Faltam regras justas no acesso à tarifa social da água
A ausência de tarifas sociais em muitos municípios, a sua fraca divulgação e os diferentes critérios de elegibilidade excluem muitas famílias carenciadas de acederem aos serviços de abastecimento e saneamento em condições justas.

Tem crescido, de ano para ano, o número de municípios que aderem às tarifas sociais no abastecimento de água, no saneamento ou no tratamento de resíduos. Mesmo assim, este aumento não é suficiente para compensar as distorções do sistema, que impedem os portugueses em geral, e as famílias carenciadas em particular, de acederem a tais serviços em condições equitativas e socialmente justas.
A montante está o crónico problema da disparidade tarifária entre municípios, que tem vindo a agravar‑se, e que distingue os portugueses em função da região que escolheram habitar. Depois, cerca de dois em cada dez dos 278 municípios do Continente ainda não têm tarifas sociais nos serviços de água ou de saneamento. Nos resíduos, a proporção é superior: três em dez.
Mas não basta prever uma tarifa social. De acordo com as recomendações da legislação e da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), deve ser aplicável a todos os agregados numa situação de carência económica. Deve ainda, de acordo com o regulador, conduzir a custos que não superem 1% daquilo que auferem anualmente as famílias com carência económica, de acordo com um rendimento elegível, calculado a partir do indexante dos apoios sociais.
Saber quanto custa a fatura da água no meu município
Maioria dos municípios não cumpre os mínimos
A DECO PROteste quis saber se estas orientações são consideradas. E calculou o custo do abastecimento após aplicação da tarifa social, em todos os municípios do Continente, considerando um consumo médio mensal de 10 metros cúbicos de água (não incluiu as taxas de recursos hídricos e o IVA).
No caso de 149 municípios, a organização de consumidores chegou a valores que excedem a taxa de esforço de 1 por cento. Somando‑lhes os 47 que não têm tarifa social, concluiu que 71% dos municípios continentais não garantem a acessibilidade a quem aufere o rendimento elegível, de 6272,64 euros em 2024.
No saneamento, para as mesmas condições, são 92 os municípios cujos preços ficam acima da taxa de esforço de 1 por cento. Repetindo o exercício de adicionar os concelhos sem tarifa social, que também têm taxa de esforço superior a 1%, e que são 39, percebe‑se que quase metade dos municípios do Continente tão‑pouco garantem um justo acesso ao serviço de saneamento a famílias com o referido rendimento.
Mas a tarifa social, se bem aplicada, permite a acessibilidade económica a ambos os serviços, como se comprova pelo exemplo de 81 concelhos, no abastecimento, e de 129, no saneamento.
Tarifa social nem sempre atende às necessidades das famílias
A partir do rendimento elegível, a DECO PROteste fez os cálculos para um segundo cenário, respeitante a uma família de quatro com um consumo anual de água de 120 metros cúbicos. Seguiu, para o efeito, os critérios de elegibilidade indicados pela legislação e pela ERSAR: aos 6272,64 euros, acrescentou 50% por cada elemento do agregado sem rendimentos, e obteve o valor anual de 15 681,60 euros.
Os resultados são bastante mais animadores. Mas, entre taxas de esforço excessivas depois da aplicação das tarifas sociais e ausências deste tipo de descontos, continuamos a ter 9% dos concelhos a não garantirem a acessibilidade à água e 5% ao saneamento.
Este agregado familiar de quatro não pode, contudo, descuidar‑se. Se, em vez de 10 metros cúbicos por mês, ou 120 anuais, gastar 15, isto é, 180 ao fim de um ano, verá o acesso aos serviços muito penalizado. Todavia, 15 metros cúbicos ao mês é o volume adequado, segundo a Organização Mundial da Saúde, para um agregado de quatro satisfazer as necessidades básicas. A DECO PROteste alinha-se com esta ideia. Sem contrariar a importância de fomentar um uso eficiente da água, a acessibilidade económica com base no consumo de 10 metros cúbicos ao mês não reflete as reais necessidades das famílias de quatro elementos.
Entidades gestoras não prestam informação suficiente ao consumidor
Se bem aplicada, a tarifa social garante a acessibilidade aos serviços, já o vimos. Mas não é suficiente. É preciso que os consumidores saibam que têm direito. Logo, a deficiente divulgação das tarifas sociais pelas entidades gestoras também pode excluir dos descontos quem deles necessita.
É certo que, igualmente nesta vertente, 2024 trouxe melhorias. Dos 247 concelhos portugueses com tarifa social no abastecimento, 91% divulgam‑na no site, ainda que em 23 seja muito difícil encontrar a informação.
No saneamento, são 233 os concelhos com tarifa social, e 89% têm informação no site. Mas 26 destes municípios não facilitam a vida do consumidor: localizar os dados exige persistência.
Finalmente, nos resíduos sólidos urbanos, de 214 concelhos com tarifa social, 89% publicam informação na internet, embora detetá‑la seja muito complicado e moroso em 32 deles.
Há mais locais onde a tarifa social deveria ser sempre divulgada, a começar pela fatura mensal. O site da entidade responsável pela faturação é outro. Muitas entidades gestoras, municípios incluídos, quando são interpeladas pelos interessados, remetem para a entidade que gere a faturação o trabalho de informar sobre a tarifa social. Mas nem sempre estas detalham se existe ou não a possibilidade de aplicação a cada serviço que faturam.
A atribuição automática da tarifa social às famílias com rendimentos elegíveis, tal como ocorre no setor da eletricidade, eliminaria este périplo burocrático, imposto a quem pretende fazer valer os seus direitos. Para saber se o seu município pratica a tarifa social, em que serviços e quanto pagará após os descontos, aceda ao mapa interativo desenvolvido pela DECO PROteste.
Preço do abastecimento e saneamento nos municípios com tarifas mais elevadas
A DECO PROteste traçou o ranking dos municípios com os preços mais elevados no abastecimento de água, para um consumo anual de 120 metros cúbicos. A partir do cenário da tal família de quatro com rendimento anual de 15 681,60 euros, calculou os preços resultantes da aplicação da tarifa social e verificou se ficavam acima ou abaixo da taxa de esforço de 1 por cento. Depois, analisou quanto teria esta família de pagar, se consumisse mais cinco metros cúbicos de água por mês e se, aplicados os descontos, os preços ainda ficariam dentro da margem de 1 por cento.
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