Prescrição de dívidas: prazos variam entre 6 meses e 20 anos
Coimas de trânsito pendentes, contribuições em falta à Segurança Social ou impostos ao Fisco prescrevem ao fim de determinado tempo. Mas não de forma automática. Conheça os prazos e as condições de prescrição destas e de outras dívidas.

As dívidas têm prazo de validade. Não duram para sempre, prescrevendo ao fim de determinado tempo. Quanto? O prazo de prescrição pode variar entre seis meses e 20 anos. Tudo depende do tipo de dívida, sendo certo que, em alguns casos, depende, também, das circunstâncias em que a mesma foi contraída.
Ver quais os prazos de prescrição das dívidas
Decorrido o prazo de prescrição, extingue-se a obrigação de o devedor pagar a dívida. Contudo, se liquidar o que deve, mesmo que espontaneamente, tais montantes não podem ser devolvidos, ainda que ignorasse que a dívida já se encontrava prescrita. Nessa medida, antes de efetuar o pagamento, confirme se cessou a obrigação legal de a pagar. Se for o caso, invoque a prescrição junto do credor.
Voltar ao topo
O conteúdo deste artigo pode ser reproduzido para fins não-comerciais com o consentimento expresso da DECO PROTeste, com indicação da fonte e ligação para esta página. Ver Termos e Condições. |
De acordo com o Código Civil, o prazo ordinário da prescrição comum é de 20 anos. Aplica-se, por exemplo, às dívidas de condóminos relacionadas com despesas extraordinárias realizadas num prédio (é o caso de obras para reparação de infiltrações). As dívidas de serviços de água, luz, gás ou telecomunicações têm um prazo bem mais pequeno. Por se tratar de bens essenciais, o legislador não quis que o consumidor ficasse privado deles por não pagar atempadamente a conta. Assim, passou o ónus para os fornecedores desses serviços. Ou seja, são estes que têm de relembrar o consumidor da dívida, no prazo de seis meses.
CREDOR | PRESCRIÇÃO |
---|---|
Serviços públicos essenciais (água, luz, gás, telecomunicações) | 6 meses |
Cuidados de saúde no privado | 2 anos |
Coimas de trânsito | 2 anos |
Serviços prestados por profissionais liberais | 2 anos |
Serviço Nacional de Saúde – taxas moderadoras | 3 anos |
Segurança Social – contribuições em falta | 5 anos |
Condomínio – quotas | 5 anos |
Crédito bancário (habitação e pessoal) | 5 anos |
Pensão de alimentos | 5 anos |
Rendas e alugueres | 5 anos |
Dívidas fiscais | 8 anos |
Ensino público – propinas | 8 anos |
Segurança Social – fraude acima de 50 mil euros | 10 anos |
Condomínio – despesas extraordinárias (por exemplo, obras no prédio) | 20 anos |
Cartão de crédito | 20 anos |
As dívidas relativas a descontos para a Segurança Social, juros ou contribuições pagas em excesso prescrevem no prazo de cinco anos. No entanto, conforme a situação, podem ser aplicados outros prazos. Por exemplo, as fraudes à Segurança Social para obter benefícios indevidos como subsídios prescrevem ao fim de cinco ou dez anos, conforme o valor em causa. Por vezes, as dívidas só são exigidas muito tempo depois. Entre o momento em que não pagou uma contribuição, ou recebeu indevidamente uma prestação, e aquele em que a Segurança Social o interpela, podem passar alguns anos.
A prescrição da dívida não é, porém, automática. O devedor deve invocá-la. Em fevereiro de 2024, entrou em vigor um diploma (Decreto-Lei n.º 3/2024, de 5 de janeiro) que reforça as garantias dos devedores com carências económicas. Se tiver rendimentos mensais inferiores ao valor do salário mínimo nacional (820 euros), caso tenha usufruído, por exemplo, de prestações a que não tinha direito, a dívida fica suspensa. Esta suspensão não se verifica, porém, se o devedor pagar voluntariamente o que deve ou se tiver património superior ao que a Segurança Social tenha conhecimento. A casa de morada de família, neste caso, não é tida em conta na avaliação do património.
Caso haja prestações em curso (por exemplo, subsídio de desemprego), o devedor, ainda que tenha dívidas à Segurança Social, mantém o direito a receber um montante mensal igual ao do salário mínimo ou o valor da prestação se for inferior. Nas restantes, é assegurado o valor do indexante dos apoios sociais (509,26 euros) ou o valor da prestação, se inferior. Para quem optou pelo pagamento parcelado da dívida, o prazo máximo passou de 36 para 150 meses.
As dívidas tributárias prescrevem no prazo de oito anos, mas os primeiros quatro servem para o Fisco notificar o contribuinte. Se não o fizer, este pode invocar a prescrição. Se for notificado, volta ao ponto de partida. No caso do IRS, do IRC ou do IVA, se houver retenção na fonte, o prazo conta a partir do início do ano civil seguinte.
Já para os impostos de obrigação única, como o IMT, a contagem é a partir da data em que ocorreu o facto tributário. Nas restantes situações, inicia-se a partir do fim do ano em que se verificou.
