinco inquiridos concordam com a implementação de rotulagem semelhante para todos os outros produtos de origem animal (carne, leite e derivados, etc.).
As alegações sobre bem-estar animal também foram avaliadas. Antes de mais, que rótulos são estes? Trata-se de afirmações utilizadas pelos produtores e distribuidores sobre práticas e métodos de produção que se espera garantam melhores condições para os animais ao longo do processo produtivo (por exemplo, "criados ao ar livre" ou "criados em liberdade").
Sessenta por cento dos portugueses já repararam nestas etiquetas (pelo menos, ocasionalmente), mas apenas 17% admitem confiar nelas – 22% dizem não confiar de todo ou confiar pouco.
Apoio aos produtores
Confrontados com frases-chave, os consumidores portugueses revelam-se favoráveis à ideia de mudar comportamentos. Por exemplo, 52% dizem apoiar o mais elevado nível de bem-estar dos animais de criação, mesmo que isso implique pagar mais. Mais de metade critica a escassa oferta de alimentos que respeitem o bem-estar animal nas lojas.
Mais de um terço admite que, como consumidor, não pode fazer muito em relação ao bem-estar animal. Ainda assim, mais de dois terços estão confiantes de que a inovação e a tecnologia fornecerão soluções para melhorar este cenário sem aumentar os custos da produção.
De resto, mais de 80% dos portugueses concordam que um melhor bem-estar animal significa alimentos mais seguros e mais saudáveis. A mesma percentagem defende que a União Europeia deveria disponibilizar fundos para apoiar os produtores na adoção de práticas que otimizem o bem-estar animal e que as normas deveriam aplicar-se igualmente às importações provenientes de outros países.
Sinais do futuro
Cerca de nove em dez consumidores apoiam novas leis para melhorar o bem-estar animal. Este avanço é crucial para garantir rotulagem fiável, que forneça ao consumidor mais informação sobre o modo de criação dos animais. Com mais conhecimento, pode ser mais crítico e exigente. Também pode apostar numa dieta com mais variedade e rica em vegetais.
A mudança para padrões mais elevados deve, contudo, ser justa. Na atual situação de esforço financeiro, o consumidor não pode suportar os custos sozinho. Produtores e Comissão Europeia, através de incentivos, devem fazer a sua parte.
O bem-estar animal na União Europeia ainda se encontra num nível subótimo: as gaiolas continuam a ser permitidas e falta legislação para algumas espécies, como as vacas leiteiras. Mas, com esta luz verde dos consumidores, estará aberto o caminho para mudanças na lei, nas condições de produção e no preço?
Oito países, 8070 respostas válidas
Em novembro de 2023, a DECO PROteste realizou um inquérito online sobre bem-estar animal junto de uma amostra da população portuguesa adulta, entre os 18 e os 74 anos. A investigação foi conduzida pelas organizações congéneres de sete países: Alemanha, Bélgica, Espanha, Hungria, Itália, Países Baixos e Suécia.
No total, reuniram-se 8070 respostas válidas, das quais 1031 de Portugal, que foram ponderadas de acordo com o género, a idade, a região e as habilitações literárias, de modo a refletir a realidade nacional. Os resultados espelham as opiniões dos inquiridos. Este estudo foi realizado pela Euroconsumers, grupo do qual a DECO PROteste faz parte, em parceria com o Bureau Européen des Unions de Consommateurs (BEUC) e com o International Consumer Research & Testing (ICRT).
Gostou deste conteúdo? Junte-se à nossa missão!
Subscreva já e faça parte da mudança. Saber é poder!
O conteúdo deste artigo pode ser reproduzido para fins não-comerciais com o consentimento expresso da DECO PROTeste, com indicação da fonte e ligação para esta página. Ver Termos e Condições. |