Opinião

O vírus que também mata ideias feitas

02 abril 2020
Rita Rodrigues, responsável pelas relações institucionais da DECO PROTESTE

02 abril 2020
Entre os impactos da pandemia causada pelo novo coronavírus está um que nos deixa motivos adicionais e surpreendentes de reflexão - aquele que tem a ver com os efeitos já visíveis no ambiente e no planeta.

De facto, as informações que nos têm chegado nos últimos dias impressionam. As emissões de dióxido de carbono na China, a origem do vírus, devem cair em quase 30 por cento, de acordo com as mais recentes previsões.

Mesmo que se trate de uma redução temporária, e como explicou o ‘The New York Times’, com apenas três semanas desta diminuição atingiu-se o equivalente àquilo que uma grande metrópole como Nova Iorque produz num ano inteiro - 150 milhões de toneladas de dióxido de carbono.

Isto só na China, num único marcador (o dióxido de carbono), num período curto. Imagine-se o panorama a nível global. O COVID-19 é uma força sinistra e todos temos de nos juntar e de ter, individualmente e enquanto sociedade, o melhor comportamento cívico e solidário para a combater, sobre isso não há quaisquer dúvidas. Mas também nos permite entrever que há coisas que eram impossíveis e que afinal são possíveis.

Ao mesmo tempo, a pandemia revela que não estamos preparados para lidar com futuros surtos de doenças que podem aparecer em resultado das mudanças climáticas. Com efeito, as alterações que os cientistas - um consenso alargado, quase unânime, de opiniões científicas, diga-se - preveem para o clima do planeta podem provocar o aumento do número de doenças transmitidas pelos animais aos seres humanos, devido à diminuição dos habitats e à redução da biodiversidade.

Mais: o derretimento dos gelos polares e da permafrost ameaça libertar nos ecossistemas bactérias e vírus há muito inativos.

Por outro lado, o espetáculo terrível da morte de milhares de pessoas à escala global, e a perspetiva de poderem ser muitas mais, cada vez mais próximo de cada um de nós, deverá servir para nos lembrar como a vida é preciosa e frágil.

Até agora, perante as notícias de que estamos a destruir o mesmíssimo meio ambiente que nos acolhe, e assim a nós próprios também, escolhemos sempre continuar a nossa existência diária como habitualmente, como se nada fosse, como se fôssemos, nós e a nossa casa viva que é a Terra, intocáveis, imortais, eternos. Comportamo-nos, como espécie, como se estivéssemos convencidos de que no fim do dia estará sempre tudo bem, de alguma maneira e sem sabermos bem como.

Isto é: só quando confrontados com a realidade nua e crua da dor e da morte em grande, inimaginável escala é que nos obrigamos, ainda que contra vontade, a adotar uma visão mais ampla e de longo prazo. E é exatamente isso que é preciso para conseguirmos fazer a mudança que exigem as alterações climáticas.

Da nossa parte, e pelo meio destes dias sombrios, continuamos a preparar e a acreditar no futuro. No final da passada semana, lançámos publicamente a nossa estratégia para a Sustentabilidade, genericamente designada: Approved by tomorrow. Voltarei a este tema brevemente, para explicar como vamos transformar a nossa organização, e contribuir para um consumo mais sustentável, que potencie o realinhamento de marcas e produtos.

É altura de - finalmente! - despertarmos e entrarmos em ação de uma vez por todas. Porque o COVID-19 está também a matar ideias feitas em todo o mundo.

Rita Rodrigues - Responsável pelas Relações Institucionais da DECO PROTESTE

Artigo originalmente publicado a 08/05/20 na edição online do DN.