As faturas relativas à prestação de serviços essenciais – água, luz, gás, telefone fixo, telemóvel, internet, televisão, serviços postais, recolha e tratamento de águas residuais, gestão de resíduos sólidos urbanos e serviços de transportes públicos – prescrevem no prazo de seis meses. Os consumidores podem, assim, opor-se ao pagamento de um serviço que tenha sido prestado há mais tempo. Para tal, é necessário que envie uma carta ao prestador de serviço a invocar a prescrição da dívida.
Apesar de o prazo de prescrição ser de seis meses, é aconselhável guardar as faturas durante quatro anos (pode ser em suporte digitalizado) para efeitos da validação das despesas no e-Fatura, caso venham a ser consideradas no âmbito do IRS, e evitar problemas relativos a uma eventual inspeção tributária.
Embora seja pouco provável que um banco se "distraia" ao ponto de deixar prescrever uma dívida bancária, os empréstimos para aquisição de habitação própria cujo pagamento foi fracionado em prestações (incluindo o pagamento de juros), prescrevem em cinco anos. O mesmo acontece com o crédito pessoal ou ao consumo.
No que diz respeito às dívidas de cartão de crédito, o prazo é bem mais longo. Segundo um acórdão do Tribunal de Relação do Porto, de 2016, ao crédito concedido por uma entidade bancária com a emissão e utilização de cartão de crédito para aquisição de bens e serviços aplica-se o prazo ordinário de prescrição de 20 anos. Todavia, os juros devidos pelo devedor prescrevem ao fim de cinco anos.
Se tem algum aperto financeiro urgente, contacte o banco e tente chegar a acordo, ou contrate um crédito pessoal (com juros mais baixos), para liquidar a dívida do cartão.
As dívidas ao Serviço Nacional de Saúde, como a falta de pagamento de taxas moderadoras, prescrevem ao fim de três anos, contados da data em que cessa a prestação dos serviços. Para as situações de tratamento prolongado, a contagem do tempo inicia-se a partir do último ato de assistência.
Em 2020, a Administração Central do Sistema de Saúde emitiu, porém, uma circular que classifica as taxas moderadoras como “tributos públicos”, atribuindo-lhes um prazo de prescrição de oito anos, embora tenha de notificar o utente, no máximo, em quatro anos. A DECO PROteste não subscreve esta interpretação, porque o diploma que regula a cobrança de créditos do SNS estabelece um prazo de três anos.
No caso de cuidados de saúde realizados em estabelecimentos privados, a prescrição da dívida é de dois anos, mas é também necessário invocá-la.
Prestação de alimentos
Quando estão em causa créditos relativos a prestações de alimentos (já vencidos), os mesmos prescrevem em cinco anos. Como se conta o prazo? A partir do momento em que cada uma das prestações vence. Por exemplo, se um progenitor pagar todos os meses uma pensão de alimentos ao filho que está a cargo do outro progenitor, a dívida só prescreve a partir do momento em que é devida. Ou seja, inicia-se um novo prazo todos os meses relativamente àquele montante.
Cinco anos é, também, o prazo aplicável às rendas e aos alugueres devidos pelo locatário, mesmo que pagos de uma só vez.
Quotas de condomínio
As quotas do condomínio, por assumirem um caráter periódico e renovável, estão sujeitas a uma prescrição de cinco anos. No entanto, se, durante este período, o credor mover alguma ação, o prazo é interrompido. Um exemplo: o condómino não paga as quotas desde 2019, mas, em 2022, a administração do prédio intentou uma ação em tribunal ou recorreu a um centro de arbitragem. O prazo de prescrição começa a contar a partir do momento em que o condómino foi citado. Assim, a dívida não prescreve em 2024, mas em 2027.
Já as contribuições para as despesas extraordinárias, com um caráter pontual (por exemplo, obras em edifício que resultem de uma infiltração), prescrevem no prazo de 20 anos.
Multas de trânsito
As contra-ordenações de trânsito, designadas também por “multas”, prescrevem em dois anos. Isto é, se, após a data da infração, o condutor não tiver recebido qualquer notificação relativa ao processo, nada tem a pagar. Contudo, se a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária o notificar da contraordenação, o prazo
de prescrição de dois anos começa a contar a partir dessa data. Importa referir que, após a notificação, a lei impõe um prazo máximo de prescrição de três anos a contar da prática da infração. Decorrido este tempo, a "multa" não é devida pelo condutor.
Portagens
A falta de pagamento de portagens constitui uma contra-ordenação sujeita ao regime geral das infrações tributárias, e pode levar à penhora de bens do devedor. Compete, portanto, à Autoridade Tributária a sua cobrança, incluindo juros de mora, coimas (que têm novos limites desde 1 de julho) e encargos com o processo. O prazo de prescrição é de cinco anos. Contudo, sujeito a causas de interrupção (por exemplo, notificação) e suspensão, que podem prolongá-lo até oito anos.
Estudantes
Se é estudante e contraiu dívidas junto de estabelecimentos que disponibilizam alojamento e/ou alimentação, o prazo de prescrição é de dois anos. O mesmo, aliás, aplica-se aos serviços prestados relacionados com educação, estabelecimentos de ensino, assistência ou tratamento.
No caso das dívidas relativas a propinas do ensino público, prescrevem no prazo de oito anos a contar do último ano escolar.
Advogados
Se recorreu aos serviços de um advogado ou de outro profissional liberal, os honorários relativos aos serviços prestados e o reembolso das despesas correspondentes prescrevem ao fim de dois anos. A contagem do prazo inicia-se a partir do momento em que cessam os serviços que solicitou.
De facto, não basta decorrer o prazo para a dívida prescrever. Ainda que o devedor deixe de ter a obrigação de a saldar, isso não impede o credor de ir na sua peugada exigir o pagamento. Neste caso, o devedor deve remeter uma carta registada, com aviso de receção, a invocar que a dívida já se encontra prescrita. Na missiva, deve identificar as partes (devedor e credor), o montante e a data em que os consumos/serviços foram prestados, bem como a data de prescrição e a fundamentação legal (diploma) dessa mesma prescrição. Por último, deve declarar expressamente que a dívida está prescrita. É fundamental guardar a cópia da carta, bem como o registo e o aviso de receção assinado pelo destinatário (credor).
Sem essa carta, é quase certo o consumidor continuar a ser pressionado, muitas vezes através do departamento jurídico das empresas credoras, para pagar créditos que já prescreveram. Como há regras específicas para as dívidas fiscais e à Segurança Social, a missiva pode ser mais complexa de redigir do que uma carta a invocar a prescrição de serviços essenciais. Para garantir que não comete erros formais que prejudiquem a invocação da prescrição, pode ser útil recorrer a assistência jurídica especializada.
A contagem do prazo de prescrição pode não ser linear. Em algumas situações, pode ser suspenso, retomando o seu curso normal a partir da data em que foi interrompido. Exemplo: se um condómino estiver a cumprir um plano de pagamentos das quotas em falta, o credor (administração do condomínio) abstém-se de intentar uma ação judicial, neste período, suspendendo a prescrição até estar concluído o pagamento.
Outras circunstâncias podem, também, levar à suspensão do prazo. É o caso de litígios relacionados com heranças, sobretudo quando estão pendentes de uma decisão judicial que determine os direitos sucessórios dos herdeiros.
Em resumo, enquanto a suspensão se mantiver, o tempo não conta para efeitos de prescrição, beneficiando ambas as partes: o credor não perde o direito de exigir o pagamento da dívida, e o devedor tem oportunidade de a sanar sem correr o risco de lhe ser intentada uma ação. Importa guardar as provas caso seja necessário comprovar que o montante já foi liquidado.
Se o devedor for citado, tomando, assim, conhecimento de que tem uma dívida (por exemplo, ao Fisco), o prazo de prescrição é interrompido. Significa que se inicia um novo prazo, isto é, a contagem volta à estaca zero. Nestes casos, o devedor deve evitar reconhecer a dívida (por exemplo, pedir um plano de pagamento é o equivalente a admitir que tem uma dívida) ou sequer negociá-la após decorrido o prazo de prescrição. Para tal, deve reunir toda a informação/documentação disponível (faturas, recibos, correspondência, extratos bancários, etc.) e verificar quando ocorreu o último contacto ou pagamento relacionado com a dívida.
Conforme as situações, se o credor insistir na cobrança de uma dívida, intentando uma ação em tribunal após o prazo de prescrição, o devedor pode invocar a "exceção de prescrição", na qual argumenta que a dívida está prescrita, já não é exigível.
Caso tenha tido, no passado, créditos bancários (por exemplo, cartão de crédito), é importante que verifique se a dívida prescrita foi indevidamente registada no Banco de Portugal (Central de Responsabilidades de Crédito, vulgo "lista negra"), pois isso pode afetar o acesso a crédito bancário no futuro. Caso se comprove, tem a possibilidade de solicitar a correção.
As dívidas não se extinguem com o falecimento do devedor. O seu espólio responde por elas. Ninguém é obrigado a aceitar uma herança, mas, se a aceitar, tem de a receber por inteiro, incluindo dívidas. Cada herdeiro é responsável apenas até esgotar a parte que Ihe coube. Ainda assim, se os credores tentarem, extrajudicialmente ou em tribunal, reclamar os créditos, cabe ao herdeiro provar que já não há mais bens para as saldar. Nem sempre é fácil e pode acarretar custas judiciais e honorários de advogados.
Para evitar qualquer problema (sobretudo, se o valor dos bens não compensar), pode proceder a uma aceitação a benefício de inventário. Caso seja notório desde o início que a herança não é suficiente para pagar as dívidas, é aconselhável repudiá-la. Todavia, se após o óbito um herdeiro utilizar os bens do falecido como se fossem seus, a lei entende que há uma aceitação tácita da herança. Como tal, já não pode repudiá-la. É o caso, por exemplo, do filho que utiliza o carro ou vive na casa do pai desde que este faleceu e descobre mais tarde a dívida